"O que fazer com o estacionamento na minha freguesia? "

A publicação online - A Mensagem - no dia 18 de Junho de 2022 organizou na Biblioteca dos Coruchéus um debate sobre a questão da estacionamento na freguesia de Alvalade. O debate foi moderado por Catarina Carvalho, directora da publicação, tendo como convidados Elsa Gentil Homem (presidente da ACAL), Mário Alves (especialista em mobilidade) e Liliana Madureira (coordenadora de Brincapé - projecto de mobilidade infantil). Na sala para além de um numeroso grupo de moradores estavam presentes membros da actual e antiga Junta de Freguesia.

José Ferreira (PS), munido de computador, precisou que no mandato de 2013/2017 foram criados 754 lugares de estacionamento para automóveis. No de 2017/2021 foram 488 para automóveis, 230 lugares para motociclos e 91 bolsas para bicicletas. No total entre 2013 e 2021 foram criados 1.242 lugares de estacionamento, ou seja 9% dos lugares na via pública.

O Paradoxo do Estacionamento. O debate, como era esperado, começou desde logo centrado no modo como se poderia aumentar a oferta de lugares de estacionamento no Bairro de Alvalade, e muito em particular em torno da Avenida da Igreja. José Ferreira, detalhou em pormenor a obra realizada pelo anterior executivo, e o que em termos de estacionamento deixaram projectado. Membros da actual Junta de Freguesia (PSD/CDS), como é sabido, assumiram o compromisso da construção de um grande silo de automóveis junto à Avenida da Igreja. Os dois elementos do actual excutivo presentes no debate, nas curtas palavras que proferiram, limitarem-se a reafirmar este compromisso. A representante dos comerciantes reclamou por mais estacionamento. Um morador tomou a palavra para exigir um lugar para estacionar à porta de casa. Apresentada a obra realizada e o que se pensa fazer. Expostas as carências e a reclamações, os intervenientes terminaram a constatar um paradoxo: o aumento da oferta de lugares de estacionamento acaba por agravar a falta de lugares. A nova oferta estimula o aumento do número de automóveis em circulação, os engarrafamentos. Em pouco tempo os lugares disponibilizados revelam-se insuficientes.

Muitas Variáveis. Face a este cenário, entrou-se numa análise mais ponderada. Ficou-se a saber que foram emitidos 32.066 disticos que poderão estacionar em 12.808 lugares de estacionamento na freguesia, ou seja para cada lugar há 2,5 carros. Acresce que estes 12.808 lugares disponíveis incluem locais em que existem poucos residentes, pelo que nas zonas mais centrais a pressão é muito maior. O total de lugares de estacionamento, incluindo todo o tipo de parques de acesso publico, cifra-se em 16.407 lugares. Um outro número avançado por José Ferreira foi a existência de 18.924 alojamentos e 14.827 agregados. Os alojamentos devolutos são 2.447 (13%). Com estes números a discussão, passou a ser mais precisa.

O problema do estacionamento não se coloca da mesma forma em todos as zonas da freguesia, nem em todas as horas da mesma maneira. Em alguns locais os lugares são escassos durante o dia, mas à noite são abundantes. A existência de parques não resolve só por si o problema. Os que tem sido criados estão longe de estarem completos. O parque junto ao Mercado Norte de Alvalade, por exemplo, nunca está cheio. A partir das 16h00 o estacionamento é gratuito. Apesar disto, a algumas dezenas de metros na Avenida da Igreja, podemos observar automovéis estacionados em segunda e terceira fila. Os condutores recusam-se a andar umas centenas de metros a pé e pagarem o estacionamento.

A informação prestada por José Ferreira, com o pelouro do espaço público entre 2017/2021, foi mais uma vez utilissima. As zonas com maior procura de disticos da EMEL foram as do bairro São Miguel, das Estacas e da Rua Guilhermina Suggia, Av Roma, Bairro das Caixas, Av igreja lado nascendo (bairros norte e sul). No novo regulamento de estacionamento, os dísticos de residente obtidos por usufruto de viaturas de residentes, passarão a ser mais escrutinados, pois o usufruto tem que ser registado na Conservatória Automóvel (custa 50€ e tem consequência que podem levar à perda da propriedade), o que pode mitigar o número de dísticos.

É um facto que Alvalade possui actualmente uma grande mobilidade de pessoas: quem aqui vive, em geral, trabalha fora da freguesia. Milhares de pessoas que aqui trabalham, estudam ou frequentam os serviços e comércio local moram fora da freguesia. Uma situação que provoca grande mobilidade. Entram diariamente em Lisboa cerca de 400 mil automóveis. A situação caótica que se regista a certas horas nas principais artérias ou à porta de infantários e escolas, por exemplo, reflecte a mobilidade de pessoas na freguesia.

Focos. Chegados a este enquadramento do problema, como é habitual, definiram-se dois grupos em função do entendimento que tem da cidade, da freguesia ou da rua onde moram.

1. Grupo centrado no automóvel. A cidade deve acomodar-se às necessidades dos automobilistas. Criar mais parques ou silos, de preferência gratuitos, alargar as vias de comunicação para a entrada e saída, reduzir a largura dos passeios, etc. Para evitar a entrada de mais carros na cidade, os "membros" deste grupo concedem que se invista nos transportes públicos, na construção de parques à entrada da cidade, etc. O que o grupo não pode é com as ciclovias. A bicicleta é um perigo e um estorvo para o autobilista. Uma moradora da Avenida do Brasil manifestou-se chocada com a existência de uma ciclovia no outro lado da Avenida onde não existem habitações e o passeio é suficiente largo para coexistirem peões e ciclistas.

Mário Alves afirmou que a actual abordagem ao problema do estacionamento em Lisboa corresponde a uma fase que foi já ultrapassada noutras cidades europeias. Insiste-se numa política que se revelou desastrada.

2. Grupo centrado nas pessoas. Na perspectiva deste grupo o que está em causa é saber que cidade queremos viver. Uma cidade focada em encontrar soluções para acomodar mais automóveis ou mais agradável para quem nela vive? Defendem que a prioridade na ocupação do espaço público devem ser as pessoas, as crianças e não os automóveis. Lisboa vive uma situação que outras cidades europeias já enfretaram. A prioridade nestas cidades não é aumentar a oferta de lugares de estacionamento, mas sim diminui-la, reduzindo o tráfego na cidade, aumentar a oferta de transportes públicos e da rede de ciclovias, introduzir carros partilháveis, diminuir o tempo de rotação nos parquimetros, etc. Apostar nas vias de escoamento do trafego da cidade e não nas de entrada, nomeadamente na construção do eixo Campo Grande-Clavanas. Esta intervenção é essencial para melhor o escoamento da Avenida de Roma, Avenida Rio de Janeiro e Avenida do Brasil, assim como aumentar a oferta de transportes publico entre a Alta de Lisboa e o centro da Cidade. Estimular a deslocações pedrestes em vez de motorizadas, nomeadamente através de passeios mais confortáveis e desimpedidos de obstáculos. Faz bem à saúde e ao ambiente. É um outro paradigma, uma outra maneira de pensar

Mentalidade. A mudança implica uma "mundança de mentalidade". Um aparente ponto de acordo entre os dois grupos. No entanto, o primeiro grupo mostra-se céptico em relação a qualquer mudança porque a mundança de mentalidades" leva décadas. Alguém na sala procurou ilustrou esta situação em Portugal: o cidadão português quando vive noutros países europeus é de um civismo irrepreensivel, mas mal atravessa a fronteira adopta comportamento de um "javardo". Dada a dificuldade da mudança, um morador aproveitou logo para pedir o fim da fiscalização da EMEL e que o estaciomento pudesse ser "livre". O segundo grupo mostrou-se convicto que embora a mudança de mentalidades seja mais lenta, a mudança de comportamentos é mais rápida e pode ser provocada. Não se trata de resolver todos os problemas da mobilidade, mas uma boa parte dele, o que já seria óptimo. A questão central está no foco como os problemas são abordados.

Conclusão. Perto da treze horas, a maioria dos auditório concluia que os "silos" e "parques de estacionamento" são uma perigosa panaceia que não resolvem, nem podiam resolver os problemas levantados em torno da questão dos estacionamento. Muitos dos que os propôe como solução não tem ideia nenhuma para Lisboa, e no caso da freguesia de Alvalade nem sequer a conhecem. Cairam aqui de paraquedas.

Em todo o caso foi consensual que a prioridade das câmaras municipais e juntas de freguesia devia ser dada ao cuidado dos espaços públicos, assegurando nomeadamente passeios limpos e confortáveis, espaços verdes cuidados, higiene urbana eficiente, e bom planeamento urbanístico de modo a proporcionar uma vivência agradável.

Uma moradora (Marta Coelho) visivelmente satisfeita com o rumo que o debate tomou, estava convicta que se gerara um consenso em que a prioridade deviam ser as pessoas e não os automóveis. Uma ilusão?