Século XX
O Campo Grande no princípio do
século XX está na moda sendo aqui construída magníficas moradias e prédios de
rendimento, onde influentes figuras da sociedade do tempo escolhem viver.
Palacete construido em 1918, segundo indicações do seu proprietário - João Maia Gomes. Foi demolido em 1951.
Industria e Quartéis
O Campo Grande continua povoado de pequenas oficinas e algumas fábricas. A Fábrica Lusitânia encerrou as portas pouco depois da implantação da República. No edifício em 1916 passou funcionar como hospital veterinário militar. Três anos depois foi vendido ao Estado. Em 1928 passou a funcionar como quartel da 3ª. companhia de admnistração militar, depois da Escola de Oficias Milicianos. Em 1933 do Regimento de Sapadores Mineiros, foi também quartel do Batalhão de Serviços de Transportes (1966) e até 1996 Quartel do Regimento de Engenharia nº1. No edificio foi instalada a Universidade Lusófona. O bairro dos operários foi demolido em 1994.
A grande empresa local era a Sociedade de Perfumarias Nally, nas traseiras do Horto do Campo Grande . Tudo começou quando um farmacêutico do Campo Grande criou, em 1925, o célebre creme para o rosto e as mãos "Benamor" e muitos outros produtos (sabontes, batons, vernizes para as unhas, pastas dentifricas, etc). Para atender à procura em 1933 foi criada uma importante unidade produtiva que chegou a empregar cerca de 200 trabalhadores. Fechou em 1996.
Ainda no Campo Grande refira-se a fundação, em 1915, dos Laboratórios Sicla - Industria de Farmeceutica, Lda, apostando no mercado livre. Foi encerrada pela policia em 2001 quando se descobriu que armazenava e distribuia substâncias psicotrópicas.
Outra das fábricas do Campo Grande, conhecida por tintas "Cizne", dedicava-se à produção de artigos escolares e de escritório. Nasceu aqui no princípio do século XX e daqui saiu nos anos 70 quando foi aberta a Avenida Norton de Matos.
Perto de Entrecampos destacava-se a fábrica de massas "Italy" num edifico que se impunha pela sua sobriedade.
Agricultura
Alvalade, na primeira metade do século XX continuava a ser marcada pela ruralidade. Durante a 1ª. República, os trabalhadores possuiam um combativo sindicato que se fazia representar nos congressos operários. As quintas uma a uma foram desaparecendo e com elas as actividades agricolas, mas ainda no anos 90 pastavam na Cidade Universitária rebanhos.
Desportos
No início do
século, o Campo Grande era o principal centro de atracções desportivas da
cidade. Quase todas as grandes provas desportivas realizam-se aqui, desde provas
de hipismo, ciclismos, passando pelas de motociclismo, automobilismo, tiro e até
de aviação.
O futebol em Portugal é inseparável do Campo Grande, onde continua a atrair multidões. O primeiro grande estádio foi inaugurado em
1912, no topo norte do Jardim do Campo Grande, seguindo-se a construção de
outros importantes estádios.
O Clube
Internacional de Futebol (CIF), fundado em 1902, junto ao Campo Grande, mesmo em frente do Jockey Club (hipódromo) tinha aqui os seus campos de futebol e de ténis. Em 1971 com a construção da 2ª. circular mudou-se para o Monsanto. Em 1905 fundou-se o Campo Grande Football Club do qual veio a surgir, no ano seguinte, o Sporting Clube de
Portugal e aqui permanece com um moderno complexo desportivo. O Sport Lisboa e Benfica entre 1940 e 1954 teve igualmente a sua sede e
estádio no Campo Grande
Jardim do Campo Grande
O Jardim do Campo
Grande, continuando um longa tradição, era no início do século muito
frequentado pela família real e assim aconteceu até ao fim da monarquia
(1910). Todas as as classes sociais continuaram a elege-lo até aos anos 60,
como um dos seus locais preferidos para passeios domingueiros. As obras realizadas
no jardim nos anos 40 e depois nos anos 60, mantiveram-no como um dos parques
mais agradáveis de Lisboa. Ao longo dos jardim foram erigidas diversas
estátuas.
As feiras do Campo
Grande terminam, mas outras festividades e concursos continuaram com alguma
regularidade a animar a zona. Em 1961 instalou-se no topo sul do Jardim, a Feira
Popular de Lisboa.
Junta de Freguesia do Campo Grande
O poder das juntas eram muito limitado, pouco mais faziam do que procederem a actos formais de controlo de pessoas e animais. Para além destas funções prestaavam apoios pontuais aos mais necessitados através de um Fundo de Assistência Social. Estes apoios em geral consistiam num bodo em ocasiões de festividades e na atribuiação de algumas "pensões" a indigentes. Apenas no período entre Julho de 1930 e Dezembro de 1935 destacou-se a ação da junta de freguesia: iluminou o parque e o jardim, empedrou a Rua da Malpica (antiga Estrada de Malpique), conseguiu que a CML fizesse sair o vazadouro de lixo que tinha na Quinta da Calçada, construiu o edificio da Junta, um balneário e uma escola-jardim. Grande parte dos apoios concedidos e obras realizadas eram custeadas por centenas de fregueses e algumas empresas locais, para além das receitas angariadas em festas.
Cidade Universitária
No inicio dos anos 30 começa a
pensar na construção de uma cidade universitária em Lisboa à semelhança das que
existiam já em outras capitais europeias. O primeiro plano data de 1934. A
existência de grandes quintas na zona do Campo Grande foi um factor determinante
para a escolha para a localização desta cidade, projectando-se desde logo a
construção do novo hospital universitário (Hospital de Santa Maria, inaugurado
em 1953), a reitoria e as faculdades de Direito e de Letras (1959/1961). Em 1956 era
inaugurado o Estádio Universitário, um vasto complexo desportivo.
Os acontecimentos na Cidade Universitária, nas comemorações do Dia do Estudante (24/03/1962) fizeram tremer a Ditadura. Como resposta foi posto fim à construção de novos edificios universitários nesta zona de modo a evitar a concentração de estudantes.
No zona estava já em construção o
Hospital Psiquiátrico Júlio de Matos (inaugurado em 1942), junto ao qual se irá
construir depois o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, cujo edificio
principal foi inaugurado em 1952.
Nos anos 60, ao conjunto de ensino e
investigação que nesta zona são criados junta-se a Biblioteca Nacional de
Portugal (1968).
Bairro de Alvalade
Em finais dos anos
trinta, a expansão para norte da cidade de Lisboa, altera radicalmente a
fisionomia e a relativa pacatez do Campo Grande.
Entre a Av. Alferes
Malheiro (actual Avenida do Brasil) e a Linha do comboio de Chelas começa a
delinear-se um dos maiores projectos urbanísticos de sempre da cidade de Lisboa
- o do Bairro de Alvalade. A concepção do projecto foi confiada ao
arquitecto Faria da Costa (1945), abrangendo uma área de 230 hectares, destinado a
45.000 habitantes.
A construção do
Bairro de Alvalade que se inicia em 1947, prosseguiu até princípios dos anos 70.
Durante o anos 50 são construídas,
nas oito células, as estruturas do bairro. No seu interior surgem escolas
primárias e a Escola Técnica Elementar Eugénio dos Santos (1951). Entre os
equipamentos relevantes construídos nesta altura, destacam-se o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (1952),
a Igreja de São João de Brito (1955) e o cinema Alvalade
(1957).
Nos anos 60 assistiu-se ao "fecho"
várias áreas quando são construídos relevantes conjuntos habitacionais e equipamentos públicos: a
Praceta da Rua José Lins do Rego (1961), os edifícios de espectáculos (T. Maria
Matos, King), hotel e escritórios (1963), as Piscinas do Campo Grande (1964), a
Praça de Alvalade (1966), onde irá surgir o Centro Comercial de Alvalade (1975),
o Centro de Artes Plásticas dos Coruchéus (1971). Foram inaugurados dois
relevantes equipamentos escolares, o Liceu Rainha Dona Leonor (1961) e o Liceu
Padre António Vieira (1965). Junto à Mata de Alvalade surge o Complexo
Desportivo de São João de Brito (1968), com um campo pelado de futebol, outro de futsal e outrps equipamentos. Em 1964 é inaugurado o Mercado de
Alvalade Norte.
Face ao enorme dinamismo que
Alvalade demonstram grandes empresas nacionais e internacionais abrem aqui as
sedes e serviços, como a IBM, "Páginas Amarelas", etc..
O Bairro de Alvalade
desde o inicio caracterizou-se pela forma como harmonizava todo o tipo de
equipamentos, desde um diversificado parque habitacional, a vastas zonas de
comércio, cinemas, teatros, galerias de arte, piscinas, hotéis, etc. A tudo isto não faltavam excelentes
transportes e escolas para todos os níveis de ensino. Alvalade foi durante os
anos 60 e 70 o símbolo da Lisboa moderna.
Bairros de Barracas e Edificios Abandonados
A construção do Bairro de Alvalade é acompanhada do crescimento de bairros de barracas, onde se alojam muitos dos seus trabalhadores e respectivas famílias. Era uma realidade que todos procuravam ignorar, dado não se coadunar com o discurso modernista sobre o Bairro de Alvalade. A partir dos anos 60 estes bairros atingem enormes proporções, como os bairros na Quinta do Narigão, Quinta do Carrapato ( Bairro S. João de Brito) e outros na mesma zona da Mata de Alvalade.
No Campo Grande, onde as bolsas de pobreza eram mais antigas, assistiu-se também ao crescimento destes bairros de barracas na Quinta da Calçada ou do Picadeiro, Rua das Murtas, NªSrª. da Conceição, Quinta das Confeiteiras ou na Azinhaga das Galhardas. Edificios em adiantado estado degradação abundavam por toda a antiga freguesia do Campo Grande. Situações silenciadas e que só eram referidas quando ocorria uma tragédia, como o violento incêndio em desvastou em Julho de 1967 barracas na Azinhaga das Murtas.
Depois de 1974 centenas pessoas vindas de África fixaram-se nos bairros degradados de Alvalade. Nesta altura assistiu-se também à ocupação de vivendas e outras habitações abandonadas. No contexto revolucionário que então se vivia, alguns proprietários fugiram para o Brasil. O enorme edificio do Asilo D. Pedro V no Campo Grande é ocupado pela Luar. Sucedem-se as manifestações reclamando habitações condignas, assim como iniciativas para as criar.
Explosão Demográfica e
Transportes
A população da freguesia em 1900 era
de 1019 pessoas. Em 1940 atingia as 9122. A criação do bairro de Alvalade e da
cidade universitária provoca uma enorme crescimento demográfico.
Dado o enorme
crescimento da Freguesia do Campo Grande, nomeadamente em termos populacionais,
em 1959, é decidido dividi-la. Para além da citada freguesia, surgem as Freguesias de Alvalade e de S. João de Brito. A população das três freguesias em
1960 ultrapassava as 50 mil pessoas.
Face à dimensão populacional que se
atingira para melhorar a rede de circulação procedeu-se à construção da IIª.
Circular (1961), construção dos viadutos do Campo Grande e dos Av. dos EUA
(1971), abertura das estações de metro de Entrecampos (1959), Roma (1972),
Alvalade ( 1972 ), Cidade Universitária (1988) e Campo Grande (1993 ). Foram infra-estruturas que alteraram as relações da população com o território, ao tornaram irrelevantes as antigas estradas, caminhos e azinhagas.
Decadência
Paralelamente a este crescimento
urbanístico planeado vão surgindo por todo o bairro bairros de barracas
e construções abarracadas, cujo número aumentou de forma exponencial depois de
Abril de 1974.
As "Murtas" não tardam a ser identificadas como um
"supermercados" de droga capaz de competir com o do "Casal Ventoso". A descoberta em 2001 que os Laboratórios da Sicla, junto ao Bairro das Murtas, importavam, armazenavam e distribuiam estupefacientes mostram que a situação estava descontrolada. Os "bairros
de barracas" da Quinta do Narigão, Calvanas ou o de São João de Brito
impressionavam pela sua dimensão.
A construções planeadas em Alvalade
dão lugar nos anos 80 à desordem
urbanística, provocada pela incúria camarária ou cumplicidade com a
especulação imobiliária.
Na segunda metade dos anos 90 a situação agravou-se. A Câmara Municipal de Lisboa definiu como o objectivo o rápido realojamento de milhares de pessoas que viviam em condições degradantes vários bairros de barracas que existiam por toda a cidade. Tudo o mais foi secundarizado. Na febre construtiva que se seguiu, na Câmara e nas juntas de Freguesia (Campo Grande, São João de Brito e Alvalade) instalaram-se bandos de autarcas corruptos e de incompetentes que, na maior de impunidades, se envolveram em negociatas.
A
Câmara deixou de cumprir as suas funções mais básicas:
limpeza das ruas, arranjo dos espaços verdes. Abandonou equipamentos municipais
(piscinas, bibliotecas, património, museus, etc). Permitiu a proliferação de construções
clandestinas, a mutilação das fachadas dos edificios, a ocupação dos passeios
por automóveis, etc, etc.
O jardim do Campo Grande passou a
ser dominado por marginais que o transformam, na maior das impunidades, numa
zona frequentada por pedófilos, prostitutos e traficantes de droga. A
criminalidade disparou em Alvalade, gerando um sentimento geral de insegurança,
afastando muitos moradores.
Nas avenidas emblemáticas de
Alvalade, como a Av. de Roma, Av. Estados Unidos da América, Av. da Igreja ou a
Av. Rio de Janeiro, ou conjuntos urbanos como o "Bairro das Estacas",
assistiu-se à sua degradação, com acrescentos e obras que desfiguram por
completo os seus edifícios. Os sinais de modernidade que haviam dado fama a Alvalade desapareceram.
O comércio em Alvalade entrou também num processo de rápida decadência, agravada pela concorrência de grandes centros comerciais que surgiam noutras zonas de Lisboa: Centro Comercial das Amoreiras (1985, o maior do país ), Centro Comercial Colombo (1987), Centro Vasco da Gama (1999), El Corte Inglês (2001), a que se juntava a recuperação e animação da Baixa de Lisboa.
As obras na estação do metro de Alvalade que se prolongaram duraram 10 anos deram um forte contributo para acentuar a decadência do comércio local.
Praça de Alvalade. Foto: 2003
Foi neste contexto de decadência,
impunidade e corrupção nos autarquias que, em Junho de 2001, foi
fundado o Jornal da Praceta, o primeiro jornal online de um bairro de Lisboa. As três juntas de freguesia que abrangiam o território de Alvalade, povoadas de politiqueiros, justificavan pela sua inutilidade a necessidade da sua extinção.
A desordem urbanística que
entretanto fora criada resultou numa
degradação de todo o ambiente urbano, o aumento da poluição atmosférica e
sonora, numa zona da cidade atravessada por aviões.
Para agravar ainda mais a situação
assistiu-se a uma brutal diminuição e envelhecimento da população residente. A
consequência imediata foi a quebra do dinamismo económico, social e cultural do
bairro, deixando de captar gente nova e empreendedora. Muitas empresas abandonaram Alvalade. Os grandes cafés de Alvalade, cinemas, galerias de arte, livrarias começaram a fechar as portas. Desde os anos noventa que equipamentos culturais como o Museu da Cidade, Museu Bordalo Pinheiro ou o Centro de Artes Plásticas dos Coruchéus foram votados ao abandono.
O Horto do Campo Grande, fundado em 1979, deu continuidade a uma antiga tradição local de venda de plantas e sementes de excelente qualidade. Foto: 03/11/2021
Expansão das Universidades
Na Cidade
Universitária e à sua volta, a partir de meados dos anos 80 voltou a
construir-se num ritmo acelerado, surgiram novas faculdades, a Torre do
Tombo. O ISCTE expandiu-se. A Universidade Católica e a Universidade Lusófona
(1995/6) criaram aqui os seus "campus". O problema é que cuidavam apenas da construção dos edificios e não do espaço público envolvente, o que se revelou fatal. A abertura do Horto do Campo Grande (1979) também não contribuiu para a requalificação do espaço público.
A falta de limpeza e de ordenamento atraiu bandos de marginais. A criminalidade e a prostituição masculina disparou.
A Alameda da Universidade de Lisboa estava transformada numa zona caótica, governada pelos "arrumadores de carros". Foto: 2003
Renovação ?
A reorganização da
CML em 2013, ditou a junção das três freguesias numa só: a freguesia de
Alvalade. A Câmara Municipal de Lisboa , dominada pelo PS desde 2007 investiu na renovação das infra-estruturas da freguesia (arruamentos, espaços verdes, estacionamentos, escolas básicas, ciclovias, etc). Na Cidade Universitária procedeu-se à limpeza e requalificação de vastas áreas. O aumento exponencial do turismo, entre 2011 e 2020 também contribuiu para a renovação das habitações, comércio e serviços.
Apesar do enorme potencial da freguesia, o seu futuro está
dependente da renovação da sua população que continua extremamente envelhecida. A população mais jovem mostra-se indiferente a uma intervenção ativa na vida da comunidade local, entregando a outros as decisões sobre a sua vida e o local onde moram. Uma atitude de alheamento que não permite consolidar nenhum avanço social.
O censo de 2021 trouxe um enorme sinal de esperança. Em relação da 2011 a população de Alvalade aumentou 4,5%, estancando o seu continuo decréscimo demográfico e a decadência em que mergulhou.
As eleições autárquicas de Setembro de 2021, mostraram que o que se passava na freguesia na podia ser desligado do contexto nacional, tendo-se a assistiu-se também aqui à afirmação da extrema-direita assumida (Chega) ou camuflada (Mudar Alvalade). O actual executivo da Junta (PSD/CDS), capturado pela extrema-direta, interrompeu a dinâmica anterior de valorização dos espaços públicos, aplicando os recursos financeiros disponiveis na realização de festas, espectáculos e outros eventos culturais.
Carlos Fontes |