Jornal da Praceta
Público, 10 de Março de 2002

Ambiguidade Favorece Promotor

A deliberação que autorizou a cedência à sociedade Carlos Saraiva II das parcelas anteriormente entregues à Universidade Moderna esconde uma estranha ambiguidade que, sem deferir a pretensão do promotor, satisfaz um inusitado pedido deste. No seu ponto 1, afirma-se que as parcelas cedidas se destinam à construção de um parque de estacionamento em subsolo, "sendo a superfície destinada a espaço de utilização pública e zona de protecção do hotel a construir".

O texto nada mais diz sobre a dimensão dessa zona de protecção, nem explica se ela será arrendada, ou vendida ou de que outra forma será cedida ao promotor, mas o requerimento dirigido por Carlos Saraiva ao vereador Machado Rodrigues faz alguma luz sobre o assunto. Nesse documento, o empresário solicita a "concessão do direito de superfície" sobre "uma área de 4 184,35 metros quadrados destinada à construção da primeira fase do parque de estacionamento", em subsolo, e sobre "uma área de 1446,48 metros quadrados à superfície, destinada a zona de protecção do hotel".

E qual foi a resposta da Câmara?

A expressão usada no ponto 1 não permite concluir que a última parte da pretensão tenha sido integralmente satisfeita e o cálculo do valor a pagar mensalmente em troca do direito de superfície mostra que apenas foi tida em conta a área em subsolo. O texto citado esclarece, porém, que parte da superfície do terreno se destina a "zona de protecção do hotel", subentendendo-se que se trata de uma área privada. O ponto 9 e último da deliberação adensa a confusão, ao afirmar que "a superficiária terá o direito de uso, utilização e manutenção previsto no código civil, da área representada a orla cor azul na planta referida, para zona de protecção do hotel a construir".

Questionado sobre o sentido desta cláusula, um dos responsáveis do Departamento de Gestão Imobiliária que preparou as condições da cedência não escondeu o embaraço, afirmando, com pedido de anonimato, que se optou voluntariamente por uma formulação vaga para não rejeitar uma pretensão inabitual e de base legal duvidosa.

Na prática, a ambiguidade aprovada permite que a câmara entregue quase 1500 metros quadrados de espaço público ao promotor, para que este os anexe ao seu "hotel de charme", sem que, ao menos, essa cedência onere a prestação mensal que terá de pagar ao município pelo uso do subsolo.

J.A.C.

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