Século XIX
Alvalade no inicio do século XIX continuava
centrado no Campo Grande, um imenso terreiro. Todos os anos aí se realiza um dos acontecimentos mais
importantes da vida da cidade: a Feira do Campo Grande, quase sempre no
mês de Outubro. Não era apenas o gado
que atraia multidões, mas sobretudo os seus inúmeros divertimentos.
Estradas
A freguesia de Alvalade pela sua posição na cidade era
atravessada pelas duas principais vias de acesso de quem quem do vem ou se
dirige para o norte: a Estrada da Portela de Sacavém e a Estrada do Campo
Grande. Eram zonas de paragem obrigatória, nomeadamente para dar de beber aos
animais usados nos transporte de mercadorias. Entre os muitos "Retiros" e
"Hortas" que existiam ao longo destas estradas, dois deles ficaram célebres: o
Perna de Pau e o Quebra Bilhas.
|
Estrada da Portela de Sacavém, no Pote de
Água. Fotos de 1968 (João H.C. Goulart) e 2003 (Jornal da Praceta). A
estrada desapareceu com a construção da "2ª. Circular". O troço que dela
resta termina no problemático "Bairro de São de Brito". |
- A Estrada da Portela de Sacavém.
Vinda da Encarnação penetrava na freguesia no Pote d`Água, onde havia um ponto
de abastecimento dos animais. Seguia depois para o Areeiro e daqui para largo de Arroios,
onde terminava (1) .
Chafariz do Campo Grande,
construído em 1816, para substituir um poço existente no local. Foto de Eduardo
Portugal, 1941.
- A Estrada do Campo Grande. Vinha de
Odivelas, Calçada da Carriche, Lumiar, atravessava o Campo Grande, seguindo pela
Rua de Entrecampos até ao Campo Santana (2). Era muito frequentada e popular devido à passagem de
animais para as praças de Touros e depois para o Mercado Geral do Gado. Ao longo
desta estrada foram construídos dois grandes chafarizes, um mesmo em frente ao
antigo Retiro do Quebra Bilhas e outro na Rua de Entrecampos, o único que
subsiste.
O trafego de pessoas e mercadorias pelo Campo
Grande estimulou a
criação local de muitas atividades de comércio e diversão, como as tascas.
Touros
D. Miguel foi
quem promoveu o hábito das esperas de touros. Os pobres animais
que seguiam a caminho da Praça
de Touros do Campo Santana, entravam em Lisboa pela
Calçada da Carriche, seguindo depois pelo Lumiar, Campo Grande (junto à Igreja), Rua de
Entrecampos, e após uma paragem nocturna no Campo Pequeno, prosseguiam pelo
Arco do Cego, Arroios até à praça do Campo Santana.
Ao longo deste percurso,
pululavam os retiros e as tabernas, locais frequentados por fadistas e prostitutas,
mas também por todo o tipo de malandragem.
É neste
eixo, mais
precisamente no Campo Pequeno que em 1892 será inaugurada a mais grandiosa
praça de touros do país. Neste local, em 1889, foi realizado o primeiro jogo de futebol
em Portugal.
Campo Militar e Passeio Público
A transformação do Campo Grande de terreiro num passeio público é obra do século XIX. O Intendente geral da Policia Inácio
Pina Manique, em 1788, mandou organizar todo o espaço, mas nada se
concretizou. Em 1801 foram ordenado elaborar um plano para a criação de um
passeio público no Campo Grande e Pequeno. Foi aqui também criado um viveiro de
plantas. Devido à penúria do erário público provocado pela invasões
franco-espanholas (1807-1814), em 1808, os trabalhadores afectos ao jardim foram
despedidos. Em 1813 foi erguido em chafariz, onde antes existia um poço. Os
ingleses organizam aqui corridas de cavalos durante a regência de Beresford
(1809-1820).
Durante a guerra civil, entre liberais e
absolutistas (1828-1834), o Campo Grande sofre uma nova devastação. Em 1833 aqui
se afrontaram as tropas fieis a D. Miguel e as seguidoras de D. Pedro IV, sendo
estas últimas comandadas pelo Duque de Saldanha.
Em 1836 a câmara municipal de Lisboa passa a
administrar o jardim. Em 1839 é nomeado um Feitor. Em 1855-56 são feitas
importantes melhorias, para logo de seguida ficar ao abandono. É criado um lago
(c. 1863). A partir do final do século o Campo Grande torna-se num dos espaço
mais animados da cidade. A construção do grande lago começa em 1870 e só termina em 1898. Em 1900
é criado um venda de bebidas no meio do lago, etc. Em 1888 surge aqui o célebre "chalé das canas".
Em resultado das obras aqui realizadas no final do
século, acorriam aos jardins do Campo Grande, todas as classes sociais,
incluindo a família real. Neste espaço realizam-se importantes competições
desportivas: hipismo, ciclismo, atletismo, automobilismo e até de aviação.
Fábricas, Operários e Pobreza
Embora a paisagem continue rural, começam
a pulular as pequenas oficinas e as algumas fábricas. A Fábrica Lusitânia, no Campo Grande, fundada em 1840, por Aniceto Ventura Rodrigues foi um dos projectos industriais mais inovadores do país, iniciado com a sua formação em Inglaterra (cfr. Revista Universal Lisbonense, nº40, tomo V, 14/04/1853). Foi a primeira fábrica a usar uma máquina a vapor como fonte de energia, com processos e maquinaria dos mais avançados no mundo na cardação, fiação, tecelagem e acabamentos de tecidos. No final do século empregava 152 operários. O Mercado Geral do Gado (1888)
em Entrecampos impunham-se pela sua dimensão .
A pobreza era crónica. abundavam as crianças
abandonadas ou mal nutridas. Muitas iniciativas filantrópicas procuravam
minorar este drama social. Em 1857
abre o Asilo D. Pedro V. A obra desta instituição é notável,
nomeadamente na formação de criadas de servir, costureiras e professoras
primárias. Em 1876 abre a primeira creche da Sociedade de Creches,
cujo edifício ainda existe.
Edificio onde funcionou a 1ª. creche da Sociedade de Creches, inaugurado em 1876. Depois foi muitas outras coisas (capelista, venda de vinho, casa de pasto, restaurante).
Quintas
A vida nos campos de Alvalade embora
de tenham modificado bastante, em grande parte devido ao aumento da
população e instalação de muitas actividades, não perdeu contudo, o seu
aspecto campestre. Nas muitas quintas aqui existentes continuaram a ser
construídas magníficos palacetes, como o dos Condes de Vila Real, actualmente em
ruinas.
A paisagem campestre de Alvalade só começou a
mudar a partir dos anos quarenta
do século XX, quando os proprietário das quintas foram expropriados para a
expansão da cidade, da qual resultará a Cidade Universitária e o Bairro de
Alvalade.
Transportes
Embora a Freguesia dos Três Santos Reis Magos
tenha desde 1885 sido integrada na cidade de Lisboa, a verdade é que estava
muito afastada da sua área urbana. Toda a área da atual freguesia de Alvalade
continuava a ser profundamente rural. O acesso por transportes públicos à sua
principal centralidade - o Campo Grande - foi lentamente sendo melhorado.
Os ónibus desde 1835 ligavam os Paços do
Concelho de Lisboa ao Campo Grande. Em 1869, o Duque de Saldanha obtém uma
concessão para estabelecer uma linha de caminho de ferro tipo Larmanjat desde o Arco do Cego ao Lumiar, um projecto falido poucos anos depois (1877).
A Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses obtém, em 1886, a
concessão para a ligação da linhas de Norte a Leste, e a Oeste. Em 1891 entrada
em funcionamento a ligação a leste entre Xabregas e Benfica, a conhecida linha
de Chelas, que em 1945 irá definir os limites a sul do Bairro de Alvalade.
Freguesia
Em termos administrativos, a
freguesia dos Santos Reis do Campo Grande, fazia parte de vasto conjunto de
freguesias do Termo de Lisboa. Em 1834, na nova divisão administrativa, o Campo Grande era um das 22 freguesias do termo de Lisboa. Em 1852 foi remodelado o concelho de Lisboa, sendo extinto o termo. A cidade passou a ser limitada por um muro e estrada de circunvalação, para efeitos alfandegários. Foi então criado dois novos concelhos, o de Belém e o dos Olivais, que integrou 21 freguesias, um das quais era a do Campo Grande. No Palácio do Marquês de Valença, ao fundo do Campo Grande, funcionou entre 1855 e 1858, os Paços do Concelho dos Olivais. Foi durante este curto período que no Campo Grande se realizaram significativos melhoramentos.
A reforma administrativa de 1885, estabeleceu uma nova linha de circunvalação mais vasta, extinguiu os concelhos de Belém e dos Olivais, e integrou na cidade entre outras a Freguesia do Campo Grande.
Carlos Fontes |