Jornal da Praceta 

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Histórias do Hospital Júlio de Matos

por Gaspar Santos*

 

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SOBRE TRATAMENTOS NO HOSPITAL JÚLIO DE MATOS


 


Faz-se a seguir uma resenha histórica sobre os Tratamentos que se faziam aos doentes no H.J. M. desde a sua inauguração em 1942 até 1965 quando deixamos de acompanhar de perto a evolução entretanto havida. No entanto, referiremos a evolução do uso ou não dessas terapêuticas, desde que se tenha alguma informação a esse respeito. 


Como uma especialidade médica que ao longo do tempo se foi tornando diferente da medicina geral, também os tratamentos a que recorriam os psiquiatras tiveram  naturalmente a sua diferenciação.


Citam-se a seguir esses tratamentos.

Acção dos curadores:

Esta instituição, através de médicos e enfermeiros com formação, e todo o outro pessoal mesmo sem formação inicial, adquiriu uma “cultura da casa” de tal modo que todos, cada um no seu posto de trabalho, respeitam, prestam ajuda e orientação no sentido, seu objectivo, da cura do doente mental ao seu cuidado.

Convulsivoterapia:

Consistia em produzir no doente convulsões de toda a musculatura estriada. Usava-se ou um produto em injecção rápida numa veia do braço para chegar rapidamente ao coração em elevada concentração e induzir no cérebro um ataque semelhante às crises epilépticas; ou fazer atravessar o cérebro por uma fraca corrente eléctrica de pequena tensão entre dois eléctrodos aplicados cada um no seu temporal. Esteve algum tempo em desuso, mas hoje continua a usar-se com anestesia, não por que seja doloroso, mas para proteger as articulações e evitar distensões musculares no doente, através da minimização das convulsões.

Ergoterapia:

É a cura pela acção do trabalho, sobretudo manual. De facto constata-se que o doente psicótico começa por perder a capacidade de acção manual ou então exerce-a atabalhoadamente, ainda que possa realizar obras literárias e outras criações intelectuais muito meritórias. Assim, quando o doente começava a sentir algumas melhoras e manifestava interesse em estar ocupado, o médico propunha-lhe algum tipo de tarefa. Muitas vezes começava por dobrar papel, ou fazer cartuchos de mercearia, ou até fazer encadernações. Outros iam para as oficinas de serralharia, carpintaria, jardinagem ou até colaboravam com o pessoal da limpeza, da cozinha e da copa. Havia outros tipos de ocupação, inclusivamente nas várias secretarias do Hospital. Consta que a seguir ao 25 de Abril surgiu uma corrente que entendia que o Hospital devia remunerar os doentes por este “trabalho” e não se limitar a uma Festa que realizava com distribuição de brindes aos doentes. O Hospital não tinha verba que cobrisse tal despesa e por isso este tratamento caiu em desuso. 

Cura pela Arte:

Como forma de ergoterapia começaram a destacar-se o desenho e a pintura para a qual alguns doentes manifestavam aptidão e interesse. Muitas vezes era durante as sessões de ergoterapia que o doente revelava esse interesse e o enfermeiro lhe disponibilizava os meios para tal prática. Periodicamente o H.J.M. fazia exposições dos seus trabalhos que mereceram elogios de apreciadores.

Sabemos que surgiram mais tarde na ajuda aos padecimentos destes doentes, outras formas artísticas, como o teatro (os psicodramas) e a dança.

Desintoxicação:

Consiste na aplicação de soros e vitaminas para eliminar e “restaurar” os danos produzidos no organismo por tóxicos: álcool, drogas, ou por exposição a doenças profissionais tintas, vernizes, mercúrio.

Insulinoterapia:

A insulina é uma hormona responsável pela metabolização da glicose no organismo. Uma injecção de insulina para além da que o corpo fabrica e mobiliza leva a um consumo exagerado das reservas até quase ao esgotamento daquele açúcar no sangue podendo levar ao coma. É fácil fazer o doente sair do coma injectando-lhe glicose numa veia ou dando-lhe açúcar por meio de sonda directa para o estômago, após o que o doente faz a refeição da manhã com grande apetite. Engorda. E é exactamente esse um dos efeitos que se quer tirar deste tratamento. Pensava-se tornar em “Sancho Pança”, gordo, bem adaptado à vida e bem-disposto um “D. Quixote”, magro, sonhador, irrealista, no caso um doente. E a verdade é que se obtinham boas remissões.

Hoje é mais usada a Insulinoterapia sedativa, injectando uma pequena dose de insulina e interrompendo o tratamento ainda na fase de leve sonolência, não deixando o doente chegar ao coma. O doente apenas transpira um pouco, dorme e depois alimenta-se.

Hidroterapia ou balneoterapia:

Consistia no aproveitamento calmante do banho de água morna para o doente acalmar e dormir melhor. Caiu em desuso, devido aos fármacos que apareceram. Na construção do Hospital Júlio de Matos já nem foram previstas instalações para estes banhos. No Hospital Miguel Bombarda havia um balneário com banheiras para este efeito.

Malarização:

Consistia em deixar picar o braço do doente com um mosquito infestado de malária para produzir febre no doente. O doente portador de sífilis no cérebro (paralisia geral) devido a um parasita de nome treponema pallidum muito sensível a temperaturas de 40º Célsius tinha boas remissões, com algum defeito psíquico após este tratamento. A dificuldade às vezes estava em tratar por fim a malária. Porém, este tratamento, que mereceu ao austríaco Julius Wagner Jauregg o Prémio Nobel da Fisiologia e Medicina em 1927, não sobreviveu ao aparecimento da penicilina.

A penicilina erradicou completamente esta doença sexualmente transmissível, seja qual for o estágio em que for tratada. Antes disso foram aplicados vários fármacos na linha da elevação da temperatura do corpo com resultados; e também um aparelho que parecia uma urna na qual o doente entrava, só deixando a cabeça de fora. Este nunca resultou pois o regulador térmico interno, através da libertação do calor com o suor não deixava que o sangue alterasse a sua temperatura. Na mesma linha da penicilina (mas muito antes desta) foram tentados vários fármacos um dos quais o 914 que teve muito bons resultados. 914 foram as tentativas dos laboratórios científicos até obter um medicamento eficaz à base de um composto mercurial com fortes efeitos secundários. 

Medicamentos Psicofarmacos:

São os vários medicamentos que desde os anos 50 do século passado começaram a ser usados pelos psiquiatras e que tiveram com os ansioliticos um enorme êxito nestes tratamentos. São eles os grandes responsáveis pela diminuição de internamentos a ponto de estarem a fechar os hospitais psiquiátricos. Com estes medicamentos o doente passou maioritariamente a ser tratado em casa.

Neurocirurgia:

Para esta especialidade tinha o H.J.M. um pavilhão especial. Lá eram realizadas cirurgias a várias patologias na cabeça: quistos, tumores, hemorragias e suas sequelas e também Leucotomia pré-frontal, a operação que mereceu o Prémio Nobel ao Professor Egas Moniz, e a lobotomia.

Psicoterapia individual ou em grupo:

Consistia em conversas em privado médico – doente a individual, enquanto em grupo já eram vários doentes que contavam as suas experiências e os seus padecimentos enquanto o médico era como que um moderador.

Tratamento do sono:

Consiste em induzir o sono no doente por meio de medicamentos, pelo menos no início do tratamento e depois reduzindo a dose, permanecendo o doente na cama, só se levantando para fazer as suas necessidades e alimentar-se. Consoante a prescrição do médico este tratamento durava um mês, mês e meio a três meses. É um tratamento muito caro por exigir em permanência a presença de um enfermeiro em dedicação exclusiva para um ou dois doentes para seguir atentamente e reportar para o médico os parâmetros vitais do doente como a tensão arterial, a temperatura e a respiração.

Tratamentos de outras patologias:

Como todas as pessoas o doente mental está sujeito a outras doenças para o que havia médico de clínica geral, dentista e até pavilhão feminino e outro masculino para tratamento de tuberculose com médico tisiologista e o equipamento necessário.

 

  Gaspar Santos*

 * Engenheiro reformado da EDP.  Enfermeiro no HJM entre 1956 e 1965.

 

 

 

 

 

 

 

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Gaspar Santos e José Teixeira

 





 

 
 
 
 
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