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Revolta dos Estudantes 1962-1974
A História começa assim: Os estudantes em 1962 pretendiam comemorar o seu dia (24 de Março), como vinham fazendo desde 1958. Era uma festa que se prolongava por mais dois dias. A ditadura temeu que fosse aproveitado para denunciar o regime e não o permitiu. Na véspera, encerrou a Cantina em Lisboa, e colocou polícia na Cidade Universitária. Os estudantes da Universidade de Lisboa não se atemorizaram e resolveram desobedecer e acabaram por abalar o regime. A contestação estudantil ao regime estava num crescendo desde a publicação do Decreto-lei nº. 40.900, de 12/12/1956, que recebeu uma viva oposição dos estudantes. O governo pretendia controlar o movimento associativo. A contestação prosseguiu e mantinha-se muito viva no inicio dos anos sessenta, quando listas de declarados opositores ao regime conquistam importante associações académicas, como a AA de Direito em Lisboa (Jorge Samapaio) e na AA de Direito de Coimbra. Movimentos de estudantes católicos, engrossam a contestação ao regime.
As eleições presidenciais de 1958, protagonizada por Humberto Delgado (assassinado em 1965), ao abalarem o regime, contribuiram igualmente para reforçar a resistência à Ditadura. O acontecimento decisivo foi, contudo,o início em 1961 da guerra nas colónias. Cedo se percebeu que a mesma iria ser prolongada, perante a intransigência do regime em negociar.
1961, ano de viragem
A 4 de Fevereiro de 1961 teve inicio a luta armada em Angola. Em Junho um grupo de 60 estudantes de Angola, Moçambique, Cabo Verde e de outras colónias fugiu de Portugal para se juntar à luta armada em África. Entre eles estavam estudantes como Joaquim Chissano (Frelimo) ou Pedro Pires (PAIGC). Em agosto, o Daomé (atual Benim), ocupou a Fortaleza de São João Baptista de Ajudá. O "Império Português", bandeira da ditadura, começa a desfazer-se. Em Dezembro, as tropas indianas entram em Goa, Damão e Diu, quase sem resistência. Diversas acções da oposição e de elementos do próprio regime, revelam que era tempo de mudança na sociedade portuguesa, como, o desvio do paquete Santa Maria (janeiro de 1961), a tentativa de golpe de estado do chefe de Estado-Maior Botelho Monioz (Abril de 1961), o desvio de uma aeronave da TAP em voo entre Casablanca e Lisboa (10/11/1961), ou o assalto ao Quartel de Beja (31/12/1961). A guerra não tardou a irromper também na Guiné-Bissau (Janeiro de 1963) e depois a Moçambique (Setembro de 1964). A Ditadura, nesta altura, já estava isolada internacionalmente. Na ONU, em dezembro de 1960 foi condenada a política assimilacionista (resolução 1542 da Assembleia Gera). Continuava, contudo, a receber armamento de países, como a África do Sul, Rodésia, França ou a Inglaterra, devido à sua postura contra a União Soviética. Grande número de jovens perante a possibilidade de vieram a ser mobilizados para a guerra não tardaram a aderir a movimentos de contestação, um fenómeno que tinha paralelo em outros países ocidentais.
Alvalade 1962
A 24 de Março, a policia invadiu as Faculdades de Direito, Medicina e Letras, espancou os estudantes que saiam de um jantar-convivio, no Lumiar, são de novo espancados. A 26 de Março, a RIA (Reunião Inter Associações) declara Luto Académico, numa assembelia-geral com cerca de 2 mil estudantes. Os plenários sucedem-se, assim com uma brutal repressão. O reitor da Universidade de Lisboa (Marcelo Caetano, futuro ditador) demite-se em protesto. O luto académico é reposto e suspenso, consoante os avanços e recuos do governo. Sucedem-se os processos disciplinares e prisões, mas os estudantes não desarmam. A 13 de Abril são suspensas as associações de estudantes e assaltadas as suas instalações.
A censura impediu que os jornais fizessem referência aos comunicados dos estudantes. O governo vem a público declarar que a agitação universitaria seguia orientações dadas por Moscovo (Diário de Notícias, 5/04/1962). O movimentos operário, como habitual no 1º. de Maio, em Lisboa e arredores, desencadeia uma onda de contestação. Nas ruas de Lisboa ocorram manifestações e correrias, e em menor escala no Porto. A contestação ocorre igualmente em algumas zonas do Alentejo. A 9 de maio os estudantes declararam luto académico total, com greve às aulas, frequências e exames. Um grupo de 21 estudantes ocupa a Cantina de Lisboa e inicia uma greve da fome, longo apoiados por cerca de 800. A 11 de Maio a polícia prende os grevistas da fome, e os que os 800 que os vieram apoiar, 84 eram raparigas. Em Coimbra registam-se também confrontos entre os estudantes e a polícia. Em Julho, as associações académicas, através de comunicados, noticiam que haviam sido expulsos os 21 estudantes da universidade de Lisboa que haviam entrado em greve da fome e em Coimbra 34. A contestação estudantil não parou, apenas abrandou.
Estudantes liceais: Helena Cabeçadas, no ano lectivo de 1962/63, com 14 anos de idade, entra no Liceu Rainha Dona Leonor e adere à Comissão Pró-Associação dos Liceus. Á semelhança de outros jovem de Lisboa não deixou de acompanhar os plenários do estudantes na Cidade Universitaria. Adere ao PCP um ano depois, acaba presa na Cantina da Universidade. Após ser libertada, não tardou a ser expulsa de todas as escolas do país, por tempo indeterminado. Em agosto de 1965, com 17 anos de idade, parte para Bruxelas. O almirante Cabeçadas, era o seu tio avô.
Coimbra 1969
Os estudantes da UL e do IST perante as cheias de Novembro de 1967 mobilizam-se para apoiarem as vítimas, e são também confrontados no terreno com a extrema miséria em que vivia grande parte da população. Não era possivel ignorar. No IST de 17 a 24 de março de 1968, nas piscinas da Associação, reunem-se para definirem uma estratégia de luta, passando a assumir as associações académicas como organizações sindicais. Findo o encontro, dirigem-se à Embaixada do EUA para protestarem contra a guerra do Vietname, sucede-se um confronto com a policia de choque. Os ecos de Maio de 1968 em França, começam a fazer-se ouvir em Lisboa, Coimbra e Porto.
Na Cidade universitária, ocorre a 20/11/1968 uma grande manifestação na cantina. Em Coimbra, a 25 de Novembro, representantes das três academias (Lisboa, Coimbra e Porto) debate um plano de luta contra a ditadura. No IST, a 8 de Dezembro a associação de estudantes é ocupada pela polícia.
A 12 de Fevereiro 1969 , as eleições para a Associação Académica de Coimbra, foram ganhas por uma lista de esquerda. No dia 17 de Abril, quando o presidente da republica visitou a universidade para inaugurar o edificio de matemática, um estudante e dirigente estudantil foi impedido de falar, sendo depois detido. Seguiu-se uma violenta repressão policial. Foi declarado luto académico. As greves aos exames de Junho tiveram uma ampla adesão, sucedendo-se as habituais detenções e expulsões. Dezenas de estudantes foram incorporados nas forças militares e depois enviados para a guerra nas colónias. Depois das férias de verão, a contestação em Coimbra diminuiu, um dos motivos foi para não causar perturbações na campanha eleitoral de 25 de Outubro !. A contestação nesta universidade, assumiu sempre formas de luta conciliadoras, muito distintas das que ocorriam em Lisboa. O mais expressivo protesto desta luta ocorreu durante a final da taça de Portugal, no Jamor, disputada entre a Académica e o Benfica. Nas bancadas apareceram faixas com frases de estudantes que denunciavam a repressão. Outro dos sinais de resistência foi o abandono da praxe e os seus rituais, como a Queima das Fitas. O que não deixou de provocar violentos confrontos entre os estudantes. A praxe só foi retomada em 1979.
Alvalade 1972- 1973
Em Lisboa, depois de 1962, acentuou-se o divórcio entre os estudantes e a ditadura. A contestação tornou-se a normalidade, ao contrário do que acontecia no país rural, onde reinava quase sempre a apatia. Fruto desta radicalização, em 1969, uma lista maoista, liderada por Arnaldo Matos, ganhou as eleições para a Associação de Estudantes da Faculdade de Direito da UL. Em Janeiro de 1970 a greve dos estudantes em Direito foi um exito, como resposta o governo mandou encerrar a faculdade. A nova medida que passou a adoptar para conter a agitação. A luta contra a ditadura e a guerra colonial, passou também a estar associada à luta contra o capitalismo. A faculdade de ciências foi também fechada em Maio de 1971. O plenários são quase diários. O Governo recruta para garantir o controlo nas faculdades, dezenas de "gorilas": ex-combatentes na guerra das colónias. Na Cidade Universitária, junto à Faculdade de Letras, passam a estar em permanencia carrinhas da Polícia de Choque.
Em 1972 a cidade universitária virou um campo de batalha contra o regime, passando a envolver estudantes do ensino secundário. Mutlplicam-se as manifestações na rua. No dia 25/05/1972, por exemplo, cerca de quatro centenas de estudantes concentram-se no Ministério da Educação em protesto, e ocorrem violentos confrontos com a polícia.
A Faculdade de Letras, onde predominavam raparigas não tardou, em 1972, a entrar ebulição. Em março era encerrada a associação que volta a sê-lo a 14 de Maio.
A Faculdade de Medicina , no Hospital de Santa Maria, torna-se outro dos polos mais activos de contestação. A 19 de maio de 1972, a policia invade e espanca os estudantes e alguns professores do IST e ISCEF (actual ISEG) e encerra os institutos. No ISCEF, apesar de Francisco Pereira de Moura tentar apaziguar a fúria dos polícias, dezenas de estudantes são feridos com gravidade, dado o levado número são distribuidos por cinco hospitais. Cerca de 600 estudantes das faculdades da UL, do IST, ISCEF, ISLA reunem-se para decidirem acções conjuntas, a primeira foi logo de seguida uma manifestação na Avenida Almirante Reis.
Perante novas medidas repressivas, os estudantes organizam uma reunião no dia 12 de Outubro no ISCEF, para discutirem a repressão policial. Ribeiro Santos é então asssinado pela policia politica (PIDE), desencadeando uma onda de manifestações, confrontos com a policia e acções violentas. Nas Faculdades de Direito e de Letras é declarada greve geral, manifestações saiem da Cidade Universitária, percorrem o Campo Grande, Avenida de Roma e Praça de Londres, apedrejando o Ministério das Corporações e bancos. Gritam-se palavras de ordem contra a ditadura, a guerra colonial e a morte de Ribeiro Santos. O mesmo sucedeu com a manifestação na Avenida 5 de Outubro. Apesar do medo, não se acorbardaram.. Em Outubro e Dezembro, a Faculdade de Ciências entra em convulsão, com uma série de suspensões. Era já dificil ignorar a luta dos estudantes em Lisboa.
A 24 de Novembro encerrada a Associação de Estudantes do IST. Na Capela do Rato, a vigilia que aí ocorre a 30 e 31 de Dezembro, abre um conflito entre a Igreja e o regime. A Universidade de Lisboa foi neste mês encerrada pela policia.
Em 1973, o movimento estudantil em Lisboa estava bastante politizado e em completa ruptura com a ditadura. As formas de luta passaram a ser muito diversificadas: desenhos e pinturas nas paredes, manifestações relâmpago para dispersar a policia, seguidas de correrias e distribuição de comunicados, concentrações, apedrejamentos de bancos e instituições, protestos ruidosos, numa espécie de criativa guerrilha urbana. Apesar da repressão, os estudantes estabelecem uma rede de organizações clandestinas, sendo as mais atrativas as que apostavam em confrontos violentos, como era o caso do MRPP. São de registar várias manifestações que desencadeou: a 21/02/1973, na Praça do Chile; a 1/05/1973 no Rossio; 11/05/1973, no Bairro da Boavista, com confrontos com a policia; a 12/10/1973 nova manifestação no Rossio; a 12/11/1973, na própria Faculdade de Direito, nomeadamente contra o próprio director. A 25/11/1973, na Faculdade de Medicina é boicotada uma sessão de teatro. Dias depois, cerca de 200 alunos manifestam-se junto ao Ministério da Educação e a seguir no Largo do Rato. Muitos jovens que participavam nestas acções de revolta, não eram membros desta organização mas comungavam dos mesmos objectivos e meios de luta.
O IST, ISCEF, as Faculdades de Direito, Letras e de Medicina da UL, e vários liceus de Lisboa e arredores assumem um papel grande destacado nesta revolta. Um revolta que procurava articular-se com outras lutas, nomeadamente dos trabalhadores. A 29 de Setembro de 1973 é encerrada a Cantina da UL, seguiu-se a cantina de Ciências (2/10/1973). No dia 12 de Outubro, ocorrem manifestações por Lisboa, a principal foi a do Rossio, ao fim da tarde com centenas de jovens em confrontos com a policia. Dezenas são presos, levados para o hospital de São José (feridos), governo civil e Caxias. A articulação com outras revoltas é agora frequente.
No início dos anos setenta, a contestação passou das universidades para as escolas secundárias. A 17 de Dezembro, na sala 7 de Maio, na Faculdade de Medicina/Hospital de Santa Maria mais de 150 alunos de escolas secundárias reunem-se para definierm formas de luta. Dois liceus da freguesia de Alvalade e terem um enorme protagonismo: o PAV (Esc. Sec. Padre António Vieira) e o Rainha (Esc. Sec. Rainha Dona Leonor). Mais
Os primeiros meses de 1974 foram também de grande agitação em Lisboa. Esperava-se a todo o momento uma mudança no regime. Uns falavam-se num golpe de direita para tentar conter a crescente oposição. Outros no derrube da ditadura, devido ao arrastar da guerra colonial sem solução à vista. O número de refractários à tropa superava já os 30% . A tentativa de golpe, a 11 de Março de 1973, abria esta expectativa.
No átrio da Faculdade de Direito a vermelho estão dois retratos de dois estudantes desta faculdade assassinados por motivos distintos. Eram ambos militantes do MRPP (organização marxista maoista), que na primeira metade dos anos setenta tinha aqui grande influência. José Ribeiro dos Santos foi morto pela policia politica a 12/10/1972, no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), num encontro de estudantes. O seu funeral, a 13 de Outubro, foi uma grande manifestação de luta contra a ditadura, em que participaram milhares de pessoas. De Coimbra vieram cerca de 100 estudantes, para participarem numa marcha que a polícia à bastonada e prisões impediu. No Porto, o protesto estendeu-se inclusive às escolas secundárias. Alexandrino Sousa, a 9/10/1975, com seis outros camaradas andava a colar cartazes. Cerca de quatro dezenas de elementos da UDP (organização marxistas albanesa), atacam-nos munidos de barras de ferro, e atiram-nos para o rio Tejo, junto à praça do Comércio. Todos são resgatados com vida, menos Alexandrino. Um brutal acto de sectarismo ideológico.
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