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A Avenida de Roma, assim designada desde 1930,
é um dos eixos fundamentais de Alvalade, que primou pela forma como foi
cuidadosamente planeada. Começa na Praça de Londres e termina na
Avenida do Brasil, unindo as freguesias do Areeiro e de Alvalade. A sul
destaca-se a sua ligação às avenidas Guerra Junqueiro e Manuel da Maia, que
entroncam na monumental Alameda Afonso
Henriques.
A maioria do
seus edifícios foram construídos nos anos cinquenta do século XX. Os seus largos passeios convidavam a passear
e admirar os belos edificios que aqui foram construídos.
Esplendor
Nos anos 60 e 70 era considerada a Avenida mais
"chique" de Lisboa, devido à qualidade arquitectónica dos edifícios, mas não só.
Avenida dos EUA. Anos 60
Ao longo da avenida ou na sua proximidade
situavam-se importantes equipamentos culturais e desportivos, tais como os dois
imponentes cinemas, o Roma e o Alvalade, e outros de menor dimensão como os cinemas
Star (Av.Guerra Junqueiro), Londres, Quarteto, o King e o cinema do CC Alvalade. O Teatro Maria
de Matos atraia multidões. Das livrarias, a Bertrand,
a Barata e a Sinfonia são as mais conhecidas. Entre as várias discotecas
destacavam-se a Roma, Valentim de Carvalho e a Sinfonia.
As piscinas municipais do Areeiro e o complexo do Estádio do INATEL
eram muito concorridas.
Das escolas, destacavam-se a Eugénio de Castro e os
Liceus Rainha Dona Leonor e o Filipa de Lencastre.
Não lhe faltavam cafés emblemáticos, como o Roma,
Capri, Londres, Sul América, Vá-Vá, Luanda ou a Suprema. A sul na Avenida Guerra
Junqueiro imperava a Mexicana e o Copacabana.
Centros comerciais eram outras das grandes atrações, como o
Tutti Mundi- Drugstore (1968), Alvalade e o Roma (sucessor do Tutti Mundi).
Hotéis com o Hotel Roma ou o Lutécia davam à Avenida de Roma uma dimensão
cosmopolita. Não faltavam também lojas de roupa das melhores
marcas internacionais ou nacionais como a Maçã de Ana Salazar.
Decadência
A Avenida de Roma a partir de meados dos anos 80 entra
numa fase de profunda decadência. O aumento do tráfego nas 3 faixas de
rodagem de cada lado tornam-na num zona especialmente barulhenta. As belas fachadas
dos edifícios são desfiguradas com intervenções ilegais. As suas generosas e
belas varandas são fechadas com marquises, onde se amontoa "monstros" que
ninguém quer no interior das casas. Alguns edifícios emblemáticos foram abandonados
ou estão em
adiantado estado de ruina. O aspecto geral é por vezes de um subúrbio degradado.
Mais
Aos poucos foram fechando locais emblemáticos como
os cinemas Roma, Alvalade, Quarteto ou o King. As piscinas do Areeiro são
encerradas. Os centros comerciais -o Roma e o Alvalade - entram em completa
decadência. Muitas lojas de marca abandonam a avenida. Algumas lojas
conseguiram resistir mantendo a qualidade, como a Romeira (florista) ou o
Frutalmeida. As agências bancárias foram ocupando ou retalhando os melhores
espaços da Avenida, como aconteceu com os cafés Londres, Capri ou parte do Vá-Vá,
ou a discoteca Roma.
Como se tudo isto não bastasse, a população
residente era estatisticamente a mais envelhecida da cidade de Lisboa.
Os edificios do cruzamento entre a Avenida de Roma e
a Avenida dos EUA, da autoria de Filipe N. Figueiredo e José A. Segurado, de
proj.1952, são seguramente os mais emblemáticos da arquitectura moderna do
bairro de Alvalade. Devido às marquises e outras alterações ilegais, pelo menos
um deles, está transformado num típico prédio de subúrbio com um aspecto
deprimente.
As marquises da Avenida de Roma, como ocorreu em
toda a cidade de Lisboa, se alegadamente terão sido construídas para isolarem os
apartamentos da poluição sonora ou por necessidades de espaço, a verdade é que
com o tempo se tornaram em autênticas vazadouros de lixo que é exposto ao olhar
de quem passa.
O café Suprema foi um dos últimos estabelecimentos
emblemáticos da Avenida de Roma a fechar portas (2014).
Regeneração
Nos últimos anos a Avenida de Roma regista vários
sinais de melhoria, como a abertura de novos estabelecimentos comerciais e a
renovação de muitos outros. A própria CML que durante anos se desligou de cuidar
dos espaços públicos tem feito algumas intervenções pontuais. É este mundo novo
que iremos descobrir.
Carlos Fontes |
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"Arte de Morrer Longe" (2011), de Mário
de Carvalho
Num dos mais belos textos
deste escritor, retrata o quotidiano de um jovem casal, empregados de escritório
e frequentadores habituais da Avenida de Roma. A sua descrição tornou-se
uma referência incontornável para todos os que queiram apreender o seu espírito.
«Eis a bela Avenida de Roma,
nem grande nem pequena, nem larga nem estreita, epítome da mesura e da
moderação, nos volumes, nas linhas, nas dimensões, na cor.
Eis os vastos passeios
reticulados de pedrinhas de lioz, a dar brilho às fachadas, com golpes de sol,
ou a reflecti-las, em fluorescências multicolores, quando escorridas de chuva.
Eis a elegância
das cores esbatidas, sossegados verdes e rosas-pastel, os prédios discretamente
comedidos, num alinhamento de harmonias burguesas, distintas, reservadas, boas
marcas, bons colégios, talvez mais reputados que bons, negócios turvos, recato
de vida, golas altas, casacos tweed, bombazinas caras, livros em francês.
Ressalta a impressão de
clareza, a nitidez dos contornos, a contenção das formas, um meado de século
que perdura na decadência entristecida dos velhos snacs, com asperezas de
cobre gasto, engastes de vidros glaucos, madeirames escurecidos. As lojas
dos anos cinquenta, ainda com gavetões de fórmica, convivem com a
sofisticação, já a roçar pelo duvidoso, das vitrinas caras, negros
brilhantes, fúcsias e lilases, a desviar para o modernaço. Os lugares de
fruta e as mercearias de província, os últimos sapateiros remendões a
espreitar de caves, como os pontos dos antigos teatros, alternam-se com as
fachadas estereotipadas dos bancos, os seus painéis carregados, chamadouro e
ameaça, deslustrando, ao rés dos solos, a beleza estendida das calçadas
brancas e a sóbria serenidade das portadas.
Esta avenida não há
pátina que a estrague porque não quis ser pesadona de ornamentos e volutas,
com a ostentação cortesã da idosa fanada que já não tem nada para dar, senão
enfeites. Toda ela é de uma meia-idade simples, de bom gosto, gama média,
cores discretas, sem o cinza-chumbo das cidades do Norte, repassadas de
bolores, sem a alacridade faceira do sul, a sobrar de sol, sem a velhice
tristonha das metrópoles ricas, sem a decadência abandonada das pobres.
Por cima de algumas
portadas, figuras esculpidas, baixos relevos, muito estilizados, vagamente
alegóricos, sabendo o artista que não estávamos em tempos arcádicos. O mesmo
no tope de algumas frontarias, onde pequenas figuras majestáticas contemplam
o eterno, com a displicência cansada, como uma paródia pálida, entristecida,
do gesto de imperadores e cônsules de outros idos.
Eis Lisboa, de suave
desenho, as suas pedras respondendo à luz única, cidade do mundo ideal para
alguém flanar, perder-se e reaparecer.
Eis, supra, um breve
morceau de bravoure, dedicado à Avenida de Roma, pelo irresistível amor
que lhe tenho...», Màrio de Carvalho, "Arte de Morrer Longe"
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