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O ditador Marcelo Caetano vivia em Alvalade, como ele muitos outros afectos e beneficiados pelo regime. No entanto, nada de mais errado pensar que o Campo Grande e o Bairro de Alvalade, assim como outros bairros hoje abrangidos pela actual freguesia lhe fossem favoráveis. Se nas manifestações de estudantes, por exemplo, muitos donos e empregados lhes fechavam as portas quando os viam a serem perseguidos pela polícia, alguns outros agiam em sentido contrário. Condutores de autocarros abriam-lhes as portas, chauffeurs de taxis ajudavam-nos a sair de cercos policiais. Uma situação que se repetia por toda a cidade, embora a maioria não queria ter "sarilhos" e remetia-se a um silêncio cómodo cultivado pelo regime.
A Cidade Univeristária era desde 1962 um activo foco de oposição ao regime. Desde 1968 sucediam-se os confrontos com a policia, prisões e expulsões de professores e alunos. Nos dois liceus da freguesia, o PAV e o Rainha, desde o princípio dos anos setenta que grupos de estudantes passaram a participar também em manifestações. Grande número deles do ensino superior e secundário viviam no Campo Grande e no Bairro de Alvalade, duas realidades então distintas. Entre os moradores não faltavam aqui destacados oposicionistas ao regime, mas também muitos que embora nunca tenham saído do anónimato agiam em conformidade. Não faltam relatos que testemunham estas situações, como iremos dar conta nas próximas semanas.
1. Paróquia de São João de Brito. Na segunda metade dos anos sessenta era uma paróquia do Vaticano II (1962-1965). Organizou o apoio às vítimas das inundações de 1967, mobilizando os jovesn católicos. Recebeu e acolheu Adriano Pereira da Silva Botelho (1908-1980), pároco de Alcantara (1940-1960), um declarado oposcionista à ditadura. Foi feito monsenhor pelo papa Pio XII, em 1957. O regime não lhe perdoou ter testemunhado a favor de dois jovens envolvidos na "Revolta da Sé", sendo exilado para a Patagónia entre 1960 e 1963. Quando regressou tornou-se pároco de são João de Brito. Padres e coadjudores que participaram na vigília da Capela do Rato estiveram ligados à Paróquia: Alberto Neto (1931-1987), António Janela e Armindo Marques Garcia, professor de religião e moral do PAV e coadjtor da paróquia entre 1971 e 1974. Todos figuras cimeiras da JEC e JUC (Juventude Estudantil e Universitária Católica). O posicionamento político da paróquia mudou radicalmente com o democracia.
2. Livrarias. As livrarias do Campo Grande, com destaque para a Livraria 111 assumiam-se como focos de resistência à ditadura. Fundada em 1960, onde depois abriu num sala anexa a galeria com o mesmo nome (1964), era um espaço de tertúlias e onde se ouvia José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Leo Ferré entre outros cantores de resitência e de liberdade. A polícia política (PIDE) fazia regulares visitas para apreensão de livros.
3. Cafés. As esplanadas do Campo Grande (piscinas e ilha), o Tatú e Gondola, entre outros eram pontos de reunião dos estudantes.
4. Escolas
5. Testemunhos de Moradores.
Júlio Marques Mota (1943-), antigo professor de economia da Universidade de Coimbra, relebrou-nos a sua passagem pelo Campo Grande: "Anos de 1958-60, tinha eu de 15 a 17 anos. Era eu um marçano na rua Afonso Lopes Vieira numa mercearia quase junto à Avenida do Brasil. Ordenado: 100 escudos por mês, cama, mesa e roupa lavada. Não passava fome, poderia, por vezes, não gostar da comida que me era posta na mesa. Exemplo: de tanto peixe-espada comer, enjoei tal peixe! A 40 metros da loja havia uma praceta, dita Praceta Afonso Lopes Vieira, habitada por muitos estudantes líderes da crise de 61-62 e seguintes, entre os quais um líder fantástico, Eurico Figueiredo. (...)". Foi depois operário fabril na Rua Centro Cultural na zona de Alvalade em Lisboa. "Quando, já operário, ia estudar para os cafés Nova Iorque, ao fundo da Avenida Estados Unidos da América, ou no Tatu, ao fundo da Avenida da Igreja. Aí me cruzei com os estudantes da Praceta Afonso Lopes Vieira, com eles teci muitas amizades e a eles devo muito da minha própria formação. Verdadeiramente começou aí. E a todos eles em geral estou muito reconhecido, em particular à Ana Dinis, à saudosa Guida Areias, ao Eurico de Figueiredo e à Berta, sua namorada e depois mulher, e ao Furtado entre muitos outros; deste último ainda me lembro das suas explicações sobre Hegel, Marx e a dialética a passearmos no jardim do Campo Grande. Direi mesmo que, culturalmente, sou também filho da geração de estudantes que dinamizou as crises académicas de 61-62 e 64-65 em Lisboa. De novo encontramos aqui os fios invisíveis da fraternidade humana.", In A Viagem dos Argonautas (https://aviagemdosargonautas.net). O texto tem algumas imprecisões, a praceta referida é a da Rua José Lins do Rêgo.
Eurico Figueiredo (1939-) foi Presidente da Comissão Pró-Associação dos Estudantes de Medicina de Lisboa, e destacado dirigente das greves de 1962. Participou na greve da fome na cantina. Os protestos pela sua prisão, obrigaram o governo a libertá-lo. Expulso da UL, continuou os estudos em Coimbra, onde até 1965 participou na reorganização do movimento estudantil. Em 1963, participou na fundação do movimento clandestino "Movimento Sindical Estudantil" que, durante anos, coordena a atividade estudantil antifascista. Em 1965 exilou-se na Suiça. A Berta, referida no texto, era também uma activista estudantil e vivia na Avenida do Brasil. A sua biografia, bibliografia e actividade politica está amplamente divulgada na internet.
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