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Clube Naval de Lisboa

 

Naquele dia, os barcos destacavam-se naquele espaço com uma força atractiva irresistível. Quando jovem remei no Tejo num velho bote, e mais recentemente pratiquei canoagem em Constança e na Barragem de Montargil. Pedi para entrar, e numa observação mais atenta para além dos barcos de remo de pontas, reparei na existência de um espaço com tanques para o exercicio da arte de remar, sobre os quais estava um retrato possivelmente do princípio do século XX. Quem era? Ninguém sabia. Foi desta maneira que, em fins de 2018, comecei a remar no Clube Naval de Lisboa (CNL) . Sobre o retratado, nada consegui descobrir, tantos foram os amantes dos desportos nauticos que passaram por este clube.

Abel Powel Dagg. Contra-comodoro honorário da Real Associação Naval da qual foi fundador e tesoureiro durante 37 anos. Era director da companhia de seguros União Norwich.

Abel Power Dagg (?-1893), um pioneiro da vela e do remo de recreio em Portugal, é apontado como um dos fundadores em 1891 do Real Clube Naval, actual CNL.

Em Lisboa, na freguesia de S. Paulo, a 18 de Agosto de 1828, com os irmãos Pinto Basto e membros da comunidade inglesa, fundou o Arrow Club, o que terá sido o primeiro club nautico de Portugal. Em 1856 com natural entusiasmo participou na criação Real Associação Naval de Lisboa, e assistiu à fundação de quatro clubes de remo: o Tagus Rowing Club (1862-1873, ligado à comunidade germânica) e o Club de Remeiros Lusitano (5/02/1862-1873) que se fundiram no Rowing Club de Lisboa (1873-1891) que esteve na origem, por sua vez, do Real Clube Naval de Lisboa (1891).

Em Portugal, a vela até final do século XIX era o desporto preferido das elites, mas o remo como desporto foi-se impondo entre os mais novos, amantes da velocidade nas regatas.

As regatas na Grã-Bretanha e nos EUA provocaram uma verdadeira revolução na construção dos barcos de competição, tornado-os mais compridos, leves e rápidos (guigs). Harry Clasper, em 1844, pioneiro no desenvolvimento dos cascos de corrida, inventou um processo de suportar os remos sobre a água (aranhas). Matthew (Matt) Taylor, em 1855, criou barcos sem quilha. Em 1856 já tinhamos barcos de uma só peça (shell). Walter Brown, em 1869, criava os bancos móveis substituindo os bancos fixos, maximizando ainda mais o esforço dos remadores.

Barco que Harry Clasper inventou em 1844 para competir

Abel Power Dagg (?-1893), acompanhava estes progressos tecnológicos nos barcos de remo, modalidade de recreio que durante décadas promoveu. Em 1852 cedeu o seu "caique de regalo" para as regatas em Paço d`Arcos. Em 1861 estava entre os que construiram em Portugal dois guigas de 8 remos (Lusitânia e Germania) de 42 pés de comprimento e 6 de largura dos dois clubes de remo de Lisboa.

No Porto, Figueira da Foz, Setúbal e Aveiro, com maior ou menor desfasamento de datas, o entusiasmo pela vela, mas também pelo remo era o mesmo. No Porto fundou-se em 1866 o Oporto British Rowing Clube, em 1879 passa a designar-se Oporto Boat Club. Seguiu-se o Clube Naval Portuense (1868, CNP). Também aqui se começam a organizar regatas: o CNP, em 1864, organiza uma com a particularidade de ter uma regata para os sócios do clube, uma para marinheiros e outra para duas mulheres de Avintes (Anna d`Arnellas e Ana Grilo). Na regata realizada no Porto, a 13 de Junho de 1870, o Club Rameiros Lusitano de Lisboa contra o Club Naval Portuense, todos os remadores eram estrangeiros. O próprio juiz era o consul inglês. Um facto que demonstrativo que se o remo era um desporto aristocrata em Inglaterra, em Portugal estava longe de o ser. Na regata que os ingleses realizaram a 20 de Julho de 1875, entre o areal de Avintes e a Quinta das Pedras Salgadas (Areinho) concorreram 9 escalares. A regata de 25 de maio de 1876 teve o condão de motivar David José Pinto, proprietário do escaler "Tamisa", com outros, a fundar o Fluvial.

Pormenor do fascinante conjunto de barcos do Clube Fluvial Portuense

A fundação em 1876 do Clube Fluvial Portuense trouxe um novo dinamismo ao desporto nautico na cidade. David José Pinho foi o sócio que tornou possivel o clube, mas Marcos Guedes foi o seu principal dinamizador. O clube esteve uma vez para ser suspenso por se recusar a escrever antes de Fluvial a palavra Real. Esta vertente republicana atraiu Cândido dos Reis para seu praticante de regatas, quando era comandante Escola de Marinheiros do Porto. O almirante Reis deveria ter sido o chefe do golpe militar que implantou a República em Portugal (1910), mas por julgar que o mesmo falhara suicidou-se. O Fluvial, como assinala José Pontes, destacou-se não apenas na organização de regatas e outras festas nauticas que atraiam multidões, mas também na introdução de modernos barcos (os "runner" em 1902, os "outriggers" de 8 remos em 1910), assim como na criação de um posto de socorro a naufragos que salvou muitas vidas da morte certa. Organizou uma escola de timoneiros, remadores e aspirantes de marinha. O historial do Fluvial é longo e brilhante.

Em Aveiro surgiu o Ginásio Club Aveirense (1894), e já no século XX surgiram o Clube Naval Povense (1904) e o Clube Fluvial Vilacondense (1906) que muito contribuiram para a difusão do remo no norte de Portugal.

Associação Naval 1º. de Maio

Na Figueira da Foz, em 1866, foi criada a Associação Naval Figueirense, cujos estatutos se inspiravam nos da ANL, tendo como objectivo a construção e navegação em barcos de recreio, assim como a organização de regatas. Seguiu a fundação do Club Moderno (1881), da Associação Naval 1º. de Maio (1893) e do Ginásio Clube Figueirense (1895). Estes clubes não tardam em afirmar-se no remo em Portugal, contribuindo igualmente para a animação desta praia da Figueira na época estival. O Ginásio em 1908 institui a Taça Mondego (corrida de inriggers), cujas duas primeiras edições foram ganhas pela CNL, seguindo-se de 1910 a 1913 vitórias da ANL. A assistência a estas provas foi sempre muito numerosa.

Em Setúbal fundou-se a Associação Fluvial Setubalense (1880), numa altura que a cidade regista um grande desenvolvimento da industria conserveira e corticeira.

Bandeiras do Real Clube Naval de Lisboa

Em Lisboa, no final do século XIX, surge o Clube dos Aspirantes da Marinha (1888), e como dissemos o Real Clube Naval de Lisboa (CNL). Este clube que surgiu na sequência da Regata na Trafaria (12/10/1890) contou entre os seus sócios fundadores com Augusto César de Paiva Moniz, Frederico José Burnay, João Felix Peixoto e Alberto Motta (Carlos Reis, A Monarquia e os Desportos Nauticos). Os seus estatutos continuaram a privilegiar a construção de iates, mas o remo adquiriu uma crescente importância. Alberto Motta refere três objectivos iniciais do clube: filantropia, criação de um posto de socorro da naufragos e educação física. O rei D. Carlos aceitou ser o comodoro do clube(1897).

O entusiasmo gerado pelo remo, levou a Real Associação Naval (actual ANL), em 1893, a criar também uma secção de remo (Club Naval de Lisboa, II volumes, 1942/43). Não era possivel manter-se à margem deste desporto em ascensão. Facto singular: Os remadores que participavam pela ANL nas regatas, até aos anos oitenta do século XIX, não eram sócios do clube, mas "remadores de ofício" ou "curiosos". A distinção de classes no clube estava bem marcada entre a vela (iates) e o remo.

O CNL, malgrado os seus crónicos problemas com a sede, não parou de crescer. No final do século, uma caravela servia de pontão para os barcos de 4 e 6 remos. Notícias da época dão conta das primeiras remadoras do clube. A escola oficial foi inaugurada em 1895 sob a direção de Anibal Generoso, substituido em 1904 por Camilo Dinis. Em 1899 inaugura a sua sede no Cais da Viscondessa, em Santos. Em 1902, era frequentada por 71 alunos, obtendo 39 a classificação de remadores, mais 6 do que no ano anterior. A 31 de Dezembro de 1902, as estatísticas do clube revelavam o trabalho realizado. Tinha 55 patrões, 28 timoneiros e 121 remadores (Anuário de 1902, Real Clube Naval). Em 1903 abre um posto nautico em Pedrouços.

Foto: Arquivo Fotografico. CML

O CNL em 1902 contava com 14 barcos (Guigas), mas estavam longe de acompanhar a evolução tecnológica que ingleses e norte-americanos haviam introduzido nas embarcações. A importância da tecnologia e dos métodos de treino foi posta prova na Taça Lisboa de 1907. O Club Naval Madeirense devido à sua ligação estreita com a comunidade inglesa e ao apoio que dela recebeu venceu com facilidade a taça em 1905 e 1906. Entre os clubes de Lisboa o desânimo era enorme. Em 1907 as coisas mudaram. Buckmall, sócio inglês do CNL, formou uma equipa e colocou a treiná-la o seu filho -Henry Bucknall-, um experiente remador nas regatas de Oxford-Cambridge. A vitória foi estrondosa. Este atleta, nascido em Portugal, nos Jogos Olimpicos de 1908, foi o voga da tripulação de Shell 8 inglesa que conquistou nesta prova uma medalha de ouro.

O CNL, o clube da família real, destacou-se entre os vários clubes pelo seu dinamismo, nomeadamente na organização de passeios de barco a Sarilhos, Alfeite, Cova da Piedade, Montijo ou ao Valla da Azambuja. O passeio à Valla, em Julho de 1910, por exemplo, era composto de vários barcos à vela, precedidos pelos vapores D. Augusto e o Balaena, do contra-comodoro do CNL Duarte Alexandre Holbeche, que o pôs à disposição do principe D. Afonso. O programa incluia uma regata com remos de parelhas e pontas, junto à Quinta do Infantado. A ANL, realizou também num domingo e na mesma altura outro passeio, à Quinta Real do Alfeite. Os convivas foram transportados pelo vapor Alcochete, onde foi realizada uma "gymckana" mista de senhoras e homens,como a corrida da agulha e da linha e ados ovos.

Durante a monarquia, as dinâmicas direcções do CNL foram criando diversas secções de remo pelo país e colónias: Cascais, Azambuja, Pedrouços, Trafaria, Portimão ou Lagos, Luanda (1902), Lourenço Marques (Maputo), Funchal (1904), as quais não tardaram a autonomizar-se dando origem a novos clubes. A partir de 1901 passa a organizar, em Cascais, regatas para comemorar os aniversário do rei e da rainha.

A ligação do CNL à casa real não deixou de afectar a vida do clube após a implantação da República (1910-1926), muitos sócios abandonaram o clube. Em 1919, por exemplo, um grupo de dissidentes, entre os quais se contavam Gustavo Pereira e Jaime Roussado dos Santos, saiu para fundar o Clube Nacional de Natação. Os Sports Illustrados, jornal diurigido por José Pontes, criticou abertamente a orientação que o clube havia seguido ao serviço da monarquia. A crritica estendia-se à deficiente organização dos passeios e das regatas, os remadores eram sempre os mesmos e não se dava lugar aos mais novos. A Democracia chegara ao clube, garantindo-se que os republicanos iriam finalmente dar à educação física no país o lugar que merecia. A grande aposta do CNL, afirmava-se em 1911, seria na formação em remo dos alunos das escolas de Lisboa. As cores do clube mudaram: o azul e branco, deu lugar ao preto e encarnado. Cores idênticas ao Club de Regatas do Flamengo, fundado em 1896 no Rio de Janeiro, sete anos depois da implantação da república no Brasil.

Apesar destes e outros pequenos detalhes, durante a Iª. República assinalam-se três acontecimentos relevantes: Paulo Henrique Rolin, remador do CNL, a 14 de Outubro de 1916, numa chalupa, em frente do Dafundo, salvou 7 naufragos dum bote que se virara. O CNL, durante a Grande Guerra (1914-1918) participou na vigilância da costa. Em 1926, e por último, representou pela primeira vez uma equipa portuguesa em compeonatos europeus, que neste ano se realizou na Suiça.

Façamos uma pausa para dizer alguma coisa sobre o que andou a fazer o director do Jornal da Praceta no CNL. Foi pouco para alguns, muito para outros: ergometro, uma remada no Tejo e uma visita a Avis.

Ergometro

Paulo, o nosso treinador, era um entusiasta dos aspectos científicos do remo. O remo ergonómico, como ele pacientemente explicava, tornou-se para os remadores um instrumento que permite condições standard para testes, treinos e pesquisa cientifica. Simula biomecanica e metabolicamente as exigências da remada executadas nas embarcações, isolando as suas variáveis. A questão é que o remo na água, tem outras variáveis e requere competências que no ergómetro não existem. Sem sairmos dos ergometros, as nossas perguntas eram naturalmente básicas. Quem tem mais vantagem remo ? Os mais altos ou os baixos? Os que pesam mais ou os que pesam menos? Os que tem mais massa magra ou os que tem mais massa gorda?

Olhando para a elite mundial do remo a resposta era clara: os mais altos estão largamente em vantagem, conseguem uma remada mais longa, assim como os mais pesados, a sua maior capacidade aeróbica permite oxiginar melhor a massa muscular. O remo é desporto aquático, no qual uma embarcação que desliza na água tem um propulsão mecânica. Esta consiste numa potencia muscular capaz de superar a resistência que a deslocação na água oferece. Logo, é preciso força e os que tem mais massa magra estão em vantagem.

O leitor está a perceber que esta coisa do remo não se reduz a andar como uma remo para a frente e para trás. Para obter melhor rendimento nas remadas na água são precisos outras variáveis. O ergometro neste aspecto é muito mais simples. No meio aquático é fundamental o trabalho conjunto dos remadores de forma ritmica e sincrona. Isto para não falarmos nos problemas especificos dos dois tipos de embarcações: as de"pontas", em que cada remador utiliza só um remo, e as de "parelhos", em que cada remador utiliza dois remos, um de cada lado do barco. Não nos podemos esquecer também da influência das marés, a sua amplitude...

Convenhamos que o treino no ergometro tendo o Tejo pela frente, não era a mesma coisa que num espaço fechado. O Paulo (treinador) tinha razão.

Finalmente no Tejo !

Ninguém nos atirou à água no dia 17 de Fecvereiro de 2019. O Yole de quatro remos foi posto na água e deslizou conforme o esperado. Foi tirado da água, lavado e arrumado, um trabalho de equipe que exige grande coordenação.

A Fotografia não Engana

O leitor certamente que terá reparado na fachada das instalações do CNL, estão submersas por grafittes. O chamado cais do gás, junto ao Cais Sodré, como "território nocturno" da cidade, presta-se a intervenções como a fotografia documenta. Na vida do CNL, como na de outros, há altos e baixos. Em Fevereiro de 1941, um ciclone destrui-lhe parte da instalações no cais da Viscondessa ( a 5ª. sede do clube). No ano, quando comemorva 50 anos de existência, foi-lhe dado uma área de 300m2, na doca de Belém, onde criou um posto nautico. Em 1944 perdeu o seu posto nautico de Cascais. Dez anos depois, novo momento alto: em 1954, a Rainha Isabel II da Grã-Bretanha, na sua passagem por Lisboa, aceitou o cargo de "comodoro honorária" do clube. Dez anos depois, discute-se o fim do clube. Ninguém desiste e no ano seguinte, no cais do gas (a sede do clube) é construído um tanque para oito remadores.

No ano do centenário (1991), a CML deu-lhe neste cais um armazém para guardar barcos. Continuou a faltar um cais, a rampa existente, revela-se inapropriada para a entrada e saída dos barcos de remo. O problema persiste, afectando a prática desportiva no clube. Episódio que não é único no país. Desde os anos quarenta que se discutiam projectos para a construção de uma pista de Remo. Locais não faltavam: Cruz Quebrada, Barragem do Ermal (Braga), Pateira de Fermentelos (Aveiro), entre outros. O milagre ocorreu apenas em 2002 quando foi inaugurada a pista de Montemor-o-Novo, segundo normas internacionais.

Em 2022 foram inauguradas importantes melhorias nas instalações do CNL. Na fechada foi pintado um mural alusivo à história do clube e aos seus comodoros honorificos.

A ausência de pontão persiste, o que dificulta a prática do remo no Tejo no CNL.

 

Sinais de Mudança

Há palavras que tem que ser ditas. Desde que José Nunes assumiu a responsabilidade do remo no CNL, em Abril de 2022, tem vindo a ocorrer uma profunda mudança no clube. No dia 10 de Fevereiro de 2024 organizou o 1º. Lisboa Tejo Fest, um dia de eventos comemorativos dos 132 anos do CNL e dos 196 anos dos clubes de remo em Lisboa.   

Barcos do Clube Ferroviário de Portugal (parceiro do evento) e da Associação Naval de Lisboa em frente ao CNL, quando  se cantou os parabéns por mais um aniversário.      

Ameaçava chover, mas ninguém  deixou de marcar presença num evento que augurava uma nova e promissora fase de um histórico clube de remo de Lisboa.

Carlos Henriques, dinâmico treinador dos Ferroviários,  comandou no Tejo as manobras dos barcos e o animado coro dos remadores.

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