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Novas Gentes

1. Presença

Conhecemos muito pouco dos novos habitantes e trabalhadores na freguesia de Alvalade. No entanto, é quase impossivel não nos cruzarmos quotidianamente com um imigrante. As estatísticas sobre a imigração permitem-nos avaliar com maior precisão a sua dimensão nacional. Em 2023 já terão ultrapassado um milhão de imigrantes, isto é, cerca de 10% da população residente.

2. Necessidade

Em muitas actividades na freguesia, os imigrantes são quem assegura a vida local. Para o constatar basta entrar em cafés, restaurantes, consultórios, ouvir trabalhadores em obras. Sem eles, assistia-se ao fecho do comércio e serviços ditos tradicionais, e à condenação dos moradores a terem que se deslocar às grandes superficies e centros comerciais para adquirirem alimentos e outros produtos básicos.

3. Flutuação

Nos 23 anos de existência do Jornal da Praceta registamos flutuações na predominância das nacionalidades dos que chegaram a Alvalade. No princípio do século XXI, a presença mais marcante era dos ucranianos, moldavos, romenos e até russos. A Escola Secundária Rainha Dona Leonor, recordemos, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkianos promoveu diversos cursos de português para estes imigrantes. Na sua maior parte acabaram integrados na sociedade e adquiriram a nacionalidade portuguesa. A comunidade ucraniana continua a ser muito significativa. Nos últimos anos, aumentou o número dos imigrantes provenientes de países lusófonos, mas também de asiáticos (indianos, nepaleses, chineses, bengladeches, vietnamitas, entre outras nacionalidades). Os seus pedidos de residência, como é expectável, revelam que o seu principal propósito é o de poderem aqui execer uma actividade profissional, seguido-se a grande distância o reagrupamento familiar. Outras situações são residuais, como o asilo.

Fora deste panorama, muito marcado por uma imigração económica, temos os imigrantes britânicos (a segunda maior comunidade no país), seguidos dos italianos, franceses, holandeses, cujas motivações são distintas.

A maioria dos imigrantes residem sobretudo no litoral, onde se concentra também a maioria da população do país.

4. Brasileiros

Os brasileiros, com ou sem a sua situação regularizada, é a  

A comunidade é actualmente muitos diversificada nas suas competências profissionais e estatutos sociais. Se nos noventa do século XX era notícia a vaga de dentistas brasileiros, hoje estão presentes em todos os sectores de actividade e níveis de direcção nas empresas.

São oriundos de todos os cantos do Brasil. Nos anos noventa a percepção que se tinha é que a maioria vinham de pequenas cidades do interior, hoje imigram também dos grandes centros urbanos. As razões que os levaram a atravessar o Atlântico e escolher Portugal, repetem-se, e tem à cabeça a procura de mais segurança e a melhor educação para os filhos. Portugal surge também como uma porta de entrada para os países da União Europeia onde o trabalho é melhor remunerado.

Nas redes sociais, como é fácil constatar, abunda a desinformação sobre Portugal e as reais dificuldades que um imigrantes enfrenta no país. Dificuldades que levam muitos a pedir ajuda para regressar ao Brasil, devido factores como o desemprego, dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, situação irregular, falta de preparação no processo migratório, nomeadamente de documentação, e sobretudo o custo de vida mais elevado. Em 2022 cerca de 80 brasileiros pessoas pediram por mês esta ajuda. O número dos que acabam a dormir na rua não tem parado de aumentar. 

A língua e uma raíz cultural comum facilita, em princípio, a sua rápida integração, mas nem sempre é o caso. Um caracteristica do imigrante brasileiro, comparativamente com a generalidade da população portuguesa, é a sua maior propensão para intervirem na sociedade, como está patente na sua presença na comunicação social e nas redes sociais. Alvaro Filho, um brasileiro que escolheu Alvalade para morar é disso um bom exemplo. Da ficha de apresentação do jornal onde presentemente escreve (A Mensagem, 2024) regista-se o seguinte: "Jornalista e escritor brasileiro, 50 anos, há sete em Lisboa. Foi repórter, colunista e editor no Jornal do Commercio, correspondente da Folha de S. Paulo, comentador desportivo no SporTV e na rádio CBN, além de escrever para O Corvo e o Diário de Notícias. Cobriu Mundiais, Olimpíadas, eleições, protestos – num projeto de “mobile journalism” chamado Repórtatil – e, agora, chegou a vez de cobrir e, principalmente, descobrir Lisboa."

Nas piadas brasileiras do português este não é um caso isolado, um pacóvio qualquer, mas caracteriza todo um povo, daí o recurso dos humuristas a simbolos e referências nacionais.

Preconceitos Racistas e Xenófobos

Apesar de uma raiz cultural comum, as acusações de preconceitos racistas e xenófobas são mútuas. Uma questão com tem origens históricas.

Desde a independência do Brasil (1822) que os portugueses são as figuras privilegiadas das anedotas (piadas) brasileiras. Trata-se de um humor que encobre uma manifestação racista e xenófoba, que continua a alimentar e perpétuar a imagem (estereótipo) de Portugal como um país atrasado e povoado de gente estúpida. No processo de independência e definição da identidade nacional brasileira, no século XIX, funcionou como uma forma de unir os brasileiros sepando-os das suas raízes portuguesas. Um corte essencial para a afirmação de uma nova nacionalidade. Ao " português" desligado do "brasileiro", foram-lhe atribuidas todos os males que o Brasil no passado e presente enfrenta (bode expiatório). Não tardou que todo o povo português, sobretudo depois de 1890, passa-se a ser ridicularizado nas piadas de modo permitir ignorar as raizes comuns, a construção do próprio país. O brasileiro branco, no nossos dias, desligado do seu próprio passado histórico, acusa o "português" de ter roubado os recursos do Brasil, escravizado indios e africanos, sem assumir-se como beneficiário destes actos. Programas televisivos, espectáculos e publicações difundem sem cessar estes estereotipos. Nas piadas, o "português" denominado Manuel ou Joaquim, e a sua mulher chamada invariavelmente Maria, têm um nível de inteligência inferior à de um macaco (a). Na sua "santa ingenuidade" a única preocupação que tem na vida é arranjar dinheiro, não importa a forma.

No final dos noventa do século XX surgiram as primeiras acusações de discriminação de brasileiros em Portugal. A vida de grande número de prostitutas do outra lado do Atlântico, coincidiu com a acusação que as mulheres brasileiras estavam a ser identificadas como prostitutas. Em 2003, na cidade de Bragança, ocorreu o primeiro caso com repercussão internacional: um grupo de mulheres locais uniu-se para expulsar cerca de 300 prostitutas brasileiras que se haviam instalado na cidade que, na altura, contava com pouco mais de 20 mil habitantes.

O número de estudantes brasileiros não tem parado de aumentar, gerando alguns problemas pontuais, surgindo algumas acusações de discriminação. Os portugueses que os brasileiros estão a roubar-lhes vagas nos cursos, estes que os professores e as instituições são mais exigentes com eles. Na Faculdade de Direito da UL (Alvalade) ocorreu, em 2019, o primeiro caso de alegada xenofobia. Foi colocado no campus da Universidade, uma caixa para atirar pedras aos brasileiros que estariam a ocupar vagas em cursos, dificultando a entrada de estudantes portugueses. O assunto, passou despecebido. Em 2023, um grupo de estudantes brasileiros, aproveitou a vinda de Lula da Silva a Portugal e entregou uma carta à então ministra da Igualdade Racial (Anielle Franco), denunciando discriminações que eram vítimas. Um estudante português desta faculdade, insurgiu-se contra o teor da carta, afirmou que as "pedras" que não passariam de uma "brincadeira" e abriu uma polémica, com repercussão na comunicação social e na própria Universidade de Lisboa.

O Diário de Notícias, na edição de 1/07/2024, num texto de Nuno Tibiriçá, surge um testemunho aterrador sobre xenofobia contra brasileiros, alegadamente passado no Campo Grande (Alvalade). Luiza Villena, paulista, afirma ter aqui sentido na pele o ódio contra os brasileiros. Quando um dia se abeirou de uma varanda, alguém espirrou na sua direcção e de seguida foi-lhe atirado um iogurte de grandes dimensões. No dia seguinte, um papel fora afixado na porta onde residia, onde se lia que as brasileiras eram umas "porcas" e que não eram bem vindas a Portugal para se prostituirem ou roubar trabalho aos portugueses. Fez queixa na 18ª. Esquadra do Campo Grande, mas segundo afirma, a policia não quis investigar para descobrir os responsáveis.  "O policial disse "aqui é assim mesmo. Se vocês vieram pra cá, vocês vão passar por esse tipo de coisa". 

 Ainda não conseguimos apurar a verdade deste testemunho, nem o local onde o mesmo se passou. Assunto que iremos dar a máxima importância.

Nas redes sociais, local propício à multiplicações de denúncias anónimas de discriminações racistas e xenofobas, os portugueses são acusados de rebaixarem os brasileiros, por supostamente, não saberem falar com correcção, não respeitarem os seus vizinhos, nem os costumes locais, andarem sempre de chinelo nos pés ou trazeram bandos de criminosos e prostitutas. Acusações eventualmente suportadas em experiências individuais e pontuais que são generalizadas, pelos motivos mais diversos, nomeadamente estupidez.

Estes preconceitos de parte a parte são resultado de um desconhecimento mútuo, surgido no século XIX e que se mantém nos nossos dias. É evidente que estes preconceitos só terminam através de um melhor conhecimento reciproco.

Xama - Espaço multicultural, na Rua Afonso Lopes Vieira, 54A (Alvalade). Malu Proença, uma artista no tratamento de sobrancelhas, como um seu companheiro, decidiu em maio de 2023, abraçar este novo desafio, que rapidamente se tornou num novo ponto de encontro da comunidade brasileira na freguesia. Foto: Julho de 2024

5. Conclusão. Portugal voltou a ser um país muito heterogeneo na sua composição social, mas no qual há uma certeza: os fluxos migrantórios são absolutamente essenciais para manter a economia e a sociedade a funcionar.