Poetas de Lisboa 

 

Quem foi o arquitecto

que fez este Café

tão longe da natureza

e tantos homens de pé?

 

Criado: põe esta gente na rua!

E abre um buraco no tecto

que eu quero ver a lua.

 

José Gomes Ferreira, Poesia III

 

Quem passa pela Av. Rio de Janeiro, num prédio de esquina, destaca-se uma placa alusiva ao local onde viveu José Gomes Ferreira (1900-1985). Nasceu no Porto e morreu em Lisboa. Licenciou-se em Direito e foi cônsul na Noruega (1926-1930). Começou a sua carreira como critico cinematográfico e jornalista. A sua obra em poesia ou em prosa  foi marcada pelo neo-realismo. Entre as suas obras principais destacam-se: 

poesia: Longe (1927), Eléctrico (1956), Poesia I, II, III, IV e V (1962-1973). 

Os seus poemas foram mais recentemente reunidos em três volumes com o título "Poesia Militante; em ficção e ensaio: O Mundo dos Outros (1950), O Mundo Desabitado (1960), Aventuras Maravilhosas de João Sem Medo (1963), A Memória das Palavras (1965) e postumamente Passos Efémeros e a Idade do Malogro.

 

Outros Olhares

Passaram por Lisboa e não a deixaram de registar na suas memórias.

Albert Einstein

Passou por Lisboa, a 11 de Março de 1925, a bordo do navio Cap Colonia a caminho do Brasil.

No seu diário registou as primeiras impressões de uma cidade que vivia num verdadeiro tumulto político.

"Dá uma impressão maltrapilha, mas simpática. A vida parece correr confortavelmente, bonacheirona, sem pressa ou mesmo objectivo ou consciência. Por toda a parte nos consciencializamos da antiga cultura antiga. Graciosa. Vendedora de de peixes fotografada com uma bandeja de peixe na cabeça, gesto orgulhoso, maroto. Visita ao castelo com uma vista imponente sobre a cidade e o porto. Então, fomos de carro a um convento (Jerónimos) próximo do mar. Um gótico tardio bem leve. Uma abóbada elíptica, uma espécie de palmeira irradiando de uma coroa. Belíssimo claustro em dois andares. Adorável chafariz em forma de leão. De volta ao navio. Esta terra mal cuidada inspira em mim uma espécie de "saudade" Hoje já bastante quente, apesar do céu encoberto ."

No Brasil: (As varinas) São mulheres de uma elegância que me faz parar muitas vezes para admirá-las. No grupo em que estava, fotografamo-las e pusemos na nossa mesa de refeição, a bordo, os retratos", in, Diário de  Viagem à América do Sul    

Hans Christian Andersen

" Formara uma imagem desta cidade mas a realidade foi bem outra, mais luminosa e bela. Fui obrigado a exclamar: - Onde estão as ruas sujas que vira descritas, as carcaças abandonadas, os cães ferozes e as figuras miseráveis das possessões africanas que, de barbas brancas e pele tisnada, com nauseantes doenças, por aqui se deviam arrastar?. (...) As ruas são agora largas e limpas; as casas confortáveis, com as paredes cobertas de azulejos brilhantes de desenhos azuis sobre branco. (...) As árvores em flor desprendem um perfume bastante forte; é como se estivéssemos numa loja de especiarias ou numa confeitaria que preparasse e servisse gelados de baunilha" in, Uma Visita em Portugal (1866) 

 

 

 

Lisboa nas artes 

Lisboa não deixa ninguém indiferente. Ao longo de séculos foi cenário, pretexto ou até personagem central de inúmeras histórias. Acompanhe a nossa incursão pelas letras sobre Lisboa.

 

Voltaire - Cândido .

Escrito três após o terramoto de 1755, Cândido representa uma crítica mordaz à concepção de harmonia cósmica que predominou no pensamento ocidental desde a antiguidade clássica. Cândido é a personagem central. Percorre o mundo, acompanhado por Pangloss, o seu tutor e defensor de uma concepção optimista do cosmos.  No dia 1 de Novembro de 1755, desembarcam em Lisboa e assistem atónitos ao fim do mundo. Nenhuma razão do mundo era capaz de justificar semelhante tragédia.

 

Voltaire - Poema sobre o Desastre de Lisboa.

Escrito um ano depois do terramoto, marca uma profunda viragem no pensamento de Voltaire  

 

 

Lisboa: a destruição da memória

 

É caso único na Europa, mesmo em Portugal é difícil de descobrir uma cidade onde ocorra esta prática de destruição da memória dos seus escritores. Nos últimos anos a Câmara Municipal de Lisboa (CML) tem vindo a autorizar ou a promover a destruição  sistemática dos locais onde nasceram ou viveram alguns dos mais notáveis escritores da  língua portuguesa.

Casa de Almeida Garrett. Em 2003 Santana Lopes autorizou a destruição desta casa, para depois recuar na decisão. Carmona Rodrigues, no dia 6 de Janeiro de 2006, autorizou de novo a destruição da casa onde viveu Almeida Garrett. Foi uma das primeiras medidas do novo executivo após ter sido eleito. Mais

Casa de Alexandre Herculano. Alexandre Herculano (de Carvalho e Araújo), nasceu na Rua de São Bento, ao Pátio Gil, a 28 de Março de 1810. A CML, nos últimos anos, arrasou por completo o que restava do pátio onde nasceu. Na Ajuda onde morou, depois de 1839 até ir para Vale de Lobos (Santarém), a destruição é avassaladora, devido à especulação imobiliária. Mais

Casa de Camilo Castelo Branco. Camilo nasceu no dia de Março de 1825, na Rua da Rosa (nº13) ao Bairro Alto. Foi baptizado na Igreja dos Mártires. A Igreja mantém-se de pé. A sua casa está votada ao mais completo abandono. Mais

Casa de António Feliciano de Castilho. A  casa onde nasceu, a 28 de Janeiro de 1800, na Rua da Misericórdia esteve largos anos em completa ruína. Quem passava junto da mesma corria sérios riscos, tal era o seu estado. Mais

Percursos de Eça de Queirós. Eça nasceu na Póvoa do Varzim, morreu em Paris. Contudo, é em Lisboa que decorre a maior parte dos seus romances. Acontece que Lisboa está a acabar com todos os locais onde viveu ou lhe serviram de inspiração. Nada escapa a esta voragem. O original  da sua mais conhecida estátua, guardada no Museu da Cidade de Lisboa está num rápido processo de degradação. Mais

Casa de Cesário Verde. Nasceu junto à Sé e morreu no Lumiar. Ninguém pode deixar de ficar incomodado com o desleixe a que os locais onde viveu estão votados. Mais#

Casa de Wenceslau de Morais. Nasceu, em 1854, no nº. 4 da  Travessa da Cruz ao Torel. A sua casa espelha o desamor da CML pelas grandes figuras da cultura portuguesa. Mais.

Casa do Amirante Gago Coutinho. A placa continua no local a assinalar o sítio onde viveu e morreu em Santos-o-Velho. O edíficio esse ameaça ruir a todo o momento. Mais

Casa de Fernando Pessoa.  A casa onde morreu Fernando Pessoa (Rua Coelho da Rocha, 16) é o único exemplo positivo de uma panorama vergonhoso. É pena que não se tenha investido no seu percurso existencial em Lisboa. Para além da Brasileira (estátua de Lagoa Henriques), umas fotografias no Martinho da Arcada, não seria de esperar mais do que uma lápida na casa onde nasceu ? (Largo do Teatro S. Carlos, 4º-1º). Mais

Luís Vaz de Camões. Terá nascido em Lisboa (1524 ou 1525), mas a cidade sempre desprezou esse facto. Na vila de Constância, onde viveu entre 1546/47, a sua presença está assinalada numa casa quinhentista (Casa da Memória). Em Lisboa visitamos os locais ligados à sua presença na cidade. O que vimos não nos agradou. O abandono é geral. Mais.

Casa de Mário Sá Carneiro. Uma placa colocada num prédio da Rua da Conceição, 93/95, 1º. andar, assinala o local onde nasceu, mas de tão suja que quem passa por ali não repara. Mais.

Casa de Vitorino Nemésio. Rua da Sociedade Farmaceutica, nº. 56, 4º. andar. Neste desgraçado inventário não chega para lavar a honra do convento.

Casa de Virgílio Ferreira. Nenhuma placa, no nº. 64, da Avenida dos Estados Unidos da América, assinala a morada deste vulto da literatura portuguesa.

Casa de Sophia de Mello Breyner Anderson. Na Rua das Mónicas, 57, onde morou a Sophia, nada nos lembra a sua presença, é preciso deslocar-nos ao miradouro da Graça para vermos o seus busto.

Casa de vários escritores. Quem passa pela Rua João Pereira da Rosa, nº6, não pode deixar de ficar surpreendido com o número de placas colocadas num edificio, assinalando que ali viverem Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Ofélia Marques, José Gomes Ferreira, Bernardo Marques, Fernanda de Castro e António Ferro.

Casa de José Cardoso Pires. Nem uma placa em Alvalade assinala a sua morada.

Casa de José Saramago. Nem uma única placa assinala na Rua Afonso Lopes Vieira a sua morada durante largos anos. O mesmo acontece na casa que possuiu na Rua dos Ferreiros à Estrela nº32. Mudou-se para o Bairro do Arco Cego, em 2005.

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