Jornal da Praceta

Informação sobre a freguesia de Alvalade

(Alvalade, Campo Grande e São João de Brito )

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Hospital Júlio de Matos abriu com enfermeiros suíços


Na verdade, a 2 de Abril de 1942 quando abriu este hospital e começou a receber e tratar doentes mentais, nas duas enfermarias do pavilhão 14 (Salgado Araújo), os primeiros enfermeiros e enfermeiras eram suíços.

Isto deve-se ao Professor António Flores, membro da Comissão Instaladora e primeiro diretor do HJM, que era um neurologista de prestígio e fizera parte da sua formação na Suíça (1) . Aí, ficara muito bem impressionado com a competência e humanidade destes profissionais de saúde (4), e promoveu a contratação dalguns que ajudaram à instalação dos serviços e lhe deram continuidade

Eram 7 enfermeiras e 7 enfermeiros, e durante quatro anos trabalharam na preparação técnica do pessoal de enfermagem psiquiátrica do Hospital, introduzido entre nós a terapia ocupacional (ergoterapia). Os ensinamentos do primeiro "Júlio de Matos" rapidamente se expandiram a outros pontos do país. No Hospital Sobral Cid, inaugurado em 1946, Granada Afonso introduziu a ergotepia, seguida por outros. Graças à influência de António Flores, a Lei 2006, de 11 de Abril de 1945, que reorganizou os serviços de assistência psiquiátrica, alargou a ergoterapia a todos estabelecimentos de assistência de doentes mentais.

A vinda destes enfermeiros foi um acontecimento excepcional, tendo em conta o contexto da guerra em que o mundo estava mergulhado. Não era fácil deixar sair nestas circunstâncias pessoal de enfermagem especializado, pelo que o assunto foi tratado ao mais alto nível. A explicação para esta vinda é inseparável das relações de cumplicidade entre o governo helvético e o governo português. A imprensa suiça encarava com simpatia a Ditadura (2). Durante a guerra os dois países mantinham-se numa ambigua neutralidade, mas pesava sobre eles na altura a ameaça de um possivel invasão da Alemanha ou com o seu apoio, no caso português. O factor determinante que facilitou a vinda dos enfermeiros suiços prendia-se todavia com um facto pouco conhecido: Portugal entre 1941 e 1943 teve um papel fundamental no abastecimento da Suiça, através dos portos de Lisboa e Leixões. Nestes portos foram criados grandes grandes armazéns de cereais, milho e produtos das antigas coloniais portuguesas que seguiam para a Suiça por terra atravessando a Espanha ou por mar até Génova, onde eram encaminhados depois para este país. Para assinalar esta ajuda mútua, em 1942, realizou em Lisboa um jogo amigável de futebol entre as seleções dos dois países.

Metade destes enfermeiros eram considerados muito competentes, como rezavam as crónicas verbais desse tempo. A outra metade não deixou saudades e até se contavam alguns erros de palmatória, cometidos por eles. Um dos erros foi após enrolar uma ligadura na perna de um doente, e, não tendo uma tesoura à mão, cortou a ligadura com a chama do isqueiro, incendiando a perna do doente. Também se contava que uma enfermeira, injetou na nádega duma doente um soluto por ela preparado inadequadamente de pó de sulfamidas (que é para pulverizar feridas).

Para melhorar o desempenho técnico e psicológico da profissão dos enfermeiros psiquiátricos portugueses, os suíços tiveram mérito, pese embora, também terem deixado uma prática na chefia de enfermagem, que se revelou menos boa e que mais tarde foi abandonada.

O HJM para a substituição dos suíços, começou a admitir enfermeiros psiquiátricos portugueses, que os suíços foram de pouco a pouco integrando e instruindo com os seus procedimentos. Quando se preparavam para voltar para a Suíça, instituíram que as futuras chefias tivessem um caráter provisório e rotativo. Assim, durante uns meses um enfermeiro era chefe de enfermaria, depois dava o lugar a um colega e assim sucessivamente.

Isto à moda portuguesa deu razão aquele ditado: se queres criar um vilão dá-lhe um pau para a mão. Em cada mês o enfermeiro que chefiava era um terror para os subordinados e ainda mais sobre aquele que fora chefe no mês anterior.

Escola de Enfermagem Psiquiátrica

Depois da saída destes enfermeiros suiços (3) foi criado um curso de enfermagem psiquiátrica com a coajuvação dos enfermeiros-chefes, os médicos do hospital e do Centro de Assistência Psiquiátrica de Lisboa e do seu Dispensário, exigindo-se para a admissão alguns conhecimentos liceais de base. Esse curso era ministrado nas instalações do HJM. No Porto e em Coimbra abriram também, nesta altura, centros de formação. No ano de 1946/47 formaram-se os primeiros enfermeiros psiquiatras no país, 32 no total. No principio dos anos 60 o curso tinha a duração de dois anos, nele eram ministrados conhecimentos de gerais de psiquiatria e das modernas técnicas terapêuticas, lições de anatomia, fisiologia, patologia, higiene e profiláxia médica, psicologia e cultura geral, assistência social, higiene mental , etc. A prática fazia-se nas diferentes enfermarias. A Ergoterapia e terapeutica pelo trabalho, foi desde o inicio instituida no Hospital. Foram abolidos os métodos de contenção mecânica, o que constituiu uma novidade no país.O Hospital tiunha então uma lotação de 1300 doentes, distribuidos por 22 pavilhões (clínica, secção asilar, pensionistas de 1º. classe e neuro-cirurgia) possuia 125 enfermeiras e 90 enfermeiros de todas as categorias.

Planta em 1946

A enfermagem da escola suíça continuou a ter neste curso um certo peso, através do Enfermeiro-Geral Pulquério Martins de Almeida, que durante muitos anos lecionou a disciplina de Técnicas de Enfermagem Psiquiátrica. Ele tinha também feito uma parte da sua formação na Suíça e era um admirador da educação e do modo de ser dos cidadãos suíços e, naturalmente, da sua enfermagem. Tinha estado na Suíça no final da década de 1940 e ficou a admirar, além do civismo, a limpeza que ocorria nas suas ruas, onde não se via um papel no chão, em contraste com Portugal em que ainda se desenvolviam então grandes campanhas anti tuberculose, nomeadamente evitar cuspir no chão e outras normas de higiene e cívicas.

Este enfermeiro Pulquério, de elevada compleição física, tinha um ar fleumático, porventura um aspeto britânico até no modo de vestir.

Tinha a preocupação de ensinar bem, de dar aos seus alunos uma boa preparação. Contudo, explicava-se com grande dificuldade pois tinha pouco dom de palavra, pouca fluência a falar. Lia e complementava com alguns esclarecimentos, uns textos com que os alunos criavam os seus apontamentos. Alguns alunos, sobretudo em aulas durante o calor do verão, quando as suas aulas convidavam a dormir…apelidaram-no de mosca tsé-tsé.

Arranjou uma estratégia pedagógica, que acabava por conferir alguma eficácia às suas lições. Dava um tema para um aluno dissertar sobre ele. E interrompia quando o aluno dizia alguma asneira. E perguntava: quem sabe? Dando então a palavra a outro aluno para explicar melhor.

O enfermeiro chefe-geral Pulquério, superintendia no HJM todo o pessoal de enfermagem e outro pessoal clínico auxiliar a operar no lado masculino e era uma pessoa respeitada, que merece ser citada pela sua influência positiva (na nossa opinião) no funcionamento do hospital e da escola de enfermagem.

Foto: 1962

Nos anos 1960 emigraram enfermeiros portugueses para a Suíça

Quando começou a emigração para os países europeus, no final dos anos cinquenta, os enfermeiros psiquiátricos não foram exceção. Também emigraram, nomeadamente para a Suíça, onde parece terem dado boa conta do seu desempenho e onde foram bem acolhidos.

Como explicar a inversão do fluxo migratório destes profissionais, em menos de 20 anos? Arriscamos uma hipótese explicativa.

Por um lado, o nível dos enfermeiros portugueses passou a competir com os níveis europeus, onde as remunerações eram melhores, convidando-os a emigrar. Por outro lado, nos países de melhor nível de vida e mais oportunidades, havia outros empregos mais bem remunerados, menos exigentes e de formação de base mais fácil que a de enfermagem, portanto, mais procurados pelos jovens suíços. O certo é que, segundo a Ordem dos Enfermeiros até 2021 mais de 20 mil enfermeiros portugueses estavam emigrados, a maioria dos quais para a Grã-Bretanha e Suiça, logo seguido da Espanha. A pandemia acelerou a procura destes profissionais em todo o mundo.

Actualmente a enfermagem em saúde mental e psiquiátrica é curso de pós-licenciatura em enfermagem (quatro anos) que carece da aprovação da Ordem dos Enfermeiros para o seu exercício, muito se avançou neste domínio desde 1942 quando chegaram a Portugal o grupo de enfermeiros suiços.

Gaspar Santos

Notas:

1) "(...) merece ser citado o papel dos enfermeiros e enfermeiras suiças que orientarem a organização da ergoterapia nos seus primeiros anos de funcionamento do Hospital. A sua vinda deve-se à iniciativa de António Flores e, como noutras inovações então legalizadas por uma administração pública superficialmente interessada, à sua influência pessoal junto das entidades governamentais que, só muito trabalhadas em privado, aceitarem essa e outras inovações", Barahona Fernandes e P. Pichot, Um Século de Psiquiatria e a Psiquiatria em Portugal. Lisboa. Roche.1984

2) Monico, Rito, "Olhares Suiços sobre Portugal.2. As Guerras (1936-1945)", in Arquipélago, 2ª.Série, História. XV (2010-2011), pp-143-174

3) António Flores afirmou na hora da sua despedida da direcção do Hospital, em 1953, que a saída dos enfermeiros suiços, assim como de grande parte dos enfermeiros por eles formados foi para ele uma "completa desilusão", nomedamente para o avanço da ergoterapia em Portugal. Cfr.Flores, António, "Orientação do Hospital Júlio de Matos", in Anais Portugueses de Psiquiatria, nº5, 1953, p.7.

4) "Uma das tarefas mais consoladoras da minha actividade nesta Casa (Hospital Júlio de Matos) foram as negociações que estabeleci com as autoridades de Berna para a vinda da equipa suiça, a quem dera preferência em razão da competência especializada na ergoterapia e da neutralidade do seu país em face da guerra que assolava a Europa. Estávamos em princípios de de 1942. Com tão bons auspícios se estabeleceram os contactos, que a 2 de Abril desse ano o Hospital foi inaugurado com os doentes entregues aos enfermeiros contratados, ao todo 14, 7 de cada sexo, coadjuvados por estagiários portugueses.

"Era a realização de um sonho que eu tinha sonhado para a enfermagem em geral havia mais de vinte anos, quando dirigia o hospital português da base de Ambleteuse, em França, no final da Grande Guerra, tendo ao serviço um corpo completo de enfermeiras inglesas. Sonho que se desfez em fumo ao regressar a Portugal, porque o meio não estava preparado para compreender uma solução que outros países já tinham, adoptado.

"Com a intervenção do pessoal suiço pôde criar-se um ambiente hospitalar novo, correctivo das manifestações da doença, apoiado sobretudo na educação e no trabalho sistematizado e orientado. O médico passou a observar o doente em pleno trabalho e a escrever na papeleta a forma de ocupação que lhe convém, como antes receitava os medicamentos. O resultado foi, além da transformação radical da atmosfera hospitalar, a banição completa dos meios de contenção. Uma peça de roupa que na nossa arrecadação nunca chegou a existir é o colete de forças.", Flores, António, "Orientação do Hospital Júlio de Matos", in Anais Portugueses de Psiquiatria, nº5, 1953, p.3.

 

Hospital Júlio de Matos

Primeiros Anos:

1942, 2 de Abril: Inauguração do Hospital

1942, Abril: Inauguração do Edifício da Administração

1942, Abril: Inauguração da Clínica Psiquiátrica (Pavilhão "Salgado Araújo")

1942, Abril:Inauguração das Residências de Enfermeiras e Enfermeiros

1943, Setembro:Inauguração do Serviço de Vigilância Masculina (I)

1944, Março: Inauguração do Laboratório de Análises Clínicas

1944, Dezembro: Inauguração do Serviço de Vigilância Masculina (II)

1945, Janeiro: Inauguração do Serviço Infantil (masculino)

1945, Agosto: Inauguração do Serviço de Vigilância Feminino (I)

1945, Setembro: Inauguração do Serviço de Vigilância Feminino (II)

   
 
 

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