Jornal da Praceta


Informação sobre a freguesia de Alvalade

(Alvalade, Campo Grande e São João de Brito)  

Breve História da Freguesia de Alvalade

 

Inspiração Anarquista do Plano do Bairro de Alvalade

 

 

Qualquer história sobre o Bairro de Alvalade começa com um referência ao urbanista que concebeu o plano: o arquitecto Faria da Costa. Algumas referem a concepção urbanística que procurou concretizar - "cidade-Jardim" - mas todas procuram ignorar a sua inspiração ideológica.

João Guilherme Faria da Costa (1906-1971) formou-se em urbanismo mo Instituto de Urbanismo de Paris (1935).

No plano teórico recebeu uma profunda influência do movimento cidade-jardim que tem como referência fundamental Ebenzer Howard (1818-1900), autor da célebre obra "cidade-jardim de Amanhã" (Garden Cities of To-Morrow), publicada em 1498 e revista em 1902. A sua cidade ideal concilia o melhor do campo com o melhor que a cidade tem para oferecer. A cidade-jardim deveria ser construída em terrenos municipais. A propriedade privada do solo seria recusada. O seu crescimento seria limitado quanto à superficie e densidade. Assentaria num equilibrio de funções próprias da cidade (industria, serviços, divertimentos, etc) com as do campo (agricultura, espaços verdes, etc). O modelo seria replicado em novas cidades quando estes limites fossem ultrapassados. O respeito pelo ambiente seria um princípio absoluto.

Urbanistas como Raymond Unwin (1863-1940) e Richard Barry (1867-1947) colocaram em prática esta concepção de cidade em Letchworth (Hertfordghire em Inglaterra) (1909), muitos outros exemplos surgiram pelo mundo.

Faria da Costa trabalhou com Alfred Agache e Etienne de Groer (1) ligados ao movimento das cidades-jardins de Ebenzer Howard.

Ao longo da sua carreira profissional foi crescente a sua aproximação aos conceitos da cidade-jardim concebido por Ebenzer Howard, como está bem patente no Plano do Bairro de Alvalade, que não se reduz às chamadas "unidades de vizinhança" (as oito células).

Utopias Urbanas

Desde Platão (427- 347 a.C.) que foram muitos que imaginaram cidades ideais que seriam governadas por um grupo restrito de sábios. No século XIX a questão da organização da cidade tornou-se num problema de social. A Revolução Industrial provocou um êxodo das populações dos campos para as cidades, onde se amontoaram em bairros degradados afastados da natureza. Alguns teóricos sociais imaginaram soluções para resolver o problema criando "bairros operários" confinados ao espaço de uma fábrica.

Dois anarquistas - Élisée Reclus (1830-1905) e Pioter Kropotkin (1842-1921) - na esteira de outros como Pierre-Joseph Proudhon, desenvolveram uma concepção mais global que esteve na origem da Cidade-Jardim proconizada por Ebenzer Howard.

Élisée Reclus. Fundador da geografia urbana, analisou em profundidade a contradição entre o espaço urbano e a cidade, mostrando como as cidades saídas da revolução industrial eram segregadoras e destruidoras da sua identidade e diversidade. A ligação à natureza era a única forma como as podia regenerar. Obras: Nova Geografia Universal; O Homem e a Terra; etc.

Piotr Kropotkin. Este filósofo concebe a sociedade como parte da natureza. Uma sociedade justa assenta no apoio mútuo entre individuos livres e iguais. As cidades deviam ter uma escala humana, onde a agricultura e a industria estivessem interligadas e não separadas. Obras: A Conquista do Pão; Campos, Fábricas e Oficinas (1899); Mutualismo: Um Factor de Evolução (1902); etc

Plano do Bairro de Alvalade. Faria da Costa parte também de um território delimitado destinado a cerca de 50 mil pessoas. Imagina esta cidade, uma Nova Lisboa, organizada em oito células.

Em cada célula deveria ser construído um equipamento social relevante, neste caso era uma escola. Funcionaria como a polo centralizador, cuja distância a cada lugar da célula não deveria de ultrapassar os 50o metros. A educação emerge aqui como o simbolo de uma sociedade bem organizada, conforme preconizava Kropotkin.

Os espaço verdes ocupavam áreas muito significativas nomeadamente para pequenas hortas urbanas. O Bairro de Alvalade, com excepção do lado sul junto à linha de comboio seria rodeado de arvoredo, como preconizava Ebenzer Howard. O Plano de Faria da Costa previa a manutenção de algumas quintas pré-existente, como a que existia na Rua José Lins do Rêgo. O campo era desta forma harmoniosa integrado na malha urbana a criar, uma ideia central nas concepções urbanísticas de E. Reclus, P. Kropotkine e Ebenzer Howard.

As funções urbanas, como a industria, artesanato e comérco tinham espaço próprios, interligados com edificios habitacionais, mas sempre rodeados de corredores verdes.

Os transportes do Bairro de Alvalade com a grande urbe (Lisboa) seria assegurado pela ferrovia e carreira e outros trasnportes públicos que percorriam os seus principais eixos viários.

Leituras

O Bairro de Alvalade ao contrário do que muitos se esforçam por dizer não é o "paradigma do urbanismo em Portugal" é um projecto único, excepcional, tendo em conta o regime político na altura em que foi construído - uma ditadura.

A cidade-jardim de Alvalade desde muito cedo começou a ser desfigurada. Os generosos logradouros das células 1 e 2, correspondentes ao chamado "Bairro das Caixas" nos anos 60 já estavam ao abandono. Os espaços verdes em vez de verem multiplicarem-se as hortas começaram a ser povoados de construções precárias, os caminhos pedonais de circulação interna foram sendo destruídos ou bloqueados por construções avulso. Equipamentos, como parques infantis, desapareceram vandalizados. As quintas que segundo Faria da Costa deviam manter-se deram lugar blocos de edificios.

A verdade é que o Bairro de Alvalade apesar de todas as mutilações permite descobrir ao ideário anarquista que esteve na base desta "cidade-jardim".

Carlos Fontes

 

Notas:

(1 ) Faria da Costa convenceu-o a vir trabalhar para Portugal elaborou o Plano Diretor de Lisboa (1938-1948).

   
 
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