A Iluminação Pública em Lisboa:
A Inércia da CML e as Consequências para a Segurança da Cidade
Recentemente, uma das minhas filhas foi ameaçada e insultada - sem provocação de espécie alguma - por um indivíduo. embriagado junto ao IADE (Av. 24 de Julho na Misercórdia) num local onde há uma grave deficiência de iluminação pública. Este episódio tornou "pessoal" uma preocupação que já era minha e que aumentou com o aumento brutal da quantidade de candeeiros sem luz a partir de meados do ano passado. Em Alvalade, Arroios e Avenidas Novas, freguesias de Lisboa que percorro a pé praticamente todos os dias observo que, logo que o Sol se põe, existem largas dezenas de candeeiros desligados em cada uma destas freguesias. Há dias, na Conde de Arnoso vi uma grua reparando um candeeiro desligado e pensei que todos os candeeiros desligados nesta rua seriam novamente ligados. Erro meu: apenas esse candeeiro foi reparado e três outros candeeiros num raio de cerca de vinte metros que estavam desligados continuaram no mesmo estado.
A inércia dos serviços da CML - com milhares de candeeiros apagados por toda a cidade - é cada vez mais evidente e isso, naturalmente, tem consequências a nível da insegurança na cidade.
Não consigo compreender como é que a CML não mantém na sua plataforma de Dados Abertos uma lista actualizada de todos os candeeiros que possui na cidade. Seria importante, para todos e até para os próprios serviços da CML, manter esta informação actualizada.
Não consigo compreender porque não existe nenhum sistema de sensores que detecte que um candeeiro está ligado ou desligado. A existência de candeeiros desligados durante anos (alguns há mais de quatro anos) indica que não só não existem sensores como também não existe uma rotina regular de visitação. Também não consigo compreender porque é que não existe em Lisboa um sistema de monitorização em tempo real da iluminação pública.Não consigo compreender porque é que a manutenção de candeeiros não está a ser feita de forma regular, levando a falhas. demoradas que não são detectadas pelos serviços da autarquia.
Não consigo compreender porque é que a cidade depende totalmente dos relatos reactivos de avarias enviados pelas juntas de freguesia (raros: porque os seus funcionários não trabalham em horário nocturno) e das ocorrências abertas pelos moradores na aplicação “Na Minha Rua” ou no site da E-REDES (que no formulário de submissão de avaria recorda que a competência cabe à CML).
Não consigo compreender porque é que, em Lisboa, os cidadãos são aparentemente o único meio eficiente de reportar avarias nem porque é que os serviços da autarquia não percorrem as ruas da cidade durante o dia ligando e desligando sectores em busca de anomalias na iluminação (uma vez que, manifestamente, não o fazem de noite).
O “Manual do Espaço Público” da CML (de 2018) estabelece – e bem – a relação entre insegurança e iluminação pública quando diz que esta deve: “garantir a inexistência de zonas não iluminadas, potenciadoras de vandalismo e/ ou criminalidade na área de influência da iluminação pública”.
Em 2018 este manual já indicava que a iluminação pública em Lisboa deveria ser equipada com “tecnologia LED adequada para iluminação pública ou outra com melhor desempenho energético” e em julho de 2023 o “Lisboa para as Pessoas” noticiava que “a Câmara de Lisboa prepara-se para modernizar 22% da rede de iluminação pública da cidade com tecnologia LED e um sistema de gestão remota”. Contudo, desde então não surgiram mais notícias sobre esta renovação e a quantidade de candeeiros sem luz indica que o processo está parado ou, pelo menos, atrasado.
A falta de iluminação pública está directamente ligada ao aumento da sensação de insegurança e, em muitos casos, ao aumento real da criminalidade. Isto ocorre por vários motivos:
1. A iluminação reduzida ou inexistente reduz a visibilidade de ruas, parques e áreas públicas, tornando mais difícil para as pessoas e as autoridades identificarem atividades suspeitas o que o cria um ambiente propício para a criminalidade.
2. Ambientes bem iluminados transmitem uma sensação de segurança e são percebidos como menos propensos a crimes. A escuridão, por outro lado, provoca uma percepção de vulnerabilidade nas pessoas e alicia à prática de actividades criminosas que ocorrem sob a protecção da obscuridade, o que afecta o uso e fruição livre de espaços públicos à noite. Espaços em torno de universidades ou escolas que funcionem em regime pós-laboral são especialmente sensíveis e, no caso da 24 de Junho, com a presença de vários estabelecimentos nocturnos que vendem álcool a situação deveria merecer um especial cuidado por parte da CML (não merece).
3. Em locais mal iluminados, há menos "vigilância informal" — ou seja, menos pessoas na rua que podem observar o que acontece ao seu redor. Isto reduz as possibilidades de que alguém testemunhe um crime ou intervenha em socorro.
4. A escuridão pode gerar medo, levando as pessoas a evitarem certas áreas à noite. Com menor circulação de pessoas, estas áreas podem tornar-se mais atraentes para actividades ilícitas, sejam elas criminosas, vandalismos contra propriedade pública ou privada, ou como sucedeu com a minha filha para assédio e ameaças.
Não quero unicórnios. Não quero mais turistas a transbordar dos transportes públicos e dos museus da cidade onde nasci e vivo. Não quero mais esquadras (como nos prometeu o sr. Moedas): quero mais polícia municipal na rua (menos em posições fixas), quero tornar a ver patrulhas a pé da PSP, e, sobretudo, sr. Moedas: quero que faça os seus mínimos e que torne a fazer funcionar a rede de iluminação pública de Lisboa!
Rui Martins, 3/12/2024 |