|
Opus Dei Encerra
Quebra Bilhas
Lisboa continua de luto. Depois da destruição da
casa de Almeida Garret, chegou a vez de fechar as portas um dos espaços mais
simbólicos da cidade - o Quebra Bilhas no Campo Grande. Na fachada do edifício
(século XVIII ?), alguém já se apressou a retirar o nome pelo qual era há
muito conhecido “Retiro Quebra Bilhas”. O seu famoso quintal, onde durante
séculos gerações de lisboetas conviveram, está
irreconhecível.
Fundado em 1793, este
restaurante era o único sobrevivente dos antigos retiros e hortas onde se
cantava o fado. A sua história está ligada à do Fado, mas também a muitos episódios
históricos da cidade.
Ao longo de dois séculos o
Quebra Bilhas resistiu a tudo, mas não à actual onda de desmemorização
impulsionada pela CML.
Quis o destino que o actual
proprietário do edifício fosse uma organização religiosa, o Centro Cultural
do Campo Grande, ligado à Opus Dei. Garantem-nos que o Quebra Bilhas fechou de
vez, mas as suas portas voltarão a abrir, não como retiro de amantes da boa
comida e das tradições lisboetas, mas para retiros espirituais dos seguidores
do beato espanhol Josemaría Escrivá. Sinais dos tempos.
Retiro Quebra-Bilhas
de portas fechadas. Setembro de 2006
|
|
|
Registos históricos do Retiro
Quebra-Bilhas.
" A Severa lá cantarolava o seu reportório decotada com um impudor feliz e batia o fado ao som da Banda de Sousa do Casacão, desde o escurecer até que, às duas da noite, o gado pegava de sair para a praça do Campo de Sant’Anna. - Não é essa Lisboa boémia, fadista e zaragateira, que um certo romantismo do passado nos legou, que vamos encontrar no Quebra-Bilhas de hoje.
.
Durante
mais de 200 anos, o Quebra-Bilhas foi uma referência da gastronomia tradicional
de Lisboa.
.
Não haverá "tipóias", nem capote-e-lenço, nem alcatruzes da nora. Mas ainda lá
estão os caramanchões de trepadeiras e fartas ramadas de videiras a proteger toscas e improvisadas mesas onde os canjirões de vinho disputam lugares de primazia ".
Jaime Lopes Dias, Os Alfacinhas
.
" A partir de 1846, já se guitarreava o fado ( …) nas hortas e retiros populares ( …) como sucedia na Moita das Tripas, no Escoveiro, no Ezequiel do Dafundo, no Miséria da Estrada de Palhava, no Campo Pequeno, no Arco do Cego e no Beato António … no Nova Sintra da Calçada de Carriche, na Joana do Colete Encarnado, ao Campo Grande, no Cá e Lá, do José Galinheiro, no José dos Patacos e no Retiro do Pardal, no Zé dos Caracóis, no Rouxinol, nos Terramotos, na Quinta do Ferro de Engomar, no Pedro da Porcalhota, no Manel dos Passarinhos e no retiro do Quebra-Bilhas ao Campo Grande ( …) onde se fadejava nas noitadas das esperas de toiros".
Pinto Carvalho, História do Fado
“Em época que já vai distante, o espectáculo das esperas de toiros constituía o mais agradável divertimento para os aficionados e não aficionados, sem distinção de idades nem categorias, porque era aí nessa diversão legitimamente popular, que o fado – a genuína canção do povo, por excelência – se expandia livremente e com entusiasmo, a realçar nas unhas e nos lábios dos seus melhores e mais célebres tocadores e cantores, que os havia nesse tempo em quantidade e de superior qualidade…
"Até à uma hora da madrugada dessas noites de estúrdia, a que não faltavam aqueles fidalgos em evidência: Vimioso, Castelo Melhor, Avilezes, Lumiares, Galveias, Maniques e outros, e enquanto os toiros não levantavam em direcção à praça do Campo de Sant’Ana, regorgitavam de aficionados e apreciadores das esperas, as casas de pasto e retiros de Carriche ao Arco do Cego: Nova Sintra, Patusca, Quebra-bilhas, Colete Encarnado, António da Joana e outras locandas similares, onde o fado tinha predomínio e as suas leis falavam claro pelas bocas das guitarras.”
José Pedro do Carmo, Evocações do Passado
Quebra
Bilhas.1ª. Sala. 2001 ( ? ) *
.
O Quebra Bilhas "mantém muito do seu encanto de outras idades. O
largo portão verde, fronteiro ao plácido plátano, abre para o primeiro
compartimento, onde, a par da cozinha, se conserva felizmente um daqueles belos
balcões das tabernas antigas, todo corrido e de mármore, e duas largas mesas .
(...) Outra sala, mais convencionalmente a refeiçoar, oferece uma simplicidade
airosa revestida de artefactos de sabor caseiro. Grande, grande é o
quintal-esplanada, de chão empedrado, abrigado por generosos toldos de
parreiras e árvores de forte porte, local único e riqueza inestimável para o
tempo ameno, daqueles recantos que parecem terem sido feitos, e são eleitos,
para os prazeres da mesa, da bebida e do convívio".
José
Quitério, Retiro Antigo ( Expresso,
17/04/1987).
|
|
|
.
Artigos na
Comunicação Social e Comunicados de Moradores
Press
Release
"O
Histórico “Retiro Quebra Bilhas” Fechou as Portas
Lisboa
continua de luto. Depois da destruição da casa de Almeida Garret, chegou a vez
de fechar as portas o antigo Retiro
Quebra Bilhas no Campo Grande. Fundado em 1793, este famoso
restaurante de Lisboa era o único sobrevivente dos muitos retiros e hortas que
existiam ao longo das principais estradas que ligavam Lisboa aos arredores.
O
Retiro Quebra Bilhas, com o seu célebre quintalão, está intimamente ligado à
história do fado, sobretudo depois de 1840, quando se tornou um hábito cantar
o fado nestes locais. Uma tradição que manteve ao longo de todo o século XX,
sendo um local muito frequentado por fadistas.
O
Quebra Bilhas foi no século XIX, um ponto de encontro obrigatório de estroinas
que aqui vinham passar os touros a caminho da praça de touros do Campo Santana,
dos que frequentavam a antiga Feira do Campo Grande.
Expressão
viva da tradição culinária lisboeta, o Quebra Bilhas oferecia ao visitante os
pitéus e pratos característicos dos antigos retiros.
Quis
o destino que o actual proprietário do edifício onde estava instalado o Retiro
de Quebra Bilhas pertencesse a uma organização religiosa, o misterioso
“Centro Cultural do Campo Grande” da Opus Dei. Garantem-nos no dito Centro
Cultural que o Quebra Bilhas fechou de vez, mas as suas portas voltarão a
abrir, não como retiro de amantes da boa comida e das tradições lisboetas,
mas para retiros espirituais dos seguidores do beato espanhol Josemaría Escrivá.
Ao
longo de dois séculos o Quebra Bilhas resistiu a tudo, mas não à actual onda
de desmemorização que está a ser estimulada pela CML, onde se sucedem os
atentados ao património. Aos poucos a cidade está a perder a sua
identidade, com a cumplicidade daqueles de quem seria de esperar uma outra
atitude. Nem uma palavra até à data se ouviu da CML e de outros órgãos autárquicos.
O
silêncio da autarquia é total, mas será que os amantes de Lisboa e do fado irão
deixar que mais este atentado ao património seja cometido ?.
Comissão Moradores da Zona
Oriental do Campo Grande. Setembro de 2006"
Artigo do Jornal Público 24 de Setembro de
2006 |