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Bairro Social das Murtas

 

O Bairro Social da Murtas, inaugurado em 2002, foi alvo de profundas obras de reabilitação em 2017 pagas pela CML. Foto: Julho 2017.

Num Inquérito realizado em 2013 os moradores reconheciam que o mesmo estava já bastante degrado. Para o lastimoso estado do edificio, apontavam as seguintes razões: Falta de civismo dos moradores que degradavam as partes comuns e os apartamentos. Os principais problemas do bairro residiam na sujidade e falta de higiene dos moradores, no barulho, insegurança e má vizinhança.

O Bairro das Murtas foi em tempos uma das zonas mais problemáticas da cidade de Lisboa, contribuindo para fecho de muitos estabelecimentos comerciais e mudança de moradores da zona. Os assaltos e o tráfico de droga eram uma constante.

O antigo bairro de barracas foi demolido e no seu lugar surgiu um bairro social, em 2002, numa iniciativa do Centro Paroquial do Campo Grande, sendo o financiamento assegurado pela CML. A Igreja Católica do Campo Grande realizou uma notável obra ao promover a construção destas habitações. Muitos dos problemas das Murtas diminuiram de gravidade, mas não desapareceram.

Apesar deste investimento a CML não tive o cuidado durante muitos anos de limpar o local e de criar parques infantis para as crianças, etc. As "Murtas", como é popularmente conhecido o local,  permaneceu até 2016 rodeado por uma lixeira. Nenhum cuidado foi colocado na limpeza do local. Mais

Conhecendo a mentalidade dos dirigentes camarários, aquando da inauguração do bairro, publicamos a carta de um morador que apelava à limpeza da zona (reproduzida nesta página).

O Bairro Social das Murtas continuou entre até 2016 rodeado de uma verdadeira lixeira. Foto: 2015

A limpeza geral ocorreu em fins de 2017, assim como a construção de um parque infantil e um campo de jogos . Em pouco mais de um ano, o parque infantil foi destruído e o campo de jogos vandalizado.

O parque infantil das Murtas foi rapidamente destruído, incluindo os pilaretes que o protegiam. Foto: 22/10/2019

Os problemas na zona não desapareceram depois de 2002 com a construção do bairro social das Murtas. A raiz dos problemas, como era óbvio, ultrapassava as competências do Centro Paroquial do Campo Grande, por muito notável que seja o trabalho que desenvolve.

Os moradores na zona, mas sobretudo os donos dos estabelecimentos comercais nas proximidades continuaram a lamentarem-se de agressões, roubos, insultos por parte da comunidade cigana ali residente. Alguns, prejudicados nos seus negócios, acabaram por fechar as portas.

Num estudo datado de 2007 realizado pela PSP e o SIS, classificava a Azinhaga das Murtas, no Campo Grande, como uma das 5 zonas de Lisboa consideradas de Alto Risco. Nesta preocupante classificação destaca-se também o Bairro de S. João de Brito, na freguesia do mesmo nome, embora lhe seja atribuída um nível de perigosidade menos elevado (Expresso, 6 de Abril de 2007). 

Posto da PSP nas Murtas

APolícia Segurança Publica (PSP) resolveu, criar no Bairro das Murtas um parque para viaturas rebocadas, aproveitando das garagens existentes nos blocos (Rua José Santa Camarão à Azinhaga das Murtas).

As instalações policiais foram colocadas numa posição de grande destaque. A presença dos agentes da autoridade, apesar dos seus constantes lamentos, foi um importante contributo para a segurança na zona. O parque acabou por ser encerrado (1/2/2013), segundo nos informaram porque a polícia não aguentou a pressão envolvente da comunidade cigana. Voltou a abrir um novo postos de viaturas rebocadas, mas numa posição recuada, muito discreta. As garagens usadas pela PSP foram entretanto vandalizadas.

Supermercados com Policias

"Os problemas com os ciganos são constantes", dizia-nos um empregado do supermercado Pingo Doce na Rua João Saraiva. Esta foi a razão pela qual a gerência se terá visto obriga a contratar um agente da PSP. Aquando da abertura no Pingo Doce na Praça de Alvalade, os problemas com a comunidade cigana começaram logo na abertura do estabelecimento, sendo adoptado o mesmo procedimento anterior.

Infelizmente o mesmo tipo de problemas levou, em 2019, o supermercado "Auchan", na Avenida do Brasil, a contratar também um agente da PSP.

Caracterização da População do Bairro das Murtas (2013)

Degradação do bairro social

Poucos anos depois de ter sido inaugurado, o bairro social das Murtas estava completamente degradado, razão pela qual a CML viu-se na contigência de efectuar en 2017 obras profundas em todo o bairro de modo a torná-lo habitável. Dois anos depois, a degradação do bloco é já visivel.O parque infantil e o campo de jogos, conforme dissemos, estão já parcialmente destruídos.

Bairro das Caixas

A altas horas da noite grupos de jovens do Bairro das Murtas, vindos de outros locais da cidade, instalam-se à portas de edificios e em barulhentas discussões e cantorias, impedem os moradores de descansarem. A Esquadra da PSP de Alvalade é alertada, vem ao local, identifica os desordeiros. A situação entra na normalidade. Os moradores podem então descansar. No dia seguinte, tudo volta ao mesmo. Acumulam-se as queixas na esquadra da PSP, sem que nada mude. A falta de respeito (ou impunidade) é total.

 

Murtas (2010)

O chamado "Bairro" da Azinhaga das Murtas ou simplesmente Bairro das Murtas é revelador da forma como as diversas entidades públicas encaram a questão da integração social de grupos sociais problemáticos. Na maioria dos casos  limitam-se a realojar comunidades carenciadas ou desestruturadas esquecendo a questão da sua efectiva integração social.  

Durante anos existiu no local um problemático bairro de barracas cuja maioria dos habitantes era de etnia cigana. As Murtas foram durante as décadas de 80 e 90 um dos principais centros de tráfico de droga e de criminalidade da cidade de Lisboa.

A Paróquia do Campo Grande, com o apoio do Estado e da CML, em 2001, promoveu o realojamento no local dos habitantes deste problemático bairro de barracas. As condições de vida dos moradores melhoram consideravelmente, mas acontece que os problemas sociais persistiram, continuando as queixas do costume.

1. Tráfico de Droga. A maioria dos moradores do Campo Grande e Alvalade continuou a atribuir às Murtas a origem do tráfico de droga que prolifera nestes bairros, assim como a criminalidade que lhe está associada.    

2. Assaltos a Estabelecimentos. Na zona das Murtas a maioria dos proprietários dos estabelecimentos queixa-se de contínuos assaltos e agressões. O facto tem provocado a debandada de muitos comerciantes e de moradores. O comércio local estava a desaparecer. O Centro Comercial Brasil foi uma das grandes vítimas deste processo

A onda de assaltos de origem em 2003 e 2004 uma estranha moda nos estabelecimentos do bairro. Muitos lojistas decidiram decorar as suas lojas com sapos. O seu objectivo era afugentar os clientes de etnia cigana a quem acusavam de roubos e agressões (cfr.Público (13/1/2004). O caso acabou por ser denunciado pela comunicação social como uma manifestação racista, mas o problema dos assaltos e roubos persistiu.   

3. Roubos. As estatísticas demonstram que o Campo Grande continuava a ser uma das zonas mais perigosas da cidade de Lisboa. O dedo acusador é apontado às Murtas, o que é um claro exagero.

Existe a percepção que o realojamento (Setembro de 2001) em nada mudou práticas e hábitos anteriores. Na verdade dois meses depois do realojamento as Murtas já eram notícia pelos piores motivos. Em Dezembro de 2001, uma viatura furtada nas Murtas aparece envolvida num atropelamento mortal na Av. Gago Coutinho.

Os alunos das escolas secundárias da zona queixam-se que bandos oriundos das Murtas continuam com as suas práticas criminosas.  

4. Agressões. Moradores e donos dos estabelecimentos do Campo Grande queixam-se de agressões que terão sido vítimas por parte dos moradores das Murtas, a quem acusam de agirem numa total impunidade face à Lei. Muitas destas histórias são exageradas e sem grande fundamento. Bandidos oriundos de outros bairros de Lisboa ou dos arredores da cidade tem dado o seu contributo para aumentar a má fama das Murtas. Em Agosto de 2002, por exemplo, um individuo sequestrado algures na cidade de Lisboa aparece abandonado no local.

5. Venda Produtos Roubados ou Contrafeitos. As Murtas tem sido também associadas a um verdadeiro mercado de produtos ilícitos. Em Setembro de 2003 a comunicação social dava conta que as Murtas se estavam a tornar numa verdadeira feira de produtos roubados ou contrafeitos. Alguns dos clientes deste "mercado" acabavam igualmente por ser roubados.

O que falhou ? O processo de realojamento das Murtas demonstra que não basta construir casas e realojar pessoas para acabar com os problemas da marginalidade, se não se põe em prática uma efectiva política de integração social. 

No "Bairro" das Murtas descurou-se praticamente tudo, principalmente a questão da cultura em que os jovens continuavam a ser educados pelos pais, mas também outras questões mais simples, como a limpeza da zona. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) descurou o arranjo dos espaços envolventes do bairro, nomeadamente de recreio para as crianças e de convívio para os adultos. O bairro das Murtas ficou rodeado de lixo, restos de construções em ruina e viaturas abandonadas onde se acoitam todo o tipo de marginais.

Não se teve em conta a necessidade de se formarem agentes de acompanhamento da comunidade cigana, nomeadamente darem apoio à inserção das crianças nas escolas e a inserção dos adultos no mercado de trabalho. Sem este trabalho de base nenhum avanço significativo será conseguido. 

 

Carta de um morador da Rua das Murtas à CML e que nunca obteve teve resposta (2001)

Um exemplo da insensibilidade camarária aos problemas sociais das minorias étnicas.

"Exmº. Senhor

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa

Antes de mais permita que o saúde pela excelente obra que tem conduzido na erradicação dos bairros de barracas na cidade. Eram uma vergonha nacional, não apenas de Lisboa ter seres humanos a viverem naquelas condições. A obra está aí e pode justamente reclamá-la pelo empenho que demonstrou em a concretizar.

Escrevo-lhe todavia por uma questão mais modesta: as traseiras do novo Bairro das Murtas, ao Campo Grande. Aqui foi, como bem sabe, realojada uma importante comunidade de etnia cigana. A obra promovida pela a Igreja católica e a câmara que Vª. Exª. dirige é digna dos maiores elogios. Acontece senhor Presidente é que as vastas traseiras do dito bairro, onde antes proliferavam barracas, permanece uma verdadeira lixeira, onde podemos encontrar um pouco de tudo, desde carcaças de dezenas de automóveis até aos vestígios que são habituais nos locais onde se trafica droga. Nada que os serviços camarários não possam limpar. É este o primeiro pedido que lhe quero fazer. O segundo é que reserve nele um espaço tão amplo quanto o possível para que as crianças e jovens desta comunidade possam brincar e praticar desporto. Neste momento elas só tem duas opções: ou brincam no entulho, ou na movimentada Rua das Murtas.

Ao vosso dispor

Lisboa, Setembro de 2001

(morador devidamente identificado)"

 Imagem dos novos prédios na Rua das Murtas. Foto: 2002

 

 

Ciganos, Sapos e Comerciantes (2004)

Os comerciantes do Campo Grande queixam-se que são frequentemente roubados. Nada  disto seria noticia não fossem os mesmos terem desenvolvido um inovador expediente para diminuírem os roubos, colmatar a falta de policiamento e afastar aqueles que são apontados como os potenciais larápios: os portugueses de etnia cigana.

A sua grande e ingénua inovação foi espalharem sapos pelas lojas. Há nas lojas do Campo Grande sapos de todos os tipos: em plástico, cerâmica ou até em simples reproduções de fotocópia. Afirmam que os ciganos acreditam (? ) que lhes dá azar se roubarem após terem visto um sapo.

Estamos obviamente perante uma atitude claramente discriminatória, na medida que identifica todo e qualquer cigano como um potencial ladrão. Isto mesmo o constatou uma jornalista do Público (13/1/2004) quando entrevistou vários comerciantes da Avenida do Brasil.

O problema é todavia mais profundo. É um facto que a comunidade cigana residente nesta zona da cidade de Lisboa é sistematicamente apontada como estando envolvida distúrbios, roubos, agressões físicas contra os empregados e donos dos estabelecimentos comerciais e muitos outros actos condenáveis. Apesar disto são poucas as queixas apresentadas à polícia. Algumas das suas vítimas disseram-nos que se não apresentaram queixa foi porque ou têm medo das represálias, ou acham que não serve de nada: "A polícia não actua". Esta é uma dimensão do problema que não pode ser escamoteada. 

A outra dimensão, quanto a nós a mais grave de todas, diz respeito ao problema da integração desta comunidade. O Bairro das Murtas era antes dos realojamentos um dos "supermercados" da droga na cidade de Lisboa. Ainda está na memória dos moradores da zona, as mediáticas rusgas policiais aqui efectuadas. 

Embora conhecendo estes antecedentes, os serviços públicos limitaram-se a financiar a construção de casas para realojar esta comunidade na Rua das Murtas, mas não pensaram num projecto para a sua inserção social e profissional. Nem sequer tentaram estabelecer um diálogo os ciganos e os restantes moradores. Resultado: a desconfiança mantém-se. Ora se este trabalho de integração social não for realizado os problemas tendem a persistir, senão mesmo a agravarem-se.

Carlos Fontes

Nota:

Em 2007, os comerciantes de Marco de Canavezes colocaram também sapos nas lojas para afastar ciganos. O jornalista do Jornal de Noticias - António Orlando (18/02/2007), num artigo sobre o assunto, sugere que a prática havia começado no Campo Grande em Lisboa: "No início de 2004, era notícia a utilização do mesmo esquema na zona do Campo Grande, em Lisboa. Também ali, os comerciantes colocaram sapos em cerâmica ou em plástico nos estabelecimentos para afugentar os membros da comunidade cigana, que eram responsabilizados pela insegurança que atormentava aquela área." 

Em 2010 foi também notícia que os comerciantes de Beja, Aveiro e de outras cidades do país, usavam também sapos para afastar a comunidade cigana, e de novo reportam ao Campo Grande a origem desta prática de contornos racistas.

A proliferação de sapos para afastar ciganos deu origem a um documentário "Balada de um Batráquio", de Leonoir Teles, que venceu o grande prémio do festival alemão Stuttgarter Filmwinter de 2018.

 O Problema da Integração da Comunidade Cigana: Uma questão em Aberto.

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