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A
Inquisição em Portugal não pode ser desligada do contexto peninsular. Os reis
de Castela e Aragão nunca pararam de pressionar os reis de Portugal a seguirem
o seu exemplo, matando ou expulsando os judeus.
Desde
a independência de Portugal, em 1128, que os reis portugueses deram mostras de
uma enorme tolerância para com o judaísmo.
D. Afonso II, por exemplo,
impediu que o dominicano Frei Soeiro Gomes, instaura-se a Inquisição em
Portugal (1219). Permitiu inclusive que os judeus tivessem escravos cristãos.
D. Afonso III e
D. Dinis atribuíram-lhes privilégios que negavam aos cristãos: não os
obrigavam ao pagamento do dizimo à Igreja Cristã, dispensando-os inclusive do
uso de sinais distintivos.
No reinado de D. Fernando e de D. João I, enquanto
em Castela e Aragão, os judeus eram perseguidos em Portugal eram tomadas
medidas especiais para a sua protecção. Com D. Afonso V, os judeus desfrutam
de uma grande protecção, liberdade e apoio real.
O
judaísmo estava profundamente disseminado na cultura em Portugal, nunca se
afirmando como uma cultura distinta.
A
situação dos portugueses judeus altera-se bastante com D. João II, devido a
um facto da maior relevância. Num curto espaço de tempo entram em Portugal,
mais de 100 mil judeus fugidos de Castela e Aragão (1492). Ocorre então um
enorme aumento populacional em muitas localidades do país, alterando o próprio
equilíbrio entre cristãos e judeus. Portugal passa a ser conhecido como uma nação
de judeus, uma ideia muito difundida internacionalmente até final do século
XVIII.
D.
Manuel I (1495-1521), sob pressão directa dos reis de Castela e Aragão, mas
também da Santa Sé, é compelido a "expulsar" todos aqueles que não
quisessem aderir ao cristianismo. A esmagadora maioria, em 1497 aceitou fazê-lo,
passando a viver uma vida dupla: em público eram cristãos, em privado judeus.
Início
D.
João III ficou ligado ao estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536),
cerca de 58 anos depois da sua instituição em Espanha. O processo foi
longo, pois os homens da Igreja em Roma, exigiam um alto preço.
Os
cristãos novos, utilizando todos os meios, incluindo o suborno da Curia Romana,
conseguiram durante vários anos impedir a autorização papal. Entre os muitos
clérigos do Vaticano que enriquecerem à custa dos cristãos novos portugueses,
conta-se o núncio do papa em Portugal - Hieronimo Ricenati Capodiferro.
D.
João III, acabou por ganhar, pagando em subornos um preço mais alto: O Cardeal
Farnese recebeu em pagamento o Bispado de Viseu, além de uma renda anual de
cerca de 20.000 ducados. O Cardeal Santiquatro, velho amigo do rei obteve uma
pensão anual de 1500 cruzados e o Cardeal Crescentiis uma pensão de 1.000
cruzados (1).
O
objectivo do rei e da Igreja Católica era a perseguição dos
cristãos novos, dado que estavam convencidos que todos eles continuavam em
segredo a manter as suas crenças judaicas.
Na prática tratou-se de um expediente para confiscar (roubar) os bens dos
cristãos novos, a elite
empreendedora do país.
A
Igreja Católica portuguesa entre 1536 e 1821 teve sempre duas preocupações
fundamentais:
-
Assegurar que fosse
garantido o confisco (roubo) dos bens dos cristãos novos, uma das suas grandes
fontes de receitas.
-
Impedir a sua saída dos cristãos novos de Portugal, de modo a manter a sua
fonte permanente de rendimentos. A Santa Sé chegou a acusar a Igreja portuguesa
de estar a escravizar os cristãos novos.
Os
constantes conflitos entre os clérigos portugueses e
o papa, a respeito da Inquisição, raramente envolveram problemas doutrinais, a
questão recorrente era a possibilidade do confisco (roubo) dos bens dos
condenados. Mais
1539-1578:
D. João III e D. Sebastião
A
organização da Inquisição em Portugal foi obra do Cardeal-Infante D.
Henrique, Inquisidor-Geral durante 40 anos. Define desde logo como
principal objectivo a perseguição e o saque dos cristãos novos, mas
também o combate aqueles que tenham ideias doutrinais ou literárias
que ultrapassem os limites da ortodoxia católica.
O
primeiro Auto de Fé ocorreu em Lisboa a 20/09/1540, que provocou quase de
imediato um sério problema económico. Em 1544 a Feitoria de Antuérpia, na
Flandres, onde predominavam os cristãos-novos apresenta dividas de três milhões
de cruzados.
D. João III ainda consegue salvar o estado da bancarrota. Os Actos
de Fé são suspensos entre 1544 e 1548, assim como o confisco de bens entre
1546 e 1556. A morte do rei em 1557 precipita tudo. Portugal passa a ser
governado por uma rainha espanhola, tia de Filipe II de Espanha, a Inquisição
adquire nova força, as perseguições aumentam. O país entra pela primeira vez
na sua história em bancarrota (Alvará de 2/2/1560). D. Sebastião a troco
de 250 mil cruzados, em 1577, suspende o confisco de bens e permite a saída dos
cristãos novos do reino. Estas iniciativas tiveram sempre a viva oposição do
inquisidor-geral.
Apesar
da enorme barbárie este período, foi comparativamente menos cruel do
que o seguinte.
|
Tribunal
de Lisboa |
Tribunal
de Évora |
Tribunal
de Coimbra |
|
Condenados |
Executados |
Condenados |
Executados |
Condenados |
Executados |
1540-49 |
50 |
40 |
230 |
6 |
85 |
4 |
1550-59 |
3? |
- |
115 |
7 |
... |
... |
1560-69 |
224 |
16 |
283 |
15 |
427 |
19 |
1570-79 |
85 |
14 |
285 |
45 |
359 |
26 |
Totais |
|
|
|
|
|
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Fonte:
Torres
. |
1580-1640:
Período dos Reis Espanhóis
O
período da ocupação de Portugal pela Espanha, entre 1580 e 1640, marca uma época
de terror. Até 1580 foram apenas 18 o número de familiares da Inquisição. A
partir de 1580 tudo aumenta de forma vertiginosa. Número de comissários,
familiares e até os ordenados dos Inquisidores e funcionários do "Santo
Ofício". Foi decisivo neste processo, a nomeação para Inquisidor-Geral
de Portugal entre 1585 e 1593 do arquiduque Alberto, filho do imperador
Maximiliano II, sobrinho de Filipe II.
Os
reis de Espanha passam a dar instruções directas aos inquisidores portugueses,
apontando-lhes alvos e reclamando o produto dos saques (47). Não raro eram chamados
a Madrid.
A
intolerância religiosa pressionada pelo rei e a Inquisição espanhola alastrou
por Portugal. O número de presos e mortos (relaxados) não tardou a
subir, o terror instalou-se acompanhado pelo saque (confisco) dos bens dos que
caíam sob a alçada dos inquisidores.
Entre
1540 e 1821 foram instaurados 44.817 processos e executadas 2.064 pessoas (42), das
quais cerca de 600 em
estátua.
Mais de 80% das vitimas correspondem aos 60 anos de ocupação espanhola,
levando a uma fuga em massa da população entre 1620 e 1640. Depois desta data
até 1821 foram mortas 200 pessoas, muitas delas em estátua (43).
Foi
no "período espanhol" que os inquisidores fazem a sua primeira visita
ao Brasil (Bahia,1591). Em 1626 expande-se
também para África. As perseguições de cristãos-novos, por volta de 1630
no Algarve e em Goa (50), destroem importantes rede internacionais de comercio
e de capitais, provocando um duro golpe na economia do país, contribuindo desta
forma para a desagregação do Império português.
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1641-1656
: D. João IV
Pouco
depois da restauração da independência de Portugal, em 1641, o
inquisidor-geral, que fora nomeado pelos espanhóis, parece envolvido numa
conspiração para matar o novo rei (D. João IV).
A
Inquisição procurou boicotar a aplicação do Tratado de Paz de Portugal e a
Holanda (12/6/1641). Contra o estipulado no Tratado de Paz e as ordens de D. João
IV, julgou e matou portugueses, como Isaac de Castro (Dez.1647) que se haviam
aliado aos holandeses na guerra contra os espanhóis.
D.
João IV quando proibiu o confisco de bens pela Inquisição, em Maio de 1647,
foi excomungado pelo Inquisidor-Geral, alegando que a Inquisição não obedecia
às ordens do rei. Dois anos depois
nova tentativa do monarca para proibir o confisco de bens e nova recusa da Inquisição,
uma luta que se prolongou até à sua morte do rei em 1656 (44).
Depois
de morto, as suas ossadas foram tiradas do caixão à vista um vasto bando de
católicos fanatizados. O cadáver despojado das suas vestes reais, foi
estendido aos pés do Conselho Geral do Santo Ofício. Um acto de suprema
humilhação a que tiveram que assistir, a rainha D.Luisa de Gusmão e os dois
principes. Só depois de ser lido o processo secreto a que D. João IV fora
objecto pela Inquisição é que a absolvição foi dada pela Igreja Católica,
através dos seus inquisidores (2).
O
Padre António Vieira demonstrou que a Inquisição em Portugal, defendia o partido dos espanhóis, e tudo fazia para arruinar
o país: "(...)
certos ministros religiosos são conhecidamente favorecedores da parcialidade de
Castela e tão obrigados a ela, e mais castelhanos no afecto, que os mesmos
castelhanos"(45).
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1656-1750:
D. Afonso VI, D. Pedro II e D. João V
A Inquisição afirma-se ao longo de todo
o século XVII como Estado
dentro do Estado, apoiada no terror e sustentada pelos bens confiscados aos
condenados. É por esta razão que não pára de descobrir novos "judeus"no país e nas
colónias.
Durante o reinado de D. Afonso VI
(1656-1667) a Inquisição vê reforçado o seu poder. A Igreja
Católica portuguesa, imitando a espanhola, reclama agora o extermínio
de todos os cristãos novos, mobilizando para tal bandos de fanáticos
pelo país. O célebre roubo na Igreja de Odivelas, em 1671, prontamente
atribuído a judeus, insere-se nesta estratégia de terror e de saque. O
número de condenados e executados só tem paralelo com o período dos
reis espanhóis.
As populações
de Trás-os-Montes e da Beira Interior são massacradas e espoliadas dos
seus bens. A partir do inicio do século XVIII, os inquisidores viram-se
para o Brasil, procurando apropriarem-se dos bens dos mineiros e
proprietários de engenhos de açúcar.
D. Pedro II (1668-1707), mostrou-se
no inicio do seu reinado mais
aberto a limitar o poder da Inquisição, mas logo encontrou
pela frente a resistência da Igreja católica e dos seus bispos. O
saque dos cristãos-novos constituía uma fonte de receitas que a Igreja
não estava disposta a abdicar, não parando de "fabricar"
judeus.
O Vaticano influenciado pela acção do padre António Vieira, suspendeu a
Inquisição entre 1674 e
1681. O último Auto de Fé no Terreiro do Paço foi realizado
em
1683, três anos depois da última cerimónia pública na Plaza Mayor de
Madrid.
Os Autos de Fé passaram
a realizar-se no interior das igrejas. O que excitava as multidões era
contudo as execuções: pessoas a serem queimadas vivas ou mortas.
Auto
de Fé, no Terreiro do Paço (Lisboa). Gravura de 1682.
O reinado de D. João V
(1707-1750) prosseguiu de forma menos exuberante, o extermínio e o
roubo dos cristãos novos. No estrangeiro as imagens e uma abundante literatura sobre as
perseguições e os Autos de Fé realizados em Portugal, continuaram a
mostrar um país dominado pelo medo, fanatismo religioso e
ignorância.
Auto
de Fé, na Praça do Rossio (Lisboa). Gravura de 1741
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1751-1821
Marques
de Pombal em 1775 aboliu a distinção entre cristãos-novos e velhos em
Portugal, em Espanha manteve-se durante quase um século. O último Auto de Fé
em Portugal foi em 1781 (Évora), no país vizinho em 1826. A Inquisição foi
extinta em Portugal em 1821 e só 13 anos depois em Espanha.
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Notas:
(1) Novinsky, Anita - O
Tribunal da Inquisição em Portugal 450 anos do seu estabelecimento, in, A
Inquisição em Portugal. Biblioteca Nacional. Lisboa.1987.
(2) Moreira, António
Joaquim; Lourenço D. Mendonça, José - História dos Principais ... p.132-133
42)
Bettencourt, Francisco - Inquisição, in, Dicionário
de História Religiosa de Portugal (43)
Fortunato de Almeida - História de Portugal, Vol. II, pp.425-426 (44)
Filipe, Nuno Augusto Dias - A Inquisição e o Poder do Estado no Tempo de D.
João IV, in, Historia, ,69(7/1984) (45)
Anais da Academia Portuguesa de História, vol. VI..
(47)
Pereira, Isaias da Rosa - A Inquisição em Portugal. Séculos XVI-XVII-Período
Filipino... ed.vega 1993 (uma colecção de documentos
inéditos fundamentais para se compreender a actuação do Santo Oficio em
Portugal).
(50)
A Inquisição entrou em Goa em 1561. Para isso muito contribuiu
"São" Francisco Xavier (espanhol), que em 1546 escreveu a D. João
III indignado com o número de portugueses judeus, que em total liberdade,
praticavam o seu culto (cf. Jordão Freitas - Inquisição em Goa ...
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