O
Benemérito e o Empreendor
Conta-se
que após o assassinato de psiquiatra Miguel Bombarda, a 3/10/1910, foi chamado a
Lisboa Júlio de Matos. Este encontrou no Hospital de Rilhafoles (actual
Hospital Miguel Bombarda), o empresário António Higino Salgado de Araújo que
aí tinha sido forçadamente internado pelos seus sócios.
Esta
insólita estadia de Salgado
de Araújo acabou por o sensibilizar para as degradantes condições em que viviam os
doentes mentais, levando-o a deixar em testamento ao Estado terrenos para a construção
de um novo hospital psiquiátrico.
Se
terrenos havia, o que não abundava era dinheiro para realizar a obra. Foi com
as escassas verbas do antigo fundo para o tratamento e assistência de
alienados, criado em 1875, que se iniciaram os primeiros estudos e em 1913 as
obras do então chamado "Novo Manicómio de Lisboa ou do Campo Grande".
A
construção do hospital ficou em grande parte, a dever-se ao entusiasmo
e influência do psiquiatra Júlio de Matos ( 26/01/1856 -12/4/1922), que
acabou justamente por dar o nome ao hospital (1941). Quando morreu os poucos edifícios
já construídos estavam ainda ao tosco. A crónica falta de verbas do país
arrastou as obras a longo de três décadas.
Uma
das cláusulas do testamento de Salgado obrigava que o Estado construísse o hospital antes de
1940. E o Estado assim fez.
Á pressa como sempre, em 1939, fez o muro e
concluiu-se o Pavilhão que ficou conhecido como Clínica de Homens e que ostenta uma lápide, em pedra,
com o nome Pavilhão Salgado de Araújo.
O HJM só foi oficialmente inaugurado
a 2 de Abril de 1942.
Garantido
o cumprimento do testamento para que aquela quinta não revertesse para os
herdeiros foi sucessivamente construído o hospital, ao mesmo tempo que aquele
primeiro Pavilhão foi posto a funcionar.
Arquitectos,
Paisagista e Engenheiros
Participaram
no HJM vários arquitectos. Leonel Gaia (4/12/1871-1941) concebeu o projecto
inicial. A partir de 1933, o arquitecto Carlos Chambers Ramos (1897-1969)
assumiu a execução das obras, tendo introduzido importantes modificações.
No arranjo paisagista tiveram a colaboração dos professores Caldeira Cabral e
Azevedo Gomes.
Nos equipamentos finais participaram o arquitecto Raul Lino e os engenheiros
Jácome Castro e Raul Maças Fernandes.
Instalações
Hospitalares
Garantido
aquele enorme espaço de 22 hectares, o Estado edificou nele sucessivamente
segundo um plano de ocupação os vários serviços e pavilhões (33), em geral com
dois pisos e uma cave. Um lindo enquadramento paisagístico de arvoredo
frondoso, jardins e relvados em torno dos edifícios.
Contudo
esta dispersão dos pavilhões e a sua arquitectura não foram isentas de críticas:
a dispersão levaria ao aumento da necessidade de recursos humanos para o
relacionamento entre serviços e no auxílio em caso de emergências por doente
agressivo de noite num pavilhão, sendo assim necessários mais enfermeiros; ao
encarecimento de infra-estruturas de gás, água, electricidade e consumos em
iluminação do parque, O pé direito de cada sala seria muito elevado o que
estaria já ultrapassado mesmo para hospitais psiquiátricos e teria encarecido
a construção.
Quem
olhava para dentro daquele parque a partir da porta na Av. do Brasil tinha à
sua direita os Pavilhões de tratamento de homens e à sua esquerda
simetricamente os edifícios para mulheres.
Centralmente
estavam de sul para norte o edifício da direcção, secretaria e serviços
administrativos bem como o Instituto de Assistência Psiquiátrica e o
respectivo Dispensário de Higiene Mental, e na cave a Cantina onde o pessoal se
podia abastecer a preços módicos, seguido de edifícios singulares como o Bar
do Pessoal, Unidades de meios auxiliares de diagnóstico (Rx, EEG), tratamento
de dentes, consulta de clínico geral, etc; residência do Enfermeiro Geral e do
jardineiro; residência dos médicos; cozinha e refeitório; Arquivo; Farmácia;
Laboratório de análises clínicas; e finalmente os serviços industriais e
lavandarias.
Junto
à Av. do Brasil a partir do lado nascente, vivenda residência do Director Clínico
e do Administrador, Pavilhão de Pensionistas Homens, e simetricamente Pavilhão
de Pensionistas Mulheres, Vivenda residência do Director e de outro médico.
Mais tarde foi edificado o Pavilhão de tratamento de Alcoólicos Professor António
Flores.
Havia
ainda serviços de tratamento de crianças o grande “laboratório” de iniciação
do Dr. João dos Santos (1913-1987). Este ilustre psiquiatra, logo após
se ter formado em medicina, ingressou no HJM em 1945, mas acabou por ser
demitido um ano depois pelo regime salazarista. Foi readmitido em 1955, passando
a dirigir a secção infantil.
No
lado nascente do hospital havia o Pavilhão de Neurocirurgia onde o Professor
Almeida Lima (1903 -1985) e seus colaboradores muito operaram na continuação do prémio
Nobel Prof. Egas Moniz e onde por vezes fez algumas lobotomias pré
frontais. De
referir as residências de enfermeiros e simetricamente de enfermeiras
respectivamente a norte das residências referidas. Havia ainda campos de ténis
e de futebol de cinco para uso do pessoal e doentes.
Primeiro
director
O
primeiro director foi o Professor de Neurologia António
Flores (1883-1957).
Dado
que tinha estagiado na Suíça, considerava que só os enfermeiros daquela
nacionalidade teriam competência para iniciar e fazer escola naquela unidade
hospitalar. Assim foi. Vieram cerca de 10 enfermeiros entre homens e mulheres,
dois ou três com qualidade, mas os outros a fazer só asneiras e com uma formação
muito deficiente.
Curiosamente nos anos 60 a migração de enfermeiros foi em
sentido contrário para Bélgica, França, Suíça, colónias Africanas e Navio
Hospital da pesca do bacalhau.
Encontros
Internacionais
O
HJM rapidamente passou a ser uma referência a nível plano internacional no
estudo das doenças psiquiátricas. Em 1947 foi aqui realizada a I Reunião
Europeia de Neurocirurgia e, no ano seguinte, o I Congresso Internacional de
Psicocirurgia.
Corpo Clínico e Escola de Eleição
Durante
os primeiros anos a Clínica Psiquiátrica (dos doentes mais recentes) servia de
suporte nesta especialidade à Faculdade de Medicina de Lisboa, com aulas de prática
clínica aos seus alunos com o Prof. Fragoso Mendes (1922- 1981) e Prof. Barahona
Fernandes (1907-1992), que tendo a Cátedra de Psiquiatria na FML foi também o 2º Director do HJM
(1953-1958). O HJM teve um corpo clínico de grande
saber e dedicação. Desde o Prof. Barahona Fernandes, e Prof. Pedro Polónio, médicos
como Jacinto Azevedo Mota, António Esteves, Fragoso Mendes, Seabra Diniz e João
dos Santos (dois dos primeiros psicanalistas), Pistachini Galvão, Sousa Gomes,
Pompeu e Silva, Almada Araújo, Rosa Falcão, Coimbra de Matos, Luz e Silva,
Carlos Manuel Martins Alcântara (director de serviços), Santiago Quintas (na Guerra colonial para onde foi mobilizado os tropas não
diziam vou ao psiquiatra, diziam vou ao Quintas!).
Mas havia excepções como
aquele, que não refiro o nome, a quem o porteiro na Av do Brasil levava o livro de
ponto para assinar sem sair do automóvel.
Houve
também um outro médico por cujo saber temos o maior respeito, mas que conta uma
história com alguma imprecisão e bazófia. Recentemente em entrevista publicada
em revista de jornal refere ter sido ele quem promoveu o conceito de “Portas
abertas” no Hospital Júlio de Matos. E que isso teria gerado um movimento de
contestação por parte dos enfermeiros, culminando com um “abaixo-assinado” de
que só um não teria assinado.
Um cunhado meu leu a revista e entregou-ma com este comentário: tu também
assinaste, ao que eu respondi: o médico deve estar enganado pois devem ter sido
dois a não assinar, esse que ele refere e eu que estava lá nessa data e nem ouvi
falar nisso.
Nesses tempos do governo de Salazar não era muito vulgar fazer abaixo assinados,
pois as pessoas tinham medo. E a medida de levar os doentes para fora do
ambiente de fumo numa sala anexa a uma enfermaria para cerca de 15 doentes e
onde permaneciam mais de 25 quase todos os dias, até foi muito bem aceite por
todos os enfermeiros. Nem esse médico, em princípio de carreira, teria quem lhe
ouvisse essa proposta tão inovadora.
O
que constou nesse tempo foi que outros médicos mais credenciados e mais antigos
teriam visto em prática no estrangeiro, com sucesso, esse conceito de “Portas
abertas” e que o propuseram à Direcção do Hospital que o aceitou.
Também nas análises clínicas havia
um notável médico que inclusivamente aperfeiçoou um método expedito de
diagnosticar a sífilis quaternária - o Dr. Betencourt Igrejas.
Atraídos pelo saber destes médicos,
estagiavam outros vindos de outras faculdades, até de Espanha como foi o caso
do Dr. Arango. É a este médico que os médicos residentes ou quando de
serviço de turno ocupavam a residência devem agradecer a instalação ali de
aquecimento e banho de água quente.
Este estagiário que ás vezes tomava
o café da manhã em pijama na Nova Lisboa tem uma curiosa estória naquelas
reivindicações. O seu Pai, ao contrário dele era um Franquista confesso, uma
espécie de Director Geral da Energia, muito rico e possuidor de grande Quinta.
Um dia ele disse: vou arranjar-vos aquecimento e água quente. Pediu a uma sua
irmã que escrevesse à filha do Administrador do Hospital
oferecendo-lhe umas férias na sua quinta. Depois de esta ter recebido o
convite ele foi colocar-se no pavilhão central simulando muito frio à passagem
como era habitual do administrador. Este perguntou-lhe: Doutor parece estar com
frio. Se estou – respondeu – sem aquecimento na residência nem água quente
para um banho regenerador como acha que devo estar. Resposta do administrador:
vamos já tratar disso. E na verdade três ou quatro dias depois lá estavam os
canalizadores na residência dos médicos. E era o Dr. Arango quem dizia,
orientando os trabalhadores: ponha um duche aqui, outro ali etc,
Promoção
de Funcionários
Nos
anos 50 e 60 do século passado, incremento importante de estudantes
trabalhadores dentre os enfermeiros donde saíram várias licenciaturas: Adelino
Carvalho e Joaquim Caratão em direito, Braúlio de Sousa em medicina e Gaspar
Santos em engenharia, e a organização nas instalações do hospital de aulas
do ciclo preparatório e do 2º ciclo liceal para outros colegas.
Instituto de
Assistência Psiquiátrica
A partir dos anos 50, assistiu-se ao
progressivo abandono do tratamento das doenças mentais centradas em grandes
hospitais psiquiátricos, passando a defender-se a criação de uma rede de
estruturas assistenciais de base comunitária. Os progressos nos psicofarmacos
abriram também a possibilidade do tratamento de grande parte dos doentes sem
necessidade de permanência nos hospitais. Havia também a necessidade de
combater a segregação e marginalização social dos doentes, promovendo a sua
inserção na comunidade.
É
neste contexto que em 1958, foi criado
o Instituto de Assistência
Psiquiátrica -IAP (D.L. nº. 41759, de 25/7/1958), com uma vasta
missão de coordenação, fiscalização, profiláctica, terapêutica e
pedagógica no domínio das doenças mentais. Um novo reforço da intervenção
do Estado ocorreu em 1963, quando foi aprovada a Lei da Saúde Mental.
O IAP, cujo primeiro director foi o Dr.
Fernando Ilharco (1958-1971), funcionou muitos anos no Pavilhão
Central do HJM onde manteve uma Escola de Enfermagem.
O IAP criou por
todo o País uma rede de Dispensários de Higiene e Profilaxia Mental e
Centros de Higiene Mental Infantil e Juvenil.
A sua acção junto da comunidade,
detectando atempadamente e acompanhando as perturbações nas pessoas e o seu
tratamento ambulatório, além de uma maior eficácia dos novos fármacos teve
como resultado mais remissões de doentes, quase vindo a dispensar os
internamentos e o HJM deixou quase de ser necessário, isto é, passou de uma
ocupação de 110 % da sua capacidade de internamento para 10 ou 20 %.
Este sucesso clínico levou o Estado a
ponderar a venda para outro negócio o parque que constitui o HJM quando era
Ministra da Saúde Leonor Beleza (1985-1990).
As
vastas instalações do HJM tem sido ao longo dos anos ocupadas por
outras entidades públicas: Foi neste processo que foi criado o Parque de Saúde
de Lisboa, onde foi integrado o próprio HJM. Mais
SOBRE TRATAMENTOS NO HOSPITAL JÚLIO
DE MATOS
Faz-se a seguir uma resenha histórica sobre os Tratamentos que se faziam
aos doentes no H.J. M. desde a sua inauguração em 1942 até 1965 quando
deixamos de acompanhar de perto a evolução entretanto havida. No
entanto, referiremos a evolução do uso ou não dessas terapêuticas, desde
que se tenha alguma informação a esse respeito.
Como uma especialidade médica que ao longo do tempo se foi tornando
diferente da medicina geral, também os tratamentos a que recorriam os
psiquiatras tiveram naturalmente a sua diferenciação.
Mais |
CENTRO DR.
ANTÓNIO FLORES
(Centro
de Alcoologia de Lisboa António Flores)
Gaspar
Santos e José Teixeira |
"Portas
Abertas"
No
início dos anos 60 (quando os meios terapêuticos ainda não eram tão
eficazes) os doentes agudos eram muitos. Alguns dormiam em camas no chão e
passavam o dia dentro de salas. Alguns médicos que fizeram estágios no
estrangeiro propuseram o conceito de “ portas abertas” e a Direcção Clínica
aceitou e deu instruções para tal que foi uma boa medida.
Grupo
de Teatro Terapêutico do HJM
Tudo começou em
1968. Doentes do Centro Cultural Dr. Sousa Gomes, Clube de Doentes do H. J.
M., com o apoio de Médicos, convidaram amigos, ligs à área do Teatro,
propondo-lhes um projecto com doentes que permitisse levar à cena uma peça de
Teatro. A primeira peça chamava-se "ÓLEO", de Eugene O’Neill, fazem-se duas apresentações, em
Dezembro de 1968 e Janeiro de 1969. A partir daqui, o Grupo de Teatro
Terapêutico nunca mais parou, apesar da escassez dos apoios. Em 2002, levou
à cena "SONHOS SEM FREUD", estreada no Grande Auditório de
Culturgest.
"Noturnos"
Peça de teatro do Grupo
de Teatro Terapêutico do
Hospital Júlio de Matos, atual Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa,
apresentada no Jardim do Parque de Saúde de Lisboa (antigo
Hospital Júlio de Matos), nos
dias 21 e 22 de Junho de 2013.
http://sites.google.com/site/grupoteatroterapeutico
Exposições e Conferências Culturais
O Hospital Júlio de
Matos Com uma programação regular de exposições sobre arte, em geral
acompanhadas de importantes ciclos de conferências sobre as mais variadas
temáticas.
Centro
Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa
Em
Novembro de 2007, no meio de uma enorme polémica foi criado o Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Lisboa, integrando o Hospital Júlio de Matos e o Hospital
Miguel Bombarda (encerrado).
Continua
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