À chegada a Barco do Loureiro deparamo-nos com um cenário deslumbrante que foi interpretado como místico, ou não tivessemos em terras de templários .
Filipe Monteiro, teinador e organizador de mais este passeio, escolheu um sítio lindissimo na barragem (freg. Serra, conc. Tomar) para ficarmos alojados mesmo junto ao plano de água. Dali podiamos remar para sul até Aldeia do Mato (conc. Abrantes) e o paredão da barragem, e para norte até Fontes (conc. Abrantes). Uma escolha que nos permitiu contacto muito intenso com albufeira e a sua envolvente durante três dias (15, 16 e 17 de Março de 2024). Nesta expedição de 20 remadores, levamos três Yoles de 4+1 e uma yolete de 4+1 (parelhos). Na região situa-se o centro geodésico de Portugal: o marco de Picoto de Milriça (conc. Vila do Rei), a partir do qual foi feito o levantamento topográfico de Portugal. Enquadramento. O local escolhido para "porto de abrigo" situa-se na actual freguesia da Serra e Junceira, no concelho de Tomar. Esta margem pertencia ao domínio dos templários, a outra margem aos hospitalários. Barcas, partindo de dois locais diferentes no rio, faziam a atravessia do rio Zêzere. O primeiro no local, a Barca da Esteveira, já existia no século XVI e era foreira da Ordem de Cristo. Estava ligada com a Barca da Moura, foreira da Ordem de Malta. Apesar dos naufrágios e acidentes, a barca foi utilizada neste local durante séculos. No princípio do século XIX, por interferência do padre da Igreja de Santa Maria Serra (sede da Freguesia), surgiu um novo local para a barca em Vila Nova, tendo conhecido várias designações: Barca do Santo, Barca do Vale do Ferreiro, Barca do Padre José e por último Barca do Loureiro ou do Maneta. Tinha quatro remadores e podia transportar quarenta pessoas para Bioucos (conc. de Abrantes). O topónimo actual assinala o sítio hoje submergido, onde antes da construção da barragem, era o cais da barca de Joaquim do Loureiro, originário de Biouco e que se casou em Vila Nova.
No século XIX projectou-se construir uma estrada que vinda de Tomar, passava pela Junceira, Serra e daqui uns defendiam que devia seguir para Esteveira e outros para Vila Nova, atravessando o rio por uma ponte de pedra, ligando o Ribatejo à Beira Baixa. A construção da barragem deitou por terra este projecto.
Nas duas margens do rio foram descobertos importantes vestígios de ocupação pré-históricos. No lado de Tomar, por exemplo, a anta do Vale da Laje ( 6.000 a 7.500 anos, Freg. Serra e Junceira). No lado de Abrantes, a mamoa de Castelo do Bode, um túmulo protegido por um monte de pedras e terra (freguesia de Martinchel). Existem também vestígios de ocupação romana e mais abundantes medievais.
Barragem de Castelo de Bode. A visão rural do Estado Novo, desde 1933, conduziu a um progressivo atraso na industrialização do país. Nos anos quarenta, cresceu o descontentamento entre os sustentavam a ditadura, exigindo uma mudança na orientação política. A industriação do país implicava o aumento da produção de energia eléctrica. Os engenheiros foram chamados ao governo. Foi então lançado um vasto programa de produção hidroelectrica. Uma equipa inglesa estudou os melhores locais para a construção de barragens e antigos estudos foram recuperados. Foi decidido avançar com esta barragem para produção de energia eléctrica, regularização do caudal do rio Zêzere e abastecimento de água a Lisboa. Naquele pedaço de vale do rio Zêzere apenas havia mato e pedras. As obras começaram em 1945, sendo concluídas em 1950. A barragem abrange uma área de cerca de 67 600 hectares, dos quais 3 110 hectares correspondem à massa de água da albufeira, cuja capacidade é 1070 milhões de metros cubicos num a extensão de 60km. Até à inauguração da barragem do Alqueva, era o maior lago artificial de Portugal.A barragem abrange o território de sete concelhos: Abrantes, Tomar, Sertã, Sardoal, Ferreira do Zêzere, Vila do Rei e Figueiró dos Vinhos. Nome? É provável que o termo "castelo" tenha aqui o significado de ponto elevado, sobre o qual poderá ter sido um bode.
Riscos: A construção de uma barragem se tem efeitos positivos, tem outros negativos: abaixamento do leito do rio da juzante, modificações na qualidade da água, efeitos na vegetação e nos peixes, alterações climáticas entre outras. Tem riscos que não podem ser desoprezados.O Risco de Sísmico na área envolvente à Albufeira é considerado relevante, embora os registos históricos desde 1900 não sejam preocupantes. Os maiores riscos imediatos são a poluição das águas, vidas das Ribeira (Codes, Sertã, Aldeia do Mato, Brunheta, Alge, Souto, Alqueidão, Lapa) a partir de várias fontes poluentes, e os incêndios. A crescente ocupação do solo para fins sociais, devido ao seu descontrolo, assumiu dimensões preocupantes pondo em causa a vida de milhões de pessoas para quem se espera que seja garantida água de qualidade.
Curiosidades: a primeira barragem construída em Portugal foia da Lagoa Comprida, na Serra da Estrela, em 1912, tinha uma altura máxima de 29 metros. Seguiu-se a barragem do Lindoso (1920), no Rio Lima. Em 1949 foi inaugurada a Vale do Gaio. Nos anos cinquenta foram inauguradas as seguintes barragens: Castelo de Bode (1951), Venda Nova (1951), Cabril (1954), Campilhos (1954), Arade (1955), Paradela (1956), Picote (1958) e Montargil (1958). Um ritmo de construções que tem vindo a acompanhar as necessidades de consumo, assim como exigências de sustentabilidade climática. O rio Zêzere,o segundo maior rio que nasce em Portugal (Serra da Estrela), percorre 214 km antes de desaguar no Rio Tejo.
Aldeias submersas. Em 1951 assistiu-se um rápido enchimento da barragem, provocando uma profunda transformação da paisagem, sumergindo casas, azenhas, caminhos, estradas, pontes, mas também olivais, hortas, campos de cevada, milho, aveia, trigo e outras culturas. O concelho de Vila do Rei, entre todos foi o mais atingido nas terras mais produtivas, vendo desaparecer os nateiros, as terras mais ferteis das margens do rio zêzere. Sete das suas aldeias foram submersas. Foram expropriados 3500 hectares de terra, 1000 prédios urbanos e 250 industrias agrícolas. Cerca de 1400 proprietários indeminizados com valores irrisórios. Uma das consequência imediatas foi o isolamento das povoações entre duas margens.
A miséria não tardou a aumentar com o fim das azenhas, hortas, olivais, pomares e os férteis campos junto ao rio no seu antigo leito. A grande consequência foi o êxodo da população nos concelhos afectados. A floresta cresceu nas margens, assim como o despovoamento.
Pinheiros e eucaliptos. A albufeira da barragem obrigou a uma profunda mudança na economia local. Da actividade agricola então predominante, o que sobrevive são os vestígios de beirados que sustentavam dos sucalcos. A industria madeireira, embora no passado foi muito importante, é hoje predominante. As margens verdejantes da albufeira estão cobertas de pinheiros (Pinus pinaster) e eucaliptos (eucalyptus globutus), ocupando as antigas áreas de carvalhos, oliveiras e campos agrícolas. A biodiversidade continua a ser significativa. A mancha de pinhal é considerada a maior da Europa.
Xistos e zonas rochosas. Estamos perante zona montanosa, solos pouco férteis, Em Vila do Rei no lugar de Ribeiros e Vila de Amendoa pode encontrar-se rochas durissimas rochas de quartzite. Descendo através de um passadiço admire-se a magnifica plataforma rochosa de Penedo Furado.
Turismo e Desportos Nauticos. Esperava-se que fossem o grande dinamizador da economia local. Estão hoje a tornar-se um problema, sobretudo devido à forma desregulada como tem crescido nas construção de edificios, e à proliferação de motos de água que provocam um barulho ensurtecedor, em particular no verão. Miradores. Na foto as piscinas flutuantes de Aldeia do Mato.
Tomar. Neste passeio não fomos a Tomar, três dias era pouco tempo. Ficam aqui algumas sugestões de um percurso na visita, no qual se interliga a história da cidade com a do país.
1. Local. Comece a visita pela margem esquerda. Vestígios desde ocupação desde o paleolítico. Antiga Sellium romana, situada na margem norte. Século VII (período visigótico), segundo a legenda, deu-se o martírio de Santa Iria. S. Frutuoso construiu no local um convento beneditino. Nesta margem do rio, no século XV foi construída a igreja e convento de Santa Iria (clarissas e depois agostinhas), muito modificada por obras posteriores.
2. Tempo de Gualdim Pais. Mestre da Ordem do Tempo, participou na IIª. Cruzada, combateu na Palestina durante cinco anos, fixou a sua sede em Tomar (1160). O local tinha então uma posição estratégica na defesa da princiapal via de acesso a Coimbra, a "capital" e limite sul do Condado Portucalense. A última grande incursão muçulmana (1190), demonstrou as suas defesas eram inexpugnáveis. Os templários, reforçavam a sul a defesa das incursões muçulmanas, ocupando uma longa faixa do território desde o Fundão, Penamacor, Monsanto, Idanha-a-Velha, Castelo Branco, Almourol, Dornes, Cardigos (Torres Novas), Tomar, Pombal e Soure. Em Trás-os-Montes tinham vários castelos para defenderem o reino das investidas dos castelhanos-leoneses. Gualdim Pais mandou construir a Igreja de Nª. Senhora do Olival, no local do convento beneditino para panteão dos mestres templários. A Igreja gótica, actual, data do século XIII. O Castelo no serro (1160), a charola-oratório dos cavaleiros e a Igreja de Santa Maria (demolida). O castelo dupla cintura de muralhas segue modelo dos que os cruzados ergueram na Palestina. A Charola, oratório centralizado, românico inspirado no modelo oriental das igrejas italo-sírias em rotunda, muradas como uma fortaleza. Começa com uma base octogonal, para terminar num prisma de dezasseis faces. Um modelo comum a outros da Ordem do Tempo. As obras no tempo d D. Manuel abriram o espaço à Igreja, coro e sacristia. O traçado urbano de Tomar, muito regular, tem uma clara inspiração militar.
3. Século XIV. O facto mais importante foi a extinção da Ordem do Tempo e criação da Ordem de Cristo (1312). Iniciou-se então o culto do Espírito Santo, associado à rainha "santa" Isabel, esposa de D. Dinis. Neste século fixou-se uma importante comunidade de judeus. A Sinagoga é do século 1430/1460, sendo a maior existente na Peninsula Ibérica. Um das actividades relevantes que desempenharam foi a recolha de rendas, transações comerciais e oficios vários.
4. Infante D. Henrique. A Ordem de Cristo, entre 1420 e 1460 foi administrada pelo infante. Cedeu-a ao seu sobrinho D. Fernando (Duque de Beja e Viseu) que a passou ao seu filho D. Diogo, e deste a herdou a D. Manuel, futuro rei. A partir daqui foi administrada pelos reis de Portugal. D. Henrique mandou construir a Igreja de S. João Baptista, reconstruida por D. Manuel (obra concluída por volta 1510). O estilo é manuelino, ou gótico final. Das pinturas nela existentes, destaca-se Salomé apresentando a cabeça de S. joão Baptista (1538-39), possivelmente poarte de um retábulo, atribuido a Gregório Lopes. Mandou construir os Estaus (1420, hospedaria e zona comercial), os Lagares (moinhos), um paço e dois claustros (Lavagem e cemitério). Foi de enorme importância a ligação desta ordem aos descobrimentos.
5. D. Manuel. Refez muitas das construções anterior através de várias campanhas de obras, das quais se destacam: o Portal sul da Igreja, Coro e Sacristia, abertura da Charola, a Sala dita do Capítulo (1510), na qual surge a famosa Janela manuelina. Construção da capela de Santa Iria (séc. XVI) e da ponte velha, permitindo uma melhor ligação entre as duas margens do Rio Nabão.
6. D. João III. Após a reforma dos estatutos da Ordem (1529), prosseguiu com grandes obras em Tomar, com uma profunda mudança na estética do convento, do "manuelino" passou ao "maneirismo": a Igreja de Nº. Senhora da Conceição (1530-1540), erguida por iniciativa de Frei António Lisboa, e onde D. João III pretendia ser sepultado. Construção do Claustro de Santa Bárbara, dito pequeno, o claustro da Hospedaria dito Grande (1541- 1565) projecto inicial de João de Castilho refeito depois por Diogo de Torralva (1554-1565), Claustro da Micha - Construção do dormitório, cozinhas, refeitório (1530), celeiro (1545).
7. Filipes. FIlipe I foi a Tomar onde reuniu cortes (1581), jurando defender a autonomia do reino. Mandou construir o aqueduto de Pegões (1593-1614), segundo traça de Filipe Terzi. Tem 5 km de extensão e 180 arcos. Neste período foram realizadas várias obras no convento.
8. Século XIX. Dos século XVII e XVIII, pode ver a Igreja e Convento de S. Francisco (1624-1660), estilo barroco. As invasões francesas, como em muitos outros lugares, em 1810-11, deixaram um rasto de destruição (pilhagens e incêndios). Fim das ordens religiosas (1834). Costa Cabral (Conde de Tomar) - revoltas populares. Instalaram-se aqui várias industrias (papel, tecidos, sabões, serração, etc) que lhe trouxeram certa prosperidade.
9. Século XX - Caminhos de ferro (1928),Património Público. Turismo. Museu dos Fosforos. Barragem de Castelo do Bode (1950).
10. Arredores. A cerca de dois quilómetros de Tomar, em Ceras (Freguesia de Alviobeira), pode ver a as ruinas do castelo de Ceras, doado aos templários, em 1128, por D. Teresa mãe de D. Afonso Henriques. mais longe, junto ao Rio Zêzere , fica outra povoação templária: Dornes. A sua posição estratégica, salvou-a da ruina. A sua torre pentagonal, provável construção templária, continua a definir o seu belo perfil.
Fotografia do grupo de remdores da ANL tirada no adro de Serra, junto à igreja matriz de Santa Maria da Serra, que até ao século XVI era uma capela da Igreja de Santa Maria do Olival em Tomar. Hoje está dedicada a Nª. Srª. da Purificação. Sofreu um grande incêndio em Novembro de 1914, foi restaurada e nada conserva da sua traça primitiva. Nas proximidades, no lugar de Levada fica a capela de Santo António (1602), em Barreira Pequena a Ermida de Santa Luzia (séc. XVII) e no lugar de Chãos de Maias a Ermida de S. Bartolomeu (1602).
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