Espaços Públicos e Democracia
Os espaços
públicos, como as praças, largos, jardins públicos, cafés, clubes ou as
sedes de partidos políticos desempenharam um papel fundamental nas grandes
conquistas da cidadania. Tratam-se de espaços privilegiados para a formação
política dos cidadãos. Foi nestes
espaços, como mostrou Habermas, que os cidadãos se encontravam, discutiam e
formavam a "opinião pública" que influenciava as decisões
políticas. A vitalidade
da democracia de um país continua a estar ligada à participação dos
cidadãos nestes espaços, onde se tecem laços de pertença e de
solidariedade. A
resposta do poder (Estado ou Autarquias) tem sido a de controlar e limitar as
actividades nestes espaços públicos, de modo a isolar os cidadãos na esfera
privada. Vulneráveis tornam-se desta forma mais fáceis de manipular através
de uma comunicação social instrumentalizada e ao serviço dos grandes grupos
económicos. Uma
análise dos espaços públicos pode ser um excelente retrato da vitalidade da
democracia de um país, cidade ou bairro.
A
CML, como veremos, tem praticou uma gestão urbanística anti-democrática,
verdadeiramente terrorista nas antigas freguesias do
Campo Grande, Alvalade e S. João de Brito,
levando os cidadãos a quebrarem a sua relação afectiva com os espaços
públicos, estimulando o seu isolamento social (anomia).
1. Praças
As grandes praças das três freguesias foram
destruídas pela CML. A Praça de Entrecampos, tornou-se uma simples
rotunda para automóveis. O monumento evocativo da resistência às invasões franco-espanholas foi desvalorizado (Monumento das Guerras Peninsulares). A Praça dos EUA, no cruzamento com a Avenida
de Roma seguiu o mesmo caminho, tornando-se uma caótico parque de estacionamento . A Praça de Alvalade é a única que ainda
conserva algo do espírito de uma praça, embora a intervenção municipal tudo tenha feito para a tornar num espaço inóspido. A
CML pretende acabar com o Largo Feitor Pinto, transformando-o num parque
de estacionamento. A mesma visão anti-democrática continua a imperar.
2. Jardins
Os pequenos jardins de bairro, como o da
Rua José Duro ou da Rua José Lins do Rêgo foram dois dos muitos dos jardins que intencionalmente abandonados. O objectivo da CML era transformá-los em parques privados de
estacionamento. Num bairro envelhecido a concretização deste criminoso projecto significava o enclausuramento
de centenas de moradores. Uma salutar reação civica impediu, como documentamos, estas ações criminosas.
O Jardim do Campo Grande, antigamente um
dos principais espaços de convívio da cidade foi votado durante décadas ao mais completo abandono. No inicio do século XXI era um espaço degradado onde a criminalidade andava à solta. Durante o dia,
algumas dezenas de resistentes reformados ainda o frequentavam junto às principais vias de
circulação. Ao fim de semana, esporádicos ciclistas davam-lhe alguma
animação. A triste decadência em que entrou só foi alterada a partir de 2013 quando foi requalificada a sua zona norte, voltando rapidamente a ser o grande ponto de encontro desta zona de Lisboa.
A Mata de Alvalade não escapou ao abandono camarário. Como no Campo Grande a criminalidade tomou conta deste espaço. A limpeza efectuada em 2013 contribuiu para melhorar a sua frequência, a que se seguiram várias intervenções positivas posteriores.
3. Cafés e Esplanadas
Desde o anos 70 que se assistiu em Lisboa à
destruição sistemática dos cafés de Lisboa. A CML, por exemplo,
destruiu nos anos 80 e 90 com os três grandes cafés-esplanadas do Jardim do
Campo Grande. As esplanadas a partir de 2009 começaram a expandirem-se por Alvalade, de que foi um bom exemplo o café Cinema City de Alvalade. A Pandemia (2019-2022) reforçou a sua atractividade, nomeadamente como pontos de encontro e convivio.
4. Clubes
Das centenas
de associações recreativas, culturais ou desportivas que existiam em Lisboa
nos anos 60 restam muitos poucas. Os raros clubes que sobrevivem em Alvalade estão moribundos ou com uma actividade muito limitada. Sem sócios
ou outros frequentadores, todos se queixam que a CML/Junta não os apoiam.
5. Sedes de Partidos Políticos
Os partidos políticos em Portugal
caracterizam-se por serem organizações fechadas. A todo o custo procuram
impedir que os cidadãos não enquadrados partidariamente tenham acesso aos orgãos autarquicos. As sedes partidárias quando existem são espaços
fechados, onde só esporadicamente ocorrem reuniões de militantes.
A seguir ao 25 de Abril de 1974, alguns partidos
políticos abriram as suas sedes nas antigas freguesias. O PS tinha uma enorme
sede na Av. do Brasil e o CDS-PP uma mesmo junto à Praça de Entrecampos. Com o
tempo todas acabaram por fechar, sinal de um crescente distanciamento entre o
partidos e a população.
Nas últimas eleições legislativas (6/6/2011),
o PCP-MRPP abriu uma sede na Avenida do Brasil, mas acabou por a fechar quando deixou de ter apoios estatais (2019).
A abertura do Centro Cívico Edmundo Pedro, em 2015, apesar das suas limitações constituiu uma significativa mudança da política anterior de expulsão dos cidadãos do uso e fruição de espaços públicos.
6. Espaços da Juntas de Freguesia
As juntas poderiam ser espaços importantes de
encontro e debate dos problemas da cidade ou do bairro, mas é um pura ilusão. As discussões que são promovidas destinam-se quase sempre a promover este ou aquele militante partidário, A verdade é que os cidadãos no estado de anomia social em que se encontram também se manifestam pouco disponíveis a intervir no gestão da Coisa Pública. As assembleias de freguesia são o espelho desta demissão do exercício de cidadania.
7. Igrejas
A freguesia de Alvalade tem um apreciável número de
templos católicos e protestantes. A Igreja Católica do Campo Grande, um
das paróquias mais populares, concorridas e dinâmicas de Lisboa é um importante
centro de convívio e formação de católicos. As várias igrejas protestantes
(Maná, Jeová, etc) reúnem no conjunto alguns milhares de crentes.
Com excepção da Paróquia do Campo Grande, a
influência destas igrejas na vida da freguesia é muito diminuta. No caso dos
Jeovás é mesmo uma opção político-religiosa, dado que condenam a participação
política nesta sociedade, pois afirmam que a mesma é governada por Satanás
Manifestações
Face a este deprimente panorama não é de espantar que surjam as reacções caracteristicas quando se quebram as relações afectivas de pretença a uma comunidade/território:
- A populção manifesta-se alheada da participação cívica na determinação dos destinos da sua comunidade. Um dos reflexos mais imediato é o aumento da abstenção nas eleições autárquicas, as mais próximas dos eleitores.
- A população manifesta-se indiferente perante actos de destruição, vandalismo ou apropriação de património, equipamentos ou espaços públicos. Muitos poucos são os que mostram dispostos a intervir em prol do Bem Comum.
- As ações de solidariedade (ajuda mútua) ou o voluntariado tornam-se escassas. O "Outro" quando é concebido não é o que está próximo, mas alguém ou algo distante que frequentemente pretence ao reino da fantasia.
- Não raro chega a manifestar-se a própria incapacidade de formular questões colectivas. A única coisa que existe são problemas (queixas) estritamente pessoais. Quando se atinge este estado de anomia social nenhuma mudança ou ação colectiva é possivel. A própria comunidade e a liberdade ficam em perigo. Para quem assim pensa pouco lhe importa o regime político, dado estar apenas preocupada com a sua pessoa.
Carlos Fontes |