"Isto não pode estar a acontecer"

Os moradores solicitarem com carácter de urgência uma reunião com a Junta de Freguesia

A zona envolvente do Bairro Social das Murtas está em polvorosa. Moradores da Avenida do Brasil, Rua José Lins do Rego e do Bairro das Caixas afirmam que vivem num clima de completa insegurança: bandos de crianças e jovens agridem e roubam pessoas e estabelecimentos comerciais. Á noite estes jovens deambulam em algazarras, cantorias e jogatanas perturbando o sossego de quem tem de trabalhar. Emporcalham e vandalizam tudo por onde passam. O tráfico de droga é feito de dia e de noite na maior das impunidades. As novas remessas de droga são agora anunciadas com tiros, que estilhaçam as janelas de quem aqui vive. Dois moradores assinalaram mesmo uma viatura estacionada na Rua José Lins do Rego que funcionará como local de encontro para estes negócios. Ficamos a saber que existe um amplo registo fotográfico destas acções. Perante este ambiente tem-se assistido na zona à debandada do comércio e serviços, o que afectou negativamente o dia-a-dia dos moradores. As queixas reportadas à 18ª. Esquadra do Campo Grande, segundo os moradores, caiem em saco roto. Uma moradora afirmou que um policia lhe confidenciou que "o governo não lhes dá força para atuarem". Estas foram apenas algumas das muitas queixas apresentadas por um grupo de moradores da zona, numa reunião com Junta de Freguesia que ocorreu no dia 31/05/2022, no Centro Civico Edmundo Pedro.

Os moradores da Rua José Lins do Rego e de artérias do Bairro das Caixas reclamam pelo direito a poderem descansar em paz.

Os moradores da zona sente-se disciminados negativamente nos seus direitos: Direito à liberdade de poder circular sem ser molestados, direito à segurança nas suas casas, direito à protecção dos seus bens pessoais, direito a poder repousar sem ser incomodados, direito a usufruirem dos espaços e equipamentos públicos em condições de higiene, etc. Comoi fizerem questão de afirmarem na reunião, recusam que reivindicarem por estes direitos possa ser confundido com uma sentimento racista.

Apelidados de "ricos" os moradores destes imóveis tem visto as portas de entrada destruídas e repletas de lixo. Afirmam que o tiroteio que alegamente se verifica no Bairro Social das Murtas já atingiu janelas de vários andares.

O presidente na Junta fez-se representar nesta reunião pela vogal Ana Paula Coelho (PSD), com o pelouro dos "direitos sociais" que veio acompanhada de três funcionárias e assessoras. Supostamente muito entendidas na problemática em discussão. Uma hora depois do início da reunião apareceu às 12h30, o vogal Helder dos Santos (CDS) que tem a seu cargo o pelouro da "segurança". O que pretendem os moradores? As condições de segurança que qualquer pessoa espera encontrar numa cidade europeia. Perante os relatos dos moradores a vogal da Junta referiu a sua experiência pessoal: No prédio onde viveu em Lisboa confrontou-se durante anos com uma situação em tudo idêntica. "Não é fácil mudar a cultura e os hábitos dos ciganos". Prometeu pressionar a GEBALIS, a 18ª. Esquadra, instalar no local a Igreja Evangelica Filadelfia cigana de Portugal, e apontou uma solução imediata: uma reunião entre os moradores da zona e os do Bairro Social das Murtas. Deste confronto entre os moradores e os ciganos despertaria nestes, espontaneamente, novos hábitos de urbanidade. Apelou a que os moradores se mantivessem unidos nesta luta pelo direito à tranquilidade. O vogal, com o pelouro da segurança, "forçado" a dizer qualquer coisa, falou de uma acção pedagógica que está em curso ou que tem em mente. Quando o relógio bateu as 13 horas, terminou a reunião. Era hora de todos irem almoçar. Já na rua, um dos moradores presentes dizia para o seu vizinho: "Isto não pode estar a acontecer em Lisboa. É inadmissível".

A saída do comércio e serviços da zona tem sido aproveitada por igrejas evangélicas para aumentarem o número de templos na freguesia.

Um dos raros estabelecimentos cuja continuidade na zona não deixa de espantar quem por aqui passa.

Reacções


Após termos publicado a noticia anterior, pelas duas horas da madrugada do dia 1 de Junho de 2022, a vogal com o pelouro dos Direitos Sociais da Junta de Freguesia de Alvalade, na sua conta Facebook publicava o seguinte post:


O texto levanta várias questões que merecem alguma reflexão: a primeira é a que destinatários se dirige . Quem são os parvos que escrevem parvoíces? A autora embora não se inclua nessa categoria, confessa todavia que tem deslizes momentâneos de parvoices. A questão em termos aristotélicos é saber se quando escreveu este post em que estado se encontrava, antes, durante ou após a parvoice. O texto nada nos elucida.

A segunda parte do texto é mais complexa. Parte do conceito genérico de povo, supõe-se que seja o "povo português" ou quem sabe o "povo da freguesia de Alvalade". Esta generalização abusiva como ensinou Jean Paul Sartre é vazia, logo não é possivel identificar o(s) destinatários. Se recuarmos no tempo, aos ensinamentos da antiga escola da "psicologia dos povos" de Josephe A. Gobineau, Houston S. Chamberlain, W. Wundt, Gustav le Bom entre outros, o conceito ganha alguma pertinência. Esta corrente trouxe novas bases para as teorias racistas e nacionalista do final do século XIX e princípios do século XX, estabeleceu uma hierarquia de povos e definiu para cada uma deles um conjunto de características culturais e comportamentais supostamente imutáveis. Foi incorporada como é sabido nas ideologias dos regimes totalitários. Os portugueses na hierarquia de povos então muito divulgada, por serem considerados um povo impuro, produto de uma enorme miscelânea genética, eram pouco afortunados em termos de inteligência. Uma ideia que muitos dos nossos intelectuais, que não se sentiam parte do "povo português", acabaram por assumir e reproduzir: Guerra Junqueiro considerava o povo português o "cadáver de um louco sem alma", "imbecilizado", "resignado", "macambuzio". Sampaio Bruno classifica-o de cruel, feroz, fanatizado. Basilio Teles afirma que é mediocre, fraco, imprevidente, privado de faculdades superiores. Adolfo Coelho diz que lhe falta quase tudo, nomeadamente iniciativa, individualidade e educação. A listagem é longa para descrever este "povo de suicídas", nas palavras do filósofo espanhol Miguel Unamuno

O texto da vogal da Junta de Alvalade, com o pelouro dos Direitos Sociais, não sendo uma novidade absoluta, introduz alguma novidade nas caracteristicas do "povo português":

- É "uma cambada de pelitras" (pobres, miseráveis, subsídiodependentes ).

- Não possuem as mínimas condições de existência, isto é, "não tem onde cair mortos". Uma referência implicita à rainha dona Leonor que em 1498 fundou as misericórdias para atender a este grave problema: enterrar os mortos e cuidar dos que estão com os pés para a cova.

Perante disto, a vogal encontra uma contradição insanável: Apesar desta desgraça ancestral do "povo português", em vez de aceitar a esmola que lhe é dada, assumindo a fatalidade da sua triste existência. Este povo não está "feliz com nada".

É aqui que a vogal do excutivo de Alvalade verdadeiramente inova ao introduzir o conceito de felicidade. Como é sabido é um conceito central na politica de Aristóteles. Este deveria ser o ojectivo de qualquer sociedade democrática bem organizada (vide A Política). O problema para Aristóteles era o que fazer com os infelizes, os escravos, os que trabalham. A receita é conhecida: Aristóteles sugere a criação de escolas próprias para os escravos , ensinando-os a aceitarem a sua condição de escravos. Ao conformarem-se com aquilo que a vida lhes deu encontrariam deste modo a felicidade. A vogal de Alvalade não chega a tanto. Ficamos sem saber se é porque não quer ir por este caminho, ou porque está a ficar "velha".