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Poetas no Bairro de Alvalade

Pequena Antologia

Antologia poética para desfrutrar ao longo de um percurso pelo Bairro de Alvalade. Esteja atento temos sempre novidades. O nosso baú é enorme.

 

1.Afonso Lopes Vieira (1878-1946)

Cantares dos Búzios

Nunca como em Veneza
Adoro a nossa pobreza
Portuguesa;
As nossas casas caiadas,
As nossas praias salgadas,
Os burricos berberes,
E na Batalha de pedras douradas
A saia pela cabeça das mulheres.

Ó Veneza oriental,
Marítimo tesouro
De púrpura, de mármores e de ouro:
- Em Portugal
Rico só o céu que lá nos cobre.

Portugal teve o Mundo - e ficou pobre.

 

Romance

Por noite velha, truz, truz,

Bateram à minha porta.

De onde vens, ó minha alma?

- Venho morta, quase morta.
Já eu a mal conhecia,
De tão mudada que vinha;
Trazia todas quebradas
Suas asas de andorinha.
Mandei-lhe fazer a ceia
Do melhor manjar que havia.
- Donde vens, ó minha amada,
Que já mal te conhecia?
Mas a minha alma, calada,
Olhava e não respondia;
E nos seus formosos olhos
Quantas tristezas havia!
Mandei-lhe fazer a cama
Da melhor roupa que tinha:
«Por cima damasco roxo, "

Por baixo cambraia fina».
- Dorme, dorme, ó minha alma,

Dorme e, para te embalar,

A boca me está cantando,
Com vontade de chorar.

 

2.João Lúcio (1880-1918)

Tarde de Leite e Rosas

Tarde de leite e rosas. Cada aresta
Tinha um rubi tremente:
Fomos ouvir o canto da floresta,
O seu canto de amor, ao sol-poente.

Tu querias sorver os poderosos
Lamentos de saudade e comoção
Que as raízes, dos fundos tenebrosos,
Mandavam, pelo ramo, para o chio.

Opalescera já, o ar. O vento,
Correndo atrás da sombra, murmurou...
Sentiu-se um fechar de asas. Num momento
A floresta cantou.

Em cada ramo um violino havia;
Cada folha vibrava ágil, sonora,
Par'cendo que escondia uma harmonia
Nas sombras das ramagens, a Aurora.

Como a floresta, meu amor, eu tento
Atirar o meu canto para a altura:
Para a fazer cantar, toca-lhe o vento,
Pra me fazer cantar, no pensamento,
Passa o sopro da tua formosura.

 

3. Fernando Pessoa (1888 -1935)

Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-star que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.

Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.

Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.

......

Álvaro de Campos

 

4.Florbela Espanca (1894-1930)

Ambiciosa


Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O voo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minha alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!
O amor dum homem? - Terra' tão pisada,

Gota de chuva ao vento baloiçada...

Um homem? - Quando eu sonho o amor dum Deus.

 

5. António Patrício (1878-1930)

Regresso

As janelas da casa em que eu nasci

já não sabem quem sou, não me conhecem.

 Há cem outonos de alma que parti:
os longes da paisagem reverdecem.

A um canto, como outrora, o meu espectro,
o meu espectro de criança ainda,
cisma em remos de fadas, tem o ceptro
contra a blusa de linho que o alinda.


Outros espectros vêm meigamente...

Mas só este agora me hipnotiza,

fechado em sua cisma, inconsciente.

E eu, que tinha vontade de beijá-lo,

quedo, gelado: temo até que a brisa

ou que um murmúrio de erva vá acordá-lo.

 

6.Marquesa de Alorna-Leonor de Almeida (17501839)

Cantiga

Sozinha no bosque
Com meus pensamentos.
Calei as saudades.
Fiz trégua a tormentos.

Olhei para a Lua.
Que as sombras rasgava.
Nas trémulas águas
Seus raios soltava.

Naquela torrente
Que vai despedida
Encontro assustada
A imagem da vida.

Do peito, em que as dores
Já iam cessar.
Revoa a tristeza.
E torno a penar.

Marquesa de Alorna, Poesias

 

7.José Duro (1873-1899)

 

8.Alberto Osório de Castro (1868-1946)

 

 

9. Luis Augusto Palmeirim (1825-1893)

 

 

10. Rosália de Castro

 

 

11.Violante do Céu (1601-1693)

 

 

12.Guilherme de Azevedo (1840-1882)

 

 

13.Eugénio de Castro(1869-1944)

Tive um parque cheio de lagos

.......................................................

Tive um parque cheio de lagos
E de cegonhas brancas, como litúrgicas pratas.
Povoado de aromas vagos,
De murmurâncias de cascatas.
E de figuras de basalto;
Onde, em tanque de ágata, um hidro
De ónix vomitava alto
Uma girândola de vidro;
E onde, soberbos como Núncios.
Com suas caudas de ouro ardente.
Iam pavões, sob quincúncios

De rododendros, lentamente, lentamente, lentamente.

Agora o parque é triste,

cascata calada, os lagos secos:

pelas ruas, por vezes, penas

soltas dos pavões, que se foram 

para outros parques.
...................................................................

 

Eugénio de Castro, Horas

 

 

14.Fausto Guedes Teixeira(1871-1940)

 

 

15.Camilo Pessanha (1867-1926)

Porque o melhor, enfim

Porque o melhor, enfim

E não ouvir nem ver...

Passarem sobre mim

E nada me doer!

 

- Sorrindo, interiormente, 

Coas pálpebras cerradas, 

Às águas da torrente

Já tão longe passadas. -

 

Rixas, tumultos, lutas.

Não me fazerem dano...

Alheio às vãs labutas.

Às estações do ano.

 

Passar o Estio, o Outono.

A poda, a cava e a redra,

E eu dormindo um sono

Debaixo duma pedra.

 

Melhor até se o acaso

O leito me reserva

No prado extenso e raso

Apenas sob a erva

 

Que Abril copioso ensope...

E. esbelto, a intervalos

Fustigue-me o galope

De bandos de cavalos.

Ou no serrano mato.
A brigas tão propício.
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício

Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas.
Com choques de armaduras
E tinidas de espadas...

Ou sob o piso, até.
Infame e vil da rua.
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,

Se estorce, vocifera.
Selvagem nos conflitos.
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos...

Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranquilas.
Em brutos pugilatos
Fracturam-se as maxilas...

E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.

Camilo Pessanha, Clépsidra