Jornal da Praceta
Público, 4 de Dezembro de 2001

Assessores e Amigos de Vereador do Trânsito Ligados ao Negócio do Estacionamento

JOSÉ ANTÓNIO CEREJO

São tudo coincidências, diz Machado Rodrigues

Interesses do autarca da Câmara de Lisboa, de alguns dos seus sócios e dos seus mais directos colaboradores cruzam-se, há quase 20 anos, no sector dos transportes e do estacionamento, com os interesses de um dos fundadores da Gisparques

António Machado Rodrigues, vereador do Trânsito da Câmara de Lisboa a meio tempo desde 1989, tem uma sociedade com um empresário que, por sua vez, é sócio de uma empresa associada a um dos grandes patrões do estacionamento privado da capital. A empresa através da qual o sócio de Machado Rodrigues está associado ao empresário do estacionamento tem sede no escritório particular do vereador.

O chefe de gabinete de Machado Rodrigues, dois antigos assessores da câmara e um cunhado do vereador foram sócios, até há dois anos, de uma empresa de que era sócio-gerente o mesmo empresário de estacionamento. Esta firma teve igualmente sede no escritório particular do vereador.

Difícil de entender? Não admira. O conjunto de ligações que evidencia as relações do vereador do Trânsito de Lisboa com o negócio do estacionamento também não é simples nem fácil de entender.

Os elementos recolhidos pelo PÚBLICO permitem concluir que o vereador que tutela o trânsito e o estacionamento da cidade tem uma ligação indirecta à Gisparques, empresa que foi vendida há dois anos por mais de 1,5 milhões de contos e integra hoje a maior sociedade portuguesa do sector, a Emparque.

Machado Rodrigues, um engenheiro especializado em circulação e transportes, diz que são tudo coincidências.

Ei-las, as coincidências, uma a uma.

Primeira coincidência

Vereador trabalhava para empresa dos seus assessores

O arquitecto Leonel Fadigas e António Fernandes Lima, cunhado de Machado Rodrigues, juntamente com dois outros sócios, criaram, em 1979 a sociedade por quotas Tecnep - Estudos e Projectos de Desenvolvimento Lda. A empresa ficou sediada na Travessa Henrique Cardoso, em Lisboa, numa loja alugada em nome de Machado Rodrigues, na qual este já tinha o seu escritório particular. O actual vereador não fazia parte da sociedade, mas cedeu-lhe o espaço até ao princípio dos anos 90, na condição de ser ele a fazer os estudos de circulação rodoviária encomendados à Tecnep.

Ao longo da década de 80, Armindo Cordeiro, um técnico de transportes, e Domingos Cidade de Moura, um engenheiro projectista especializado nos EUA, entraram para a sociedade, o mesmo fazendo, mais tarde, José Manuel Proença Boavida, igualmente técnico de transportes.

Quando o PS e o PCP ganharam a Câmara de Lisboa, em 1989, Machado Rodrigues assumiu o lugar de vereador do Trânsito e Infra-estruturas Viárias e foi buscar Armindo Cordeiro e Proença Boavida para trabalharem com ele. O primeiro ficou como chefe de gabinete, cargo que ainda hoje desempenha, e o segundo, que preside actualmente a uma das secções do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes, preencheu um lugar de assessor. Três ou quatro anos depois, Leonel Fadigas [presentemente membro da direcção da Agência para a Modernização da Base Económica de Lisboa, uma empresa de iniciativa municipal] entraria também para a câmara, mas como assessor do então vereador João Soares.

A nível privado, Machado Rodrigues e os seus dois colaboradores continuaram a fazer estudos de transportes e circulação para os clientes, normalmente públicos, da Tecnep. Na fase preparatória da Expo 98, a Tecnep e Machado Rodrigues trabalharam em diversos estudos e projectos relacionados com a exposição mundial, entre os quais os da Gare do Oriente.

Mais recentemente, há cerca de três anos, o cunhado de Machado Rodrigues, bem como Armindo Cordeiro, Proença Boavida e Leonel Fadigas venderam as suas quotas na sociedade a Domingos Moura e à Conduta, uma empresa controlada a cem por cento por este último e pela mulher.

Em 1998, quando fez a única declaração de rendimentos que está disponível no Tribunal Constitucional em seu nome, o vereador registou que tinha a receber 6500 contos da Tecnep, nesse ano, "por trabalhos de consultadoria técnica".

Segunda coincidência

Sócio dos assessores tornou-se patrão da Gisparques

Domingos Cidade Moura - então sócio do chefe de gabinete, de um assessor e de um cunhado de Machado Rodrigues, e enquanto gerente da Tecnep comprador de serviços prestados pelo engenheiro-vereador - participou na criação da Gisparques em 1992, uma das primeiras empresas de estacionamento de Lisboa. A iniciativa pertenceu a um empresário francês do ramo e na lista dos fundadores estava também Fernando Nunes da Silva, um técnico de transportes que tinha sido assessor de Machado Rodrigues até meados de 1991 e deixou a empresa logo em 1993.

Os três primeiros anos de actividade foram particularmente desencorajadores, e até 1995 a empresa não tinha conseguido ganhar nenhum concurso para os parques subterrâneos, nem iniciar o negócio do estacionamento em espaços provenientes da demolição de prédios degradados. Perante este fracasso, o francês que controlava a sociedade desinteressou-se dela e passou a Domingos Moura, pelo seu valor nominal, as acções que detinha na sociedade.

Nos três anos seguintes, pela mão de Domingos Moura e de Roberto Berger, um seu amigo, a Gisparques logrou finalmente instalar-se no nicho de mercado dos parques em espaços devolutos e transformou-se numa empresa altamente rentável. Uma das alavancas do seu sucesso foi também a Expo 98, cujos espaços de estacionamento lhe foram integralmente concessionados, incluindo os da Gare do Oriente.

Em 1998, com Domingos Moura, Roberto Berger e Lino Almeida Martins na administração, a Gisparques foi vendida ao grupo Emparque, controlado pela A. Silva & Silva, por mais de 1,5 milhões de contos. Domingos Moura - que, apesar da venda, se mantém na administração da Gisparques - não quis dizer ao PÚBLICO o valor da transacção, mas afirmou que "se fosse 1,5 milhões a Emparque tinha feito um muito bom negócio". Quanto a Lino Almeida Martins, disse que é apenas um advogado que o assessorou na venda da empresa e que não sabe como é que o conheceu.

Terceira coincidência

Gerente de empresa de que o vereador é sócio nomeado administrador da Gisparques

Machado Rodrigues comprou em 1996 uma quota da Telser, Telemática e Serviços Lda, no valor de 400 contos, a Lino Almeida Martins, um advogado que estava ligado a Alberto Marques Lopes, um amigo do vereador, e à Elotécnico SA - empresa de electrónica dominada por este empresário e na qual o vereador tinha entre cinco e dez por cento das acções.

Entre Janeiro e Dezembro de 1998 Lino Almeida Martins, que se mantinha como gerente da Telser, foi administrador da Gisparques, a empresa de Domingos Moura cuja sede estava então instalada no seu escritório de advogado.

Há cerca de dois anos, a participação de Machado Rodrigues na Telser passou para 6 400 contos, e no ano passado para 11.200. O vereador ficou com 35 por cento do capital e Alberto Marques Lopes, mais uma familiar, com o resto.

No caso da Elotécnico, Alberto Marques Lopes e Machado Rodrigues venderam 80 por cento do capital à Fujitsu em 1998. Na sua declaração desse ano ao Tribunal Constitucional, o vereador diz que possui 8100 acções nessa sociedade e acrescenta que vai receber, em 1998 e 1999, 66.680 contos pela sua venda aos japoneses. Já este mês, Machado Rodrigues disse ao PÚBLICO que a sociedade foi vendida por um milhão de contos e que a sua parte foi de 115 mil.

Quarta Coincidência

Sócio do vereador associou-se ao patrão da Gisparques

Em Dezembro de 1997, o amigo e sócio de Machado Rodrigues na Telser e na Elotécnico, Alberto Marques Lopes, cria uma nova sociedade com Lino Almeida Martins, em cujo escritório já está instalada, nessa altura, a sede social da Gisparques. A nova firma chama-se Alberope, dedica-se à consultoria e gestão, e cada um dos dois sócios fica com uma quota de 22.500 contos.

A sua sede fica na Travessa Henrique Cardoso, precisamente no escritório de Machado Rodrigues, onde a Tecnep dos seus assessores e de Domingos Moura funcionou durante uma dúzia de anos.

Ainda no mesmo mês de Dezembro de 1997, a Alberope junta-se a Domingos Moura e Roberto Berger - que estão a ultimar a venda da maioria do capital da Gisparques com Lino Almeida Martins - e formam uma empresa imobiliária. A sociedade chama-se Lisboa Fundiária, Investimentos Imobiliários Lda e o capital fica assim dividido: Alberope 12 mil contos, Domingos Moura seis mil e Roberto Berger outros seis mil.

A sede fica no escritório de Lino de Almeida Martins, onde também está sediada a Gisparques.

Quinta coincidência

Patrão da Gisparques apostou em iniciativa do vereador

O programa eleitoral da primeira coligação PS/PCP para a Câmara de Lisboa, em 1989, contemplava a criação de parques de estacionamento residenciais, unidades subterrâneas a instalar por associações de moradores, a quem a câmara cederia o direito de utilização do subsolo. O processo, dinamizado e controlado pelo gabinete do vereador Machado Rodrigues, gerou muitas expectativas, mas teve um arranque particularmente moroso e difícil.

A certa altura, Domingos Moura, o empresário da Tecnep, da Gisparques, da Lisboa Fundiária e da Conduta resolveu fazer uma parceria com a Soconstrói e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo para explorar este mercado. A Conduta faria os projectos, a Caixa de Crédito financiá-los-ia e a Soconstrói construiria os parques. O grupo ainda fez "uns 15 estudos prévios", segundo Domingos Moura, mas só o da Av. do Uruguai é que foi concretizado e construído.

Apesar dos esforços do vereador do Trânsito, as restantes associações não foram capazes de levar o processo até ao fim e a câmara acabou por entregar, recentemente, a construção dos parques residenciais à Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa (EMEL). E como a Conduta já tinha feito os estudos prévios "a custo zero", foi combinado, ainda segundo o patrão da empresa, que seria ela a fazer os projectos finais para a EMEL

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