Watergraafsmeer- Alvalade O Bairro de Alvalade, cujo inicio da construção data de 1947, é o único exemplo em Portugal do modelo da concepção de uma "cidade-jardim", proconizada por Ebenezer Howard. Na Europa, muitas outras foram construidas desde o incio do sécculo XX. Em Oost-Amsterdam, no polder de Watergraafsmeer descobrimos um desses projectos construido entre 1921 e 1929, que nos permite um confronto com o Bairro de Alvalade sobre as soluções arquitectónicas, gestão, cidadania e soluções encontradas para os problemas correntes. É uma abordagem multifaceta inédita em Portugal.
Bairro de Alvalade Sobre o modelo urbanistico, contexto histórico, projecto e construção do Bairro de Alvalade, o leitor encontra no Jornal da Praceta uma vasta informação sobre esta temática pelo que não a reproduzimos neste texto.
Contexto Histórico Holandês Perante as miseráveis condições em que viviam os trabalhadores, em Junho de 1901, foi posta em execução a Lei Wuningwet, impondo para cada povoação com mais de 10 mil habitantes, regras muitos definidas para a construção de habitações sociais e espaços envolventes, de modo a garantir o enquadramento urbanistico (prioritário e exigente), unidade das edificações, salubridade e sustentabilidade dos alojamentos e o lazer dos moradores. Exigências a que estavam submetidos tanto as edificações de iniciativa pública ou as privadas. O Estado e os municipios intervieram em larga escala na construção de edificios para trabalhadores. Entre 1914 e 1928, foram construídas 450 mil habitações económicas, para alojar 23,5% da população holandesa. Nos aglomerados urbanos holandeses a taxa de mortalidade era a mais baixa quando comparada com a das cidades da Alemanha, Inglaterra ou da Suiça. Arquitectos envolvidos nestas construções: H. P. Berlage (1856-1934), Michel de Klerk (1884-1923) e Willem Marinus Dodok (1884-1974). As edificações em Wouda (estação de bombagem de água, 1920) ou em Hilversum constituiam marcos no urbanismo e arquitectura holandesa antes da IIª. Guerra Mundial.
Municipio de Watergraafsmeer.
As carências de habitação no inicio do século XX foram aproveitadas para criar em Watergraafsmeer uma cidade-jardim. O território de Watergraafsmeer era até ao século XVII um pantano, com um enorme chaco que entre 1629 e 1702 foi secado (polder), ficando 5 metros abaixo do nível do mar, estando naturalmente rodeado de canais. Um vez secos os terrenos passaram a ser usados para a agricultura, sendo neles construidas casas de campo da burguesia de Amesterdão, como o palacete de Frankendael.

Casa de campo (Palacete ) do consul-geral de Portugal na Holanda, em Frankendael. Século XVIII 
Parque de Frankendael, um dos mais belos e cuidados de Amesterdão . Dois lisboetas foram os seus principais construtores no século XVIII e princípios do século XIX.

Mapa 1900, abrangendo toda a área do polder, onde está destacada a Oostergasfabriek
No século XIX, junto ao canal canal Ringvaart criou-se aquilo que podemos designar pela vila de Watergraafsmeer, com pomposas vivendas em tijolo e madeira. Entre 1900 e 1920 surgiram edificios com vários andares, cujo ponto central é a praça Linnaeusparkeg onde está o "Café 1900".

Oostergasfabriek no "Dia do Rei", 2025""
A construção de fábricas no final do século XIX, trouxe consigo milhares de trabalhadores para Watergraafsmeer. As condições de alojamento dos operários eram terriveis, motivando violentos protestos. A principal fábrica local era a Oostergasfabriek (1887-1923) que produzia gás a partir do carvão, que era utilizado na iluminação pública e dos edificios, ficava situada junto ao canal Ringvaart. Desactivada a fábrica, as suas enormes instalações tem sido usadas até ao presente em muitas outras funções, incluindo a de uma espaçosa galeria de arte.
O edificio da sede do municipio, Rechthuis (const.1777), fica no cruzamento entre o canal Ringvaart e a Middenweg, com a Kruislan era a rua mais antiga do municipio. Era neste edificio que funcionava o tribunal, junto ao qual se faziam os enforcamentos. Bordejando o canal é fácil de observar que o terreno do polder está num nível inferior. Foi também por aqui que Napoleão, em 1811, entrou em Amesterdão. Pintura: c.1800
O municipio de Watergraafsmeer, em 1906, quando contva com cerca de 10 mil habitantes, planeou a construção local de uma cidade-jardim para 200 mil habitantes, mas o projecto não avançou. Em 1921, como dissemos o município foi extinto e incorporado em Amesterdão. Sob a orientação do director de habitação Ary Kleppler (1876-1941), a norte da linha férrea foi lançado um ambicioso programa de construções sociais, destinados a trabalhadores, inspirado pelo modelo de cidade-jardim de Ebenezer Howard (1850-1928). Entre os vários conjuntos habitacionais que foram constuidos entre 1921 e 1929, escolhemos dois, e um terceiro contemporâneo de Alvalade, para o inédito confronto com o Bairro de Alvalade: Geleerdenbuurt , Betondorp e Jeruzalem..
Desde 1 de maio de 2010 passou a fazer parte do Distrito de Oost de Amesterdão (Amsterdamse stadsdeel Oost), que ocupa uma área de 32,56km2, com 126.690 habitantes (2023). Os comitês distritais são eleitos a cada quatro anos, no mesmo dia do conselho municipal central da cidade. Cada comité distrital elege três de seus membros para formar um comité executivo (dagelijks bestuur). A jurisdição dos comités distritais é determinada pelo conselho municipal central. As responsabilidades delegadas aos comités distritais incluem parques e recreação, ruas e praças, recolha do lixo, licenças e eventos, elaboração de planos de zoneamento, passaportes e carteiras de habilitação e assistência social. O comité distrital de Amesterdão-Oost é composto por 15 membros.

Galileiplantsoen é o eixo central de Geleerdenbuurt, atravessado por pontes, e ladeado por residências, escolas e alguns serviços.
a) Geleerdenbuurt (Bairro dos Académicos). O bairro foi assim chamado em homenagem aos cientistas que desde 1927 dão nome às ruas, segundo Jaap Kruizinga. Desenvolve-se em torno de uma vala (Molenwetering), que em 1909 já estava a ser aberta, ao redor da qual foi construido um longo jardim (1921). A rua envolvente, em ambos os lados, recebeu o nome de Galileïplantsoen . As casas são baixas, destinadas a três familias, uma no piso terreo e as duas outras nos superiores. Na construção o que predomina é o tijolo e a madeira. As fachadas em banda, reflectem a os trabalhos de Willem Leliman (1878-1921), nos edificios residenciais na cidade-jardim de Vogelbuurt (1915). Pensou-se construir no cruzamento com a Archimedesplantsoen uma praça espaçosa, mas optou-se por pontes. Foram projectadas em 1928, por Piet Kramer (1881-1961).

Conjunto de edificios que com ligeiras variações se repetem em Geleerdenbuurt. Construção: 1921/1922
Foram construidas três igrejas: a kerk van het Apostolisch genootschap (Igreja da comunidade apostólica de Hersteld, projectada por Cornelis Kruyswijk (1927). A grande igreja de Linnaeushof, inaugurada em 1929, obra do arquitecto Alexander Jacobus Kropholler, muito influenciado por Beurs van Berlage, fica quase escondida atrás do Middenweg, em frente ao Frankendael. Visivel é a primitiva Igreja dos Martires de Gorcum (Martelaren van Gorcum, 1902 - 1929), obra do arquitecto arquiteto Paul de Jongh. Próximo uma ponte atravessa o Molenweterin, foi -lhe dada o nome de Henk van Laarbrug, um antigo professor, activista local e resistente contra os nazis.
Muito próximo também fica um complexo escolar, datado de 1932, a escola Montessori Kleuterschool de Zilvermeeuw, uma creche Montessori e outra regular, no estilo da Escola de Amsterdão, arquitectos Nicolaas Lansdorp e C. van der Wilk. A escola foi construída em tijolo vermelho e com telhados de telhas pretas.
No canal sobressai a estátua de Leo de Vries (1932-1994), várias outras estatuas estão espalhadas pelos parques de Watergraafsmeer.

O Geleerdenbuurt é delimitado a nordeste, contra o aterro ferroviário, pelo Archimedeslaan: uma fileira de mansões pretensiosas, por onde circula o tráfego ferroviário moderno. 
Perspectiva aérea de Betondorp
b) Betondorp. Entre os conjuntos habitacionais mais conhecidos de Oost está Betondorp/Tuindorp (1923-1925), com cerca de 1.000 moradias, construídas em concreto, por Dirk Greiner (1891-1964) e Jan Gratama (1977-1947). O plano de desenvolvimento urbano deste bairro foi executado por Jan Gratama e Gerrit Versteeg e baseia-se na ideia de cidade-jardim. O bairro foi criado em torno de uma praça central, chamada Brink, onde convergem as ruas mais importantes. O que predomina na construção é o concreto, cimento moldado, o que constituiu uma inovação num bairro social. Na Brink, encontram-se diversas casas de classe média e instalações centrais, como lojas, uma biblioteca e um clube. Junto ao bairro, onde nasceu e viveu Johan Cruijff, foi construido um enorme parque desportivo, com dezenas de campos de jogos.
O Ajax entre 1934 e 1996 tinha o seu estádio em De Mer. Foi nele que recebeu pela primeira vez e perdeu por 3-1 com o SL Benfica, a 12 fevereiro de 1969, nos quartos de final da Liga dos Campeões Europeus. Em Lisboa, o AJAX empatou com um surpreendente 1-3, e venceu o desempate em Paris. Em campos estiveram Eusébio e Cruijff. O AJAX iniciava então um periodo glorioso no futebol europeu.

Casa em concreto em Betondorp. 1923?
c) Jeruzalem (Blok N). Consta de um plano de 1935, mas só foi concretizado a seguir à IIª. Guerra Mundial, segundo um projecto de Cornelis van Eesterem e Jakoba Mulder (1900-1988), e dos arquitetos paisagistas Mien Ruys e Hans Warnau. A ideia era que os trabalhadores vivessem dentro de um jardim! Foi construido entre 1950 e 1954. os projetos habitacionais, por Ben Merkelbach, Charles Karsten, Piet Elling e Mart Stam. Mien Ruysch foi responsável pelo paisagismo e Aldo van Eyck projetou os playgrounds. Como tipologia das moradias duplex e dos lotes em L, esse sistema foi muito aplicado posteriormente nas Cidades-Jardim Ocidentais. Apresenta alguns problemas estruturais e acústicos, o que não impediu que em 2010 fosse classificado como património histórico de Amesterdão, o primeiro do pós guerra a receber esta distinção. Universidades Á semelhança do que acontece em Lisboa, junto a Watergraafsmeer está igualmente implantanda uma universidade, a Universidade de Amesterdão, com os seus polos tecnológicos. O "campus universitário" manteve a memória do polder, criou inclusive um belissimo parque educativo de plantas que nele podem florescer, dando continuidade desta forma ao espírito da "cidade-jardim". Confronto Num primeira impressão, notamos que qunato aos princípios teóricos fundadores pouca diferença encontramos entre os bairros Watergraafsmeer e o de Alvalade, com excepção no que diz respeito ao comércio e das unidades produtivas. Em Watergraafsmeer o comércio e outros serviços está quase ausente, foi remetido para fora dos espaços residenciais , ao contrário do que acontece em Alvalade. O objectivo é o habitante se sinta envolvido pela natureza, sendo os espaços de convivio social valorizados.
A grande diferença está na conservação dos edificios e espaços verdes face ao projecto inicial.
Em Watergraafsmeer tudo ou quase tudo mantém-se rigorosamente como foi construido. Os espaços verdes são cuidados e acarinhados pela população que os limpa em volta das casas, planta flores e arbustos nos canteiros fronteiros, rodeando arvores, etc. Coloca bancos de jardim nas ruas para desfrute colectivo de cenários verdejantes. Os bairros da cidade-jardim, com a sua arquitectura e o verde envolvente, são promovidos como um cartaz turistico.
Em Alvalade, grande número de edificios foram desfigurados pelos próprios moradores, as fachadas estão em muitos casos irreconhecíveis face ao traçado original. Alguns edificios emblemáticos estão transformados em monstros urbanos. O Bairro das Estacas, por exemplo, premiado internacionalmente, ilustra bem esta situação. Os espaços verdes públicos e logradouros públicos e privados foram abandonados, estão repletos de construções precárias, os caminhos pedonais de circulação interna foram destruídos ou encontram-se bloqueados por construções avulso. Equipamentos, como parques infantis, desapareceram vandalizados. As quintas que segundo Faria da Costa deviam manter-se deram lugar blocos de edificios. O espírito da "cidade-jardim" desapareceu.
As diferenças são ainda mais evidente, quando comparamos muitos outros aspectos, desde a gestão autárquica ao comportamento cívico dos habitantes.
Continua !
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