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1967 racistas e xenófobos ?

 

Um dia depois das eleições legislativas de 10 de Março de 2024, nos cafés de Alvalade, muitos eram os que se interrogavam sobre a peste, como a descreveu Albert Camus. As suas grandes manifestações são conhecidas: o desprezo pelos direitos humanos e importantes conquistas civilizacionais, como o direito das mulheres a disporem do seu corpo ou o fim das perseguições, prisões ou mortes pela orientação sexual, credo oiu religião dos individuos.  Quem eram estes 1967 empestados? .  

 

A peste, como é sabido, propaga-se e a maioria dos contagiados, remete-se ao silêncio. Apenas denúncia o seu estado em pequenos circulos de amigos ou familares, temem ser excluídos, aquilo que desejam fazer a outros. Quando se manifestam sinais de uma possivel surto, os empestados emergem na ansia de provocarem  uma pandemia.  Tendo em conta os sintomas da peste, a situação em Alvalade não deixa de causar algum receio: estamos rodeados de empestados  que vivem aterrorizados com a ocupação do país por imigrantes (substituição da população), atormentados com o número de ciganos ou dos de carenciados que vivem à custa de subsídios do Estado. Por todo o lado farejam corruptos, e só encontram soluções próprias de uma ditadura: a expulsão ou aniquilamento de minorias (ciganos, imigrantes, homossexuais, etc), através do reforço das forças políciais e a militarização da sociedade.

A Peste, em Alvalade, atingiu o expressivo número  de  1967 votos, tantos os votos do Chega nestas eleições. Os focos infecciosos que aqui existem tem décadas, a maioria, apesar da sua virulência, não tem força para gerar uma pandemia, produz apenas empestados. Funcionam como incubadoras. No entanto, como escrevemos já em 2021 (cfr. Editorial), surgiu na freguesia um foco pestilento que denunciava uma pré-pandemia (ver: Breve Perspectiva Histórica)

Nestas eleições, um líder de um partido - ADN -, um conhecida incabadora, obteve em Alvalade 220 votos de empestados (0,98%). Durante a campanha eleitoral, apresentou a sua solução para  os problemas do país:  reabrir o Campo de Concentração do Tarrafal, na Ilha do Sal, em Cabo Verde, construído pela ditadura em 1934. Era campo que pretendia exterminar os opositores ao regime, os que lutavam pela liberdade. Fechado em 1954, foi reaberto em 1961 por Adriano Moreira (Ministro do Ultramar) para receber presos políticos angolanos, cabo-verdianos e guineenses. A peste propaga-se com mais facilidade quando,  os inimigos  são claramente identificados, denegridos, ridicularizados e odiados.  No seu seu discurso, metade da população portuguesa, passou a ser deportável.  Devido aos beneficios da lei eleitoral em vigor, embora não tenha eleito nenhum deputado, vai receber 339 mil euros pela percentagem de votos atingida. Quantia que receberá todos os anos, com os impostos dos contribuintes, para continuar a difundir o ódio.    

O lider de outro partido o (Ergue-te), cuja metamorfoses em Alvalade tem décadas,  recolheu apenas 11 votos de empestados (0,05%). A sua estirpe viral é bastante antiga, mas continua a contaminar. Pugna por desenterrar Salazar e repô-lo o poder. A ideia de um governo forte, ditatorial, liderado por um homem providencial é um poderoso meio facilitador do contágio, sobretudo quando antecedido da excitação de instintos básicos como o medo, inveja, ressentimentos,  recalcamentos e ódio. Este virus ataca através  da intimidação do inimigo de modo a criar um ambiente adequado à propagação. Nos últimos tempos não faltaram acções de intimidação. Uma delas foi justamente protagonizado por esta incubadora : no dia 2/3/2024, por exemplo, organizou uma manifestação em que não faltaram tochas acesas como nas encenações nazis. O percurso inicial da manifestação era o Largo do Martim Moniz e a Rua do Benformoso para agredir os imigrantes que ali se encontrassem. Na mesma altura, significativamente, foram organizadas manifestações torculentas  por sindicatos da polícia que ameaçaram derrubar o próprio governo, se não aceitasse as suas reivindicações. Durante a campanha eleitoral, centenas de agentes da "ordem e da lei" cercaram o local onde dois lideres partidários debatiam, na televisão,  as suas propostas para o país. Não faltaram insultos a jornalistas e palavras intimidatórias. Cerca de um ano antes, recorde-se,  o Chega cercou a sede de um partido político no Largo do Rato, em mais uma acção de intimidação. No dia 10 de Junho de 2023, meia dúzia de professores mostraram cartazes em que governantes do país surgiam com lapiz espetados nos olhos. Proferem insultos racistas ao primeiro-ministro, de origem indiana.  

Não é facil identificar os agentes produtores da peste. A sensibilidade ao contágio é variável de individuo para individuo, a sua propagação inicial é silenciosa, como escrevia Albert Camus. O nosso estatuto editorial obriga-nos todavia a procurar as causas da peste em Alvalade. Os nossos analistas, muito exigentes, apontaram que a possivel explicação está na identificação dos agentes produtores da peste a nível local, municipal, nacional e de importação internacional.

 

1. Fábrica Local

Alvalade ainda não é um fábrica de empestados, embora o actual executivo da Junta (PSD/CDS), eleito em Setembro de 2021, seja sustentado pelo Chega, Mudar Alvalade e a Iniciativa Liberal. Qual foi a sua contribuição para a difusão da  peste?.

O vogal do Chega, eleito em 2021 com 700 votos, terá ficado espantado com os 1967 votos (8,73%) agora alcançados. Na verdade desde a sua eleição, a sua acção reduziu-se a apoiar o actual executivo (PSD/CDS) e a repetir a urgência do reforço das forças policiais, da videovigilância nas ruas e o regresso dos guardas nocturnos. Na última assembleia municipal descentralizada, ainda comparou Alvalade a Beirute ao evocar a criminalidade na Avenida do Brasil (lei-se Murtas), e pouco mais disse. O que lhe diminui a importância para os resultados alcançados é o seu "estilo", apagado. Um contraste absoluto como o estilo do líder e respectivos acompanhantes: provocador, racista, misógeno, xenófobo, e sobretudo boçal. Alberto João Jardim, no seus tempos aureos na Madeira, nas duas últimas assembleias da República, não passaria de um menino de coro. A verdade é que mais de um milhão e cem mil portugueses identificam-se com estas atitudes e ideias. O surto epidémico na freguesia não pode, portanto, ser atribuído ao apagado vogal em Alvalade.

O líder de "Mudar Alvalade", procurou primeiro junto do Chega guarida. Não a obtendo, lançou-se na criação de um "Movimento de Cidadãos". Em 2021 tinha um objectivo preciso: saldar as dívidas que o clube que preside tinha para com a Junta de Freguesia e os processos em curso nos tribunais com a CML. A situação resolveu-se com o apoio que deu ao actual executivo, o que o levou a esquecer o seu vasto programa eleitoral com mais de uma centena de medidas. Como obra sua, reclama a influência que teve no  aumento do número de efectivos da 18ª. Esquadra do Campo Grande (revista Alvalade). Se contribuiu para difusão peste, cremos que foi apenas no oportunismo político. A peste, como a história demonstra, gera sempre grandes oportunidades de negócio.

O rapaz da Iniciativa Liberal, continua perdido, sem qualquer ideia para freguesia. Nas curtissimas intervenções que produziu até hoje, limita-se de forma vaga à questão da transparência. A sua contribuição para a peste, a haver, terá sido residual. Como nós, estará espantado com o aumento da votação. A IL atingiu os 1.947 votos. É preciso dizer que não eram eleições autárquicas, mas sim legistativas. A colagem do seu líder de partido à direita teve certamente alguma influência neste resultado.

Se é óbvio que o actual executivo, tem proporcionado visibilidade e aceitação à Peste, parece-nos também excessivo atribuir-lhe a causa do seu crescimento em Alvalade. José Amaral Lopes, o actual presidente, tem andado a macaquer a "Política do Espírito " de António Ferro, o ideólogo da propaganda do Estado Novo, e grande admirador de Mussolini, mas não exageremos.

2. Fábrica Muncipal

No município de Lisboa, com as suas 24 freguesias, a peste está mais difundida. O actual presidente da Câmara Municipal -  Carlos Moedas (PSD)-, eleito em Setembro de 2021, não escondeu ao que vinha. O seu sonho era adquirir notoriedade para outros voos no partido. Tem procurado fazê-lo, apostando numa ruptura com um passado que simbolicamente associou ao "25 de Abril" de 1974. Não podendo apagar a data, promoveu as comemorações do "25 de Novembro". Não podendo acabar com a "assembleia municipal" criou um "conselho de cidadãos" que no seu entender tem mais legitimidade do que a anterior. Os cidaãos que tem assento no Conselho, foram escolhidos segundo regras que ele próprio criou. Substituiu uma gestão planeada por a concessão de "dádivas pessoais" aos municipes, num estilo próprio de ditadores ou monarcas absolutos. Face a esta argumentação e práticas empestantes, os resultados do Chega subiram, para os 11,73%, dos votos expressos. É todavia, excessivo atribuir-lhe  a causa desta pandemia, quando olhamos para os resultados noutras regiões do país.

 

3. Fábrica Nacional

A grande fábrica nacional opera numa escala muito diversa de uma freguesia ou município. O bolo do Orçamento de Estado, os milhares de empregos passiveis de distribuir ou os negócios são de outra dimensão. A tudo isto, presentemente, temos que acrescentar o PRR,  cujo  montante global ultrapassa os 22,2 mil milhões de euros, e os cofres da república estão "cheios", como garante a imprensa de direita (Correio da Manhã, 12/03/2024). Estão reunidas, portanto, condições excelentes para o assalto ao poder. Há muito dinheiro em jogo.  A história de Portugal está repleta destes exemplos. Neste assalto, o palavroso Marcelo Rebelo de Sousa (PSD) manobrou para colocar no poder o seu partido, conseguiu-o graças à ação presistente dos que sonham em erradicar a democracia em Portugal.      

A grande novidade destas eleições está todavia nas diversas fábricas regionais. A Fábrica de Viana do Castelo, a Fábrica do Algarve e as fábricas alentejanas e a do Ribatejo,  as que mais empestaram o país. 

Em Faro - 27,19%, Portalegre - 24,59%, Santarém - 23,32%, Beja - 21,55%, Setúbal - 20,31% e Évora -19,96%. A imprensa internacional afirma que nestas fábricas o principal componente para a produção da peste foram os ciganos e os imigrantes. A Ideia de um limpeza étnica teria sido o principal motor desta produção de empestados. É muito superficial a conclusão, embora o medo de perder a "identidade nacional" ou a suposta "pureza da raça", ou mesmo o receio de uma nova invasão de muçulmanos ( a última foi em 711), possam provocar contágios.

No Algarve, a peste alimentou-se de um problema do sistema partidário que foi criado, quando afastou os cidadãos da política. Tornou-os meros instrumentos dos combates partidários pelo poder. A monocultura do turismo fez o resto, ao subir os preços da alimentação, habitação, transportes e o mais que se sabe. Ao destruir o litoral, em movimentos especulativos, e sobretudo ao transformar a populacão residente em serviçais de restaurantes, hotéis e actividades recreativas para turistas. Votos de protesto? Não. No Alentejo  e Ribatejo aconteceu aquilo que ocorreu noutras partes da Europa: o vazio deixado pelo desagregação do PCP desde 1989, foi ocupado pelos difusores da peste. O discurso dos comunistas, ao longo de décadas, centrado no culto da personalidade dos líderes, sectarismo e num nacionalismo misturado com a defesa de ditaduras, preparou o terreno para a inoculação de um novo virus. A transferência natural.    

4. Tendências de Produção Internacional

Portugal não é uma ilha isolada, apesar da distância aos grandes centros populacionais da Europa. Os votos empestados de milhares de emigrantes portugueses é revelador deste facto. A maior parte da população mundial, continua a viver sob ditaduras. Não faltam nas democracias ocidentais, candidatos a ditadores. Hitler chegou ao poder, convém recordar, através de eleições. Quando se implantou a ditadura militar em 1926, a análise que muitos faziam é que o país estava a ajustar-se a uma Europa onde os regimes totalitários dominavam. Hoje repete-se para muitos o mesmo fenómeno. A peste que vimos crescer em Alvalade, e predomina agora em Santarém, Alentejo e Algarve, tem sem dúvida uma componente que é o reflexo da peste que se manifesta no mundo, com o desprezo pelos direitos humanos e outras conquistas civilizacionais. Quem ama a liberdade não pode tolerar a peste. Alguns dos problemas que os seus agentes difusores suscitaram são relevantes, ninguém o contesta, como a corrupção, a saúde, a habitação, a educação ou a imigração, mas a forma como foram explorados e as soluções propostas devem serem combatidas.

 


 

Breve Perspectiva Histórica

Do ponto de vista genético, não existem diferenças entre os seres humanos há mais de cem mil anos. As suas reacções básicas que a peste explora, como o medo, ódio, inveja, agressividade entre outras, mantém-se estáveis, mesmo inalteráveis. A grande mudança no comportamento humano está na cultura, resultado de acções colectivas e da história das diversas comunidades. Neste campo, a cultura pode refrear estes instintos e sentimentos, mas também exacerbá-los ou transferir os seus alvos para acções positivas ou negativas para a comunidade. O colectivo sobrepõe-se ao individual, porque é resultado de multiplas acções individuais. É por esta razão que na dimensão colectiva se podem registar progressos da humanidade que, no plano individual são sempre mais limitados.

A longo da história de Portugal desenvolveu-se durante largos períodos uma cultura pestifera, influenciada por factores históricos como um estado centralista, o caciquismo, a influência religiosa e uma economia esclavagista e rendista que inoculou o medo à liberdade, hábitos de submissão avessos ao espírito crítico e autonomia individual. Um lastro cultural, cristalizado ao longo de séculos alimentados por uma longa Inquisição (1536-1820), militarismo e uma ditadura (1926-1974) que tantas saudades ainda provoca.

O fim do Império colonial (1974-75), não deixou de provocar surtos pestiferos, dando origem a movimentos que defendiam o regresso ao dominío colonial, acompanhados de atentados contra a vida dos que se lhes opunham. Era o clima perfeito para a peste chegar ao poder, mas tal não aconteceu graças ao combate que lhe foi feito. A direita foi condicionada na sua acção (1979-1983), no que contribuiu a  entrada na actual União Europeia (1986)  e os  fundos da CEE (1987-1995) que tratou de abocanhar desvairada. Os saudosistas da ditadura, não desapareceram, continuaram muito activos. Foram uma vez mais contidos por um contexto internacional que lhes era desforável. No início do século XXI, os virus começaram a despertar.          

O Jornal da Praceta desde Junho de 2001 não parou de o denunciar. Trinta e três anos depois do derrube da ditadura (1926-1974), a figura do ditador Oliveira Salazar (1889-1970), numa campanha orquestrada pela imprensa de directa ressurgiu. Dezenas de milhares de portugueses manifestaram-se saudosos de uma ditadura, e deram-lhe a vitória (26/3/2007), num concurso televisivo da RTP para "saber" quem tinha sido o melhor português de sempre.

As livrarias encheram-se de reedições obras de propaganda da ditadura e outras que se apressaram a branquear a história do ditador.

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Algumas figuras que os canais de televisão deram certa notoriedade pública manifestaram nesta ocasião a sua adesão à ideias do ditador. Estes esbirros defendiam abertamente os beneficios de uma ditadura em Portugal.

O Jornal da Praceta em 2021 alertava para os sinais epidemológicos que haviam emergido na freguesia, escreviamos na altura:

"A relação dos portugueses com a democracia só tem paralelo com a da população dos paises do leste da Europa, como está bem patente num estudo internacional sobre "Os valores dos Portugueses" coordenado por Alice Ramos e Pedro C. Magalhães, e que foi publicado em 2021 pela Fundação Calouste Gulbenkian. Os resultados reflectem o que se passa em Alvalade:  Cerca de 75% da população aceita ser governada por especialistas (tecnocratas), prescindindo de eleições; 63% aceita ser governado por um lider forte que não tenha que se preocupar nem com o parlamento nem com as eleições. 34% aceitam mesmo uma ditadura militar. É fácil perceber que onde andaram e andam a "pescar" eleitores e a quem se dirigem alguns dos partidos e movimentos que agora tem assento na Assembleia de Freguesia.", Editorial, Dezembro de 2021."

Estudos internacionais sobre a democracia em Portugal davam conta também do vanço da peste. Em 2023, o Relatório sobre a Democracia do Instituto V - Dem da Universidade de Gotemburgo deixou de classificar Portugal como uma "democracia liberal", passando para a qualificação de "democracia eleitoral". No ranking do "Democray Index do The Economist", de 2021, Portugal perdeu a qualificação de "democracia plena", passando para a categoria de "democracia com falhas". No Word Justice Project, Portugal encontra-se hoje na 28ª. posição, a mais baixa desde 2015. A queda tem sido constante, como escrevia recentemente Teresa Violante.

O actual surto de peste, no essencial é idêntico a tantos outros que afectaram no passado o país. O número de empestados, como demonstra a história, é menos relevante que a influência dos contágios internacionais. Uma coisa é certa: o surto epidémico acabará por passar, não o virus da peste, esse fica a hibernar. O seu combate é a tarefa de todos os que amam a liberdade.

Março de 2024