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O processo do Auto-Parque Lins do Rêgo tem sido para os moradores, um verdadeiro caso de estudo sobre as práticas de corrupção em Portugal. A maioria dos seus interlocutores na CML acabaram nas malhas da Polícia Judiciária.

Este caso permitiu por outro lado, estabelecer um confronto entre a reflexão teórica que vai sendo produzida e a realidade observada, sempre mais complexa. 

 

Corrupção, de Luís de Sousa.

Editado pela Fundação Francisco Manuel Santos. Abril de 2011

Uma obra imprescindível para se perceber a razão porque a CML está falida, e Portugal está à beira da bancarrota.

 

Fraude e Corrupção em Portugal

"O inimigo sem rosto: fraude e corrupção em Portugal", da autoria de Maria José Morgado, Procuradora Geral-Adjunta, e do jornalista  José Vegar. Outubro de 2003

Os autores são claros: uma das principais causas da corrupção em Portugal está na sua Administração Pública, minada pelo tráfico de influências, cunhas, compadrios, amiguismos e todo o tipo de séquitos de clientelas.  

Informação e reflexão oportuna 

Sub-capítulo:

"2.a economia do saco azul  (estrutura e significado da corrupção)

 Na sua essência, a corrupção, ao nível político-administrativo de um Estado, consiste num acto secreto praticado por um funcionário ou por um político, que solicita ou aceita para si ou para terceiros, com ele relacionados, e por ele próprio ou por interposta pessoa, uma vantagem patrimonial indevida, como contrapartida da prática de actos ou pela omissão de actos contrários aos seus deveres funcionais.

O acto em si é de uma simplicidade extrema, os efeitos que gera são profundamente complexos, constituindo, quando não detectados a tempo, um problema grave para o Estado de Direito. Isto porque a sua disseminação conduz à desregulação dos sistemas político, social e económico, e à degradação incontrolável dos serviços do Estado, especialmente porque são ignorados os princípios de imparcialidade e igualdade que devem nortear a Administração Pública, as Polícias e os Tribunais.

O Banco Mundial, num relatório recente, garante mesmo que a corrupção é «o maior obstáculo ao desenvolvimento económico e social». Esta instituição defende que «a corrupção desenvolve-se num ambiente onde o poder de membros individuais da sociedade, medido em termos de acesso aos poderosos e em poder financeiro, suplanta o respeito pelas Leis (...) uma alta desigualdade reduz o crescimento económico, que por sua vez impede a redução da pobreza (...) e afecta o modo como o dinheiro público é aplicado, divergindo o investimento de sectores menos lucrativos, como a educação, para outros de altos lucros, como a construção».

Um académico norte-americano, Daniel Kaufman, num já clássico artigo publicado na revista Foreign Policy, em 1997, garante que «(...) um país corrupto tem tendência para captar investimentos na ordem de 5 por cento menos do que países relativamente não corruptos, e para perder metade de um ponto percentual do produto interno bruto por ano».

Isto porque, numa lógica de corrupção, o poder político ou administrativo dos titulares de cargos públicos transforma-se numa mercadoria, num objecto de negócio, orientado quase exclusivamente para objectivos criminosos de enriquecimento ou de poder, individual ou de um grupo. Gradualmente, vai-

-se instalando um desvio dos fins dos poderes públicos para fins individuais ilegítimos. Como escreve Almeida Costa, em «Sobre o crime de corrupção» (Coimbra, 1987), «ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os seus poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se sub-roga ou substitui ao Estado, invadindo a respectiva esfera de actividade. A corrupção (própria ou imprópria) traduz-se, por isso, sempre numa manipulação do aparelho de Estado pelo funcionário que, assim, viola a “autonomia funcional” da Administração, ou seja, em sentido material, infringe a “legalidade administrativa” e os princípios da igualdade e da imparcialidade».

Concretizando, a grande corrupção, ao contrário da corrupção por formigueiro ou corruptela, surge como resultado final da manipulação de um processo administrativo de decisão, através do qual os agentes de suborno e os subornados, compram e vendem um poder decisório em troca de benefícios privados criminosos. Quando a lógica da corrupção toma conta dos serviços, acaba a distinção entre interesse público e interesse particular. Todos os actos passam a ser geridos pela lógica do lucro fácil, do poder arbitrário, do caciquismo, da cunha e do clientelismo.

O acto corrupto torna-se possível pela manipulação – alimentada muitas vezes pela burocracia rígida dos serviços – das regras e das Leis, de forma invisível, graças aos pactos de silêncio e opacidade entre corruptor e corrompido. No fundo, a aplicação da velha máxima de que «a lei é rígida e a prática é mole», transforma-se na mola real dos mecanismos de corrupção.

A violação dos deveres do cargo, do político, autarca ou funcionário – que deviam garantir a igualdade de tratamento dos cidadãos, a proporcionalidade, a justiça, a imparcialidade e a boa-fé, consagrados na Constituição –, tem um efeito de diapasão, com implicações políticas e sócio-económicas corrosivas para todo o aparelho estatal, incluindo o autárquico, e para a sociedade.

Ao reproduzir-se impunemente, a corrupção vai contaminando toda a estrutura pública, criando uma subversão desreguladora, porque a complexa teia de interesses e cumplicidades criada vicia o desenvolvimento do país e do próprio mercado. Surge em todo o seu vigor aquilo que se pode denominar «modelo de capitalismo felgueirense», se quisermos encontrar um chavão explicativo a partir de um fenómeno da realidade nacional actual.

 O economista José Silva Lopes, numa entrevista ao Diário Económico, em Junho de 2003, refere estar muito preocupado com o «poder de alguns grupos de interesse no país (...) As corporações impedem o Governo de desempenhar as suas funções. Os lobbies mandam nos governos, não neste (em exercício) em particular. Têm uma influência determinante e são um grande obstáculo às reformas. Há lobbies em todos os países. Portugal também sempre os teve. Mas com a força que têm hoje, não me lembro».

Por seu lado, o Procurador-Geral da República, Souto Moura, numa entrevista ao diário Público, publicada em Janeiro de 2003, refere que «as pessoas (...) não podem deixar amolecer as consciências ao ponto de considerarem banais coisas que não o são porque violam leis, e vão corroendo o edifício do Estado e a sociedade por dentro. Aí, a corrupção é um dos elementos centrais».

Este processo de corrosão pode ocorrer, só para referir alguns exemplos, na Administração Fiscal, quando se trocam luvas por evasão fiscal, na autarquia, quando há a adjudicação de uma empreitada a uma empresa que paga o suborno em troca de outras mais competentes, na Administração Pública, quando ocorre a contratação de favor encapotada em concurso público, na atribuição de fundos europeus, quando são canalizados para empresas criadas para o efeito, sem qualquer capacidade técnica, e não para entidades genuinamente interessadas na formação de activos.

Deste modo, num quadro de desenvolvimento descontrolado da corrupção, o representante da autoridade pública transmuda-se voluntariamente para agente obscuro de um mercado clandestino, com fins pessoais ilegítimos, activista dos princípios da cunha, do clientelismo e do lucro fácil. As suas decisões não obedecem aos interesses do Estado e a critérios legais mas a objectivos mercantilistas. O seu poder de decisão é negociável, corruptível, determinado pelos interesses dos lobbies, e é da concretização destes últimos que ele extrai poder, benefício e enriquecimento pessoal.

A corrupção nos negócios passa a ser o negócio da corrupção. A igualdade e a imparcialidade são uma mera recordação longínqua, distante da vida das repartições ou dos serviços onde tais práticas se instalem. O funcionário público, ou político, corrupto deixa de ser agente do interesse público, colocando-se ao serviço de interesses privados, sejam eles os de empresas, de partidos, ou de pessoas singulares. A criação de uma teia subterrânea de influências e interesses deixa de ser controlável, e dá origem a um poder também ele subterrâneo, e a uma economia paralela.

Não se pense que a disseminação de actos corruptos deixa indiferentes os cidadãos. A Transparency International (TI), uma organização privada dedicada ao combate à corrupção, defende, no seu relatório de 2002, que «a percepção da corrupção como um problema global marca um importante ponto de viragem» nas atitudes dos governos e das sociedades. Numa sondagem realizada, também em 2002, em 47 países, envolvendo 40 mil pessoas, três em cada dez inquiridos pela TI responderam que «esperam um aumento da corrupção nos próximos três anos» e garantem que esta «tem um efeito significativo na sua vida pessoal».

Ou seja, as pessoas acreditam que os bens jurídicos essenciais da democracia, expostos a esta espécie de ataque sistemático, e sem qualquer contra-

-ataque proporcional do lado dos tribunais, dado o baixo número de condenações efectivas, são atingidos de forma letal. Como escreve Giovanni Sartori, sem um combate sério da corrupção, sem acusações e condenações regulares, ou seja, sem a actuação dos tribunais, em tempo útil, nos casos em que tal se justifique, «a democracia é o nome pomposo de qualquer coisa que não existe».

Para alguns especialistas do tema, como os investigadores europeus Yves Mény e Donatella Della Porta, a corrupção tornou-se, a partir do fim dos anos 80, o principal problema das democracias ocidentais. Baseando-se no estudo de casos ocorridos em Itália, França, Espanha, Alemanha e Inglaterra, Mény e Della Porta defendem que «os fenómenos de corrupção que se desenvolveram no decurso do último decénio e, mais ainda, a sensibilidade crescente da opinião pública para esta questão, constituem uma das expressões mais agudas desta crise» (a dos sistemas políticos ocidentais) e são da opinião de que o fenómeno passou já de «endémico» a «uma espécie de metassistema tão eficiente ou ainda mais do que os aparelhos oficiais nos quais está enxertado e dos quais se alimenta».

O estudo «Corrupção, Finanças Públicas e Economia Paralela», realizado pelo Banco Mundial, defende que «muitos políticos usam os seus direitos para concretizar os seus interesses, como o de manterem o seu lugar em certas empresas, apoiarem empresários politicamente amigos e punir empresários que não os apoiam, e para subsidiar os seus aliados. Os políticos podem também usar estes direitos para enriquecerem (...)».

Talvez esta corrupção dos ideiais democráticos possa ter atingido a sua máxima expressão com Silvio Berlusconi, Primeiro-Ministro de Itália, à data da escrita deste livro. Segundo a revista britânica The Economist, Berlusconi protagoniza «o caso de um homem de negócios rico que usa o seu poder político para expandir os seus negócios, através da eliminação de investigações judiciais contra ele, e da criação de novas leis e regulações que servem os seus interesses. (...) (Berlusconi) é o caso europeu mais extremo de abuso da democracia por parte de um capitalista (...)».

Mény e Della Porta, baseando-se na análise comparativa de casos reais, não têm dúvidas em teorizar que o alargamento da «mancha corrupta» a toda a sociedade está intimamente ligada aos modos de fazer política consagrados no fim dos anos 80, especialmente à exigência de grandes quantias financeiras para o funcionamento da máquina partidária e de campanhas eleitorais.

Também a TI, no seu relatório de 2003, não têm dúvidas sobre uma das mais graves origens da corrupção: «A ausência de reformas estruturais no financiamento partidário e, acima de tudo, a ausência de agências de investigação independentes para controlar os procedimentos contabilísticos dos partidos, continuam a deslegitimar os partidos políticos em toda a europa ocidental». A análise da TI decorre de um facto muito simples. Na sondagem já citada, descobriram que os inquiridos de 33 países consideram que os partidos políticos «são a instituição da qual gostariam de eliminar a corrupção em primeiro lugar».

A este estado de «extrema depressão democrática» não será alheio o facto de, segundo Mény e Della Porta, os «novos» políticos, surgidos a partir da década de 80, serem «trepadores» que abraçam a carreira por motivos de «mobilidade social e ascensão económica rápidas» e «vivem da política, pro-curando retirar dela vantagens extrínsecas ou instrumentais».

Estes políticos, garantem Mény e Della Porta, secundarizam o interesse público, transformando-se em «agentes» com função claramente definida, «patrões de gabinetes públicos (no caso português, organismos públicos), não eleitos pelos cidadãos mas escolhidos pelo partido, tesoureiros de partidos, que gerem as receitas ilícitas provindas das instituições públicas, porta--pastas, que organizam as actividades ilícitas a mando dos poderosos do partido, os homens de confiança, advogados e engenheiros, que são colocados nas comissões de atribuição e controlo», por exemplo de concursos públicos de obras, e, finalmente, os burocratas encartados, fiéis aos seus padrinhos políticos».

A todos eles, Mény e Della Porta chamam «políticos de negócios» para quem «o reconhecimento é de ordem clandestina e de natureza económica. 

A sua principal função é a de mediação entre os diversos participantes nas trocas ocultas, quer se trate de criar contactos ou de facilitar as negociações entre as partes implicadas nessa troca».

São estes «políticos de negócios» que consagram a existência de «mecanismos mais ou menos oficiais de controlo político das nomeações de certos funcionários (...), que conduzem a um embargo dos partidos sobre a Administração Pública, o que cria feudos que os partidos e os seus amigos podem utilizar para praticar a corrupção e o clientelismo». E, obviamente, são eles que se tornam extremamente dependentes de um sistema em que a «rede de relações e o dinheiro recolhido no mercado da corrupção são reinvestidos no terreno da política, permitindo assim ao político corrupto levar a melhor na competição com os seus concorrentes no interior e fora do partido».

Hoje em dia, em Portugal, a corrupção, confirmando a tendência europeia, já não se manifesta apenas segundo as suas formas arcaicas, das quais a mais conhecida é a do envelope por debaixo da mesa, na gíria chamada «corruptela», de formigueiro, ou pequena corrupção, praticada por funcionários menores, embora a corrupção da «mala de cartão com dinheiro» continue a ser praticada.

No entanto, ao nível da grande corrupção, noticiam-se práticas que revelam ser este um fenómeno sofisticado, invisível, diluído no sistema político e administrativo, e em todas as modalidades de crime económico. A aplicação real do académico «metassistema».

Os recentes casos de corrupção nas autarquias, no futebol, nas finanças e nas forças policiais, não constituem, porventura, causas da «crise do sistema» ou do desprestígio dos políticos e das instituições, mas pelo contrário, são o seu «efeito», revelam o estado de degradação do sistema. São os sintomas da doença, uma vez que nunca foi verdadeiramente tratada a causa, identificada a sua raiz e efectuado o diagnóstico.

A democracia portuguesa, à semelhança de grande parte das suas congéneres europeias, não conseguiu criar mecanismos administrativos e decisórios impermeabilizadores à reprodução de práticas corruptas sistemáticas. O modelo de desenvolvimento económico do nosso país, muito assente no Estado, na subsídio-dependência, no proteccionismo, a que se junta o adiamento das reformas estruturais, na Administração Pública, na Justiça, Educação e Saúde, criam espaço para a economia paralela, para o tráfico de influências, e para um séquito de clientelas organizadas segundo o modelo tradicional do caciquismo rural, que encontram no aparelho do Estado o alimento para a sua existência. Aquilo que Mény e Della Porta classificam de «sociedade bloqueada», devido a «práticas generalizadas de arranjos secretos entre agentes» (políticos, funcionários da Administração Pública e empresários), proporcionados por traços omnipresentes das sociedades europeias, como são o «patrimonialismo, o clientelismo e o nepotismo», e que, no caso português, se alojam naquilo que se pode designar, mais uma vez, como «modelo de capitalismo felgueirense», onde é possível encontrar o caciquismo rural, e, claro, a cunha, o clientelismo e o lucro ilícito.

Em termos puramente estatísticos, a realidade portuguesa não parece ser muito preocupante, confirmando a tendência mundial para a enorme discrepância entre a criminalidade real e a criminalidade participada, nos crimes que estamos a analisar.

Eduardo Viegas Ferreira, sociólogo, autor de «Crime e Insegurança em Portugal», defende que, a nível estatístico, a situação no nosso país é preo-cupante, dado o facto de «as estatísticas criminais tenderem a subavaliar a criminalidade real e a reflectir apenas a maior ou menor capacidade de intervenção e a maior ou menor eficácia do sistema de justiça criminal».

Viegas Ferreira, no livro mencionado, detém-se particularmente na dificuldade de obter números fiáveis sobre a corrupção em Portugal. Escreve ele que «a raridade, nos registos efectuados pelas autoridades policiais, de crimes que são induzidos ou, pelo menos, tolerados e encobertos por funcionários públicos permite, assim, suspeitar de que os mesmos continuam, na sua maioria, a não ser participados ou detectados».

Em defesa da sua tese, Viegas Ferreira cita um inquérito de Boaventura Sousa Santos, realizado em 1996, onde 8,4 por cento dos inquiridos admitiam ter sido convidados por funcionários públicos a gratificar ou comprar favores dos mesmos. De seguida, Viegas Ferreira extrapola esta percentagem para um universo de 7,5 milhões de portugueses com mais de 24 anos, obtendo-se, segundo ele, «um assustador número de 600 mil portugueses que já terão sido aliciados a comprar os favores de um funcionário público». 

A confirmar a hipótese de Viegas Ferreira, a percepção dos portugueses é distinta daquela fornecida por estes escassos números. Ainda segundo a sondagem da TI, 18, 7 dos portugueses gostariam de ver o fim da corrupção nos partidos políticos, 18 por cento no Serviço de Saúde, 14,5 na Administração Fiscal, e 14,8 nos Tribunais, só para referir as percentagens mais elevadas. Por outro lado, uma sondagem conjunta do diário Público e da Universidade Católica, publicado em Julho de 2003, aponta que a corrupção é a segunda maior preocupação dos portugueses, a seguir ao desemprego, segundo 49 por cento dos inquiridos.

Curiosamente, a percepção do cidadão comum coincide com a percepção dos peritos. Para estes últimos, o adiamento constante do combate sistemático do fenómeno em Portugal, ou a tendência para o exercício do combate demagógico, em proclamação de comício, reforçou a tendência para o desenvolvimento de cenários de corrupção, que permitiram o crescimento galopante da acção dos agentes corruptos, por exemplo na Administração Pública e no Poder Local, para citar apenas as zonas mais combustíveis e expostas, e o exercício de uma plêiade de modalidades de corrupção, como o tráfico de influências, a «venda» de decisões políticas e administrativas, as ingerências na Administração Pública e nas empresas públicas ou privadas, o cambão na contratação de serviços públicos com percentagens indevidas, os desvios de fundos públicos para fins privados e partidários, a utilização das autarquias e de outras estruturas públicas para fins privados criminosos.

As empresas, nacionais ou multinacionais, que querem actuar no mercado português, são obrigadas a desvalorizar a competência e a eficiência, em detrimento da aceitação de pactos com regras ocultas, que quase se transformaram numa exigência de certos serviços públicos.

De acordo com o semanário Expresso, o Mckinsey Global Institute (MGI) defende, num estudo solicitado pelo Ministério da Economia, que «a informalidade é responsável por 28 por cento deste (o português) gap de produtividade. Permite que empresas menos produtivas se mantenham no mercado, fugindo ao fisco e desrespeitando as leis. Inibe as empresas de aumentar a sua dimensão, pois isso implicaria uma maior transparência e fiscalização. Finalmente, afasta as empresas internacionais de entrar no mercado português, pois não sabem gerir esta informalidade».

Assim sendo, a partir daqui, torna-se inviável qualquer controlo efectivo da vida pública e das instituições.

A isto, há que juntar duas características especialmente perigosas do nosso poder político-administrativo. A primeira tem a ver com a permissão de acumu-lação de cargos, a não limitação de mandatos e, no caso das autarquias, com a concentração excessiva de poderes nas mãos dos presidentes das câmaras municipais, especialmente sobre decisões económicas e no urbanismo. A segunda não é mais do que a burocracia excessiva, feita do emaranhamento de leis e regras, que permite o poder arbitrário, e institucionaliza a doutrina do «dá-se um jeito».

A partir daqui, nascem potenciais cenários de corrupção que, por sua vez, geram uma série de fontes de corrupção, especialmente atraentes para quem não quer jogar limpo, ou para quem está interessado em defraudar as regras.

Segundo o Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO), um corpo de peritos formado pelo Conselho da Europa para combater a corrupção nos países membros, no seu relatório de avaliação a Portugal, publicado em Julho de 2003, no nosso país «as mais frequentes formas de corrupção são a aceitação e solicitação de subornos por parte de funcionários públicos, realizada por entidades exteriores ao Estado (...). A percepção (do GRECO) é que a corrupção mantém-se (em Portugal) a um nível relativamente alto». Em favor da solidez da sua tese, os peritos do GRECO citam números da Polícia Judiciária, referentes a investigações efectuadas em 2001, que levaram a julgamento 3 casos relacionados com corrupção na Administração Pública central, 17 nas autarquias, 3 em tribunais, 17 na polícia, 1 na Segurança Social, 46 em laboratórios farmacêuticos, 2 em institutos públicos, e 6 na Direcção-Geral de Viação.

A primeira das fontes de corrupção portuguesa é, obviamente, uma Administração Pública, nos seus mais diversos níveis, degradada pelo abandono dos critérios de gestão e promoção assentes na competência e no mérito, e ainda por uma ultraburocratização – ao ponto de a própria Constituição da República portuguesa, no artigo 217.º, conter um apelo patético à desburocratização – que longe de balizar condutas e regras, aumenta o poder arbitrário dos funcionários. A burocracia, ou o «imposto assassino», como uma vez foi tocantemente designada por um empreiteiro de construção civil, num debate televisivo, torna tão difícil qualquer relação com os serviços públicos, que abre caminho para o chamado, nos países anglo-saxónicos, «speed-money», ou seja, só o suborno ao funcionário desbloqueia o problema. Por outro lado, a falta de formação profissional, de estímulos profissionais, a progressão automática e uniforme das carreiras, a desvalorização do zelo e do mérito, levam à progressiva substituição do interesse público por critérios de interesse pessoal e partidário. Mais ainda quando os directores-gerais, os homens forte da estrutura, o topo dos cargos da Função Pública, alcançam os seus lugares quase totalmente através de nomeação partidária, o que cria um espírito mercenário e de obediência ao partido, que elimina qualquer ideal de dever de serviço ao cidadão. Refira-se a propósito que a mais recente proposta de reforma da Administração Pública, da autoria do governo em exercício, é omissa em relação a este ponto, absolutamente vital para reduzir os níveis de corrupção. Pelo contrário, o actual governo tem a intenção de aprovar legislação no sentido de as equipas dirigentes da Função Pública serem de escolha directa do respectivo director-geral.

Uma segunda fonte de corrupção radica na utilização perversa do seu cargo por parte de alguns decisores da Administração Central e Local – ministros, autarcas, secretários de Estado e directores-gerais – assente na oportunidade de por vezes fazerem uso venal do seu poder, especialmente na adjudicação e contratação de serviços e empresas, sem que se verifique uma detecção imediata pela fiscalização.

Quando estas adjudicações e contratações não são feitas segundo critérios de competência, isenção e respeito pela concorrência, mas sim de clientelismo, de interesses privados, e especialmente políticos, com os mais diversos objectivos, o Estado, através de certos representantes, assina contratos cujas cláusulas beneficiam unilateral e excessivamente os grupos privados, e jamais a suposta negligência ou falta de zelo que preside à sua assinatura é penalizada através da respectiva responsabilidade financeira. O laxismo institucional, neste campo, tem sido tal que a acusação, recentemente produzida, no caso do hospital Amadora-Sintra, normal num Estado de Direito, surge como algo de inédito (ver cápsula «o dinheiro público e o Amadora-Sintra»).

O problema é que, sem nos referirmos agora ao caso específico envolvendo o hospital Amadora-Sintra, mas sim na generalidade, há casos em que, aparentemente, tudo é feito de modo legal e escrupuloso, mas os contratos realizados violam gravemente princípios públicos, até o dever de zelo, já que se verifica por vezes que o dinheiro gasto não corresponde de maneira alguma ao serviço prestado.

Uma terceira fonte de corrupção vem das grandes necessidades financeiras dos partidos, muito para além dos orçamentos permitidos por Lei. Os partidos, hoje, ao mesmo tempo que perdem representatividade junto dos cidadãos, sendo obrigados a ocultar a falta de militância com o marketing, transformam--se em gigantescas máquinas de absorção de dinheiro, especialmente para a remuneração dos seus funcionários e actividades quotidianas, e para a organização de campanhas eleitorais apelativas e omnipresentes durante o tempo que duram. 

Estas necessidades financeiras constantes e pesadas geram uma pressão permanente no mercado das obras públicas e adjudicação de serviços, só para referir os mais óbvios, o que acaba por liquidar relações transparentes entre o Estado e os privados. Ou seja, por outras palavras, os partidos são, simultaneamente, fonte e objectivo da corrupção, se não forem auditados correctamente. Isto é, fonte porque a exigência do desvio de verbas despoleta o acto corrupto, e objectivo porque o acto é cometido justamente com o intuito de obter uma verba secreta para uma acção partidária. Diga-se que, em muitos casos, este é apenas o começo do circuito, que muito rapidamente acaba por permitir o desvio de verbas para as contas pessoais de dedicados militantes e dirigentes.

O deputado europeu social-democrata Pacheco Pereira, numa crónica publicada em Julho de 2003 no diário Público, toca na ferida, ao referir que «a maioria dos cidadãos associa a política à corrupção, e se a acusação é genérica e injusta para muitos políticos, é alimentada pela falta de cuidado, to say the least, com que os responsáveis políticos lidam com situações obscuras envolvendo dinheiro no âmbito dos partidos e do Estado. Esta questão (...) tem a ver com os costumes no trato com dinheiro que são politicamente admissíveis».

O mercado das obras públicas e serviços é, por si só, um manancial de oportunidades de corrupção, também por omissão de fiscalização adequada.

Para além do que é acima referido, a sobreposição, profusão e confusão legislativa, aliada à densidade da burocracia camarária e da Administração Central, para além de interesses venais pessoais dos decisores, tornam extremamente movediço este mercado, abrindo caminho a práticas de cambão e viciação de concursos, determinados pela avidez do clientelismo e dos interesses ocultos.

Obviamente, se assim acontecer, é o cidadão a sofrer as consequências. Segundo o diário britânico Financial Times, «subornos resultam na atribuição dos maiores concursos a empresas incapazes de realizar eficientemente o trabalho, e a um custo superior para o erário público».

O financiamento do futebol é também uma possível fonte de corrupção a considerar, dada a popularidade procurada por políticos e autarcas através de financiamentos, doações e outros expedientes. Essencialmente, isto acontece porque o futebol gera grande simpatia entre o eleitorado, e é uma força centrífuga, que atrai a si os empreiteiros e os seus negócios com as autarquias, envolvendo terrenos e construções. O futebol, especialmente a nível local, é uma actividade tão marcante para a vida social e política, e gera por sua vez tantas possibilidades de negócio, que, para muitos decisores, acaba por ser, simultaneamente, um irresistível campo de injecção de enormes verbas desviadas de outros fins, e de recolha de novamente enormes outras verbas para utilização pessoal e partidária. A tríade autarquias, futebol e construção civil tem produzido clientelismos poderosos, em muitos casos assente em negócios obscuros. Aliás, em certos círculos académicos portugueses, que infelizmente não partilham publicamente as suas ideias, alguns clubes de futebol de dimensão regional ou local são já encarados como «os off-shore dos pequeninos», dado que permitem, por vezes, e em certos casos, as mesmas vantagens de confidencialidade e rotação de dinheiro oferecidas pelos referidos paraísos fiscais.

A instalação de fenómenos crónicos de evasão fiscal, por parte de particulares e empresas, é outra das grandes fontes de corrupção portuguesas. A tentação de não pagar impostos de forma sistemática faz com que a tentativa de aliciamento dos funcionários fiscais seja permanente e ousada, criando, em certos pontos, uma lógica da máquina fiscal em que esta vive já de comportamentos desviantes, transformando-se numa fonte de corrupção bastante activa.

Indo mais ao pormenor, quando a evasão fiscal se torna uma possibilidade de fácil concretização, apenas dependente do fiscal ou do funcionário competente, gera-se uma impunidade geral, que anula completamente os princípios de equidade da Administração Fiscal. Rapidamente é engolida a distância que vai da corrupção até aos fenómenos de extorsão, praticados pelos próprios funcionários, gerando-se algo muito para além da pressão normal da evasão fiscal: um fenómeno organizado, duradouro, complexo e lesivo, com origem nalguns a quem incumbe acautelar os interesses do Estado.

Por último, o não funcionamento das instâncias de controlo e fiscalização efectivos ao nível dos vários serviços, porque demasiado formalistas, geram, por si próprios, um clima de impunidade extremamente aliciante para o candidato à corrupção, porque permitem que os fenómenos de tráfico de influências e de corrupção adquiram uma tal exuberância e solidez de cumplicidades, que torna praticamente impossível combatê-los pela via criminal.

Identificadas assim o que nos parecem constituir as maiores fontes de corrupção na democracia portuguesa actual, é diagnosticável uma lógica de corrupção que alimenta e se alimenta do mau funcionamento de sectores públicos vitais, gerando uma série perfeitamente definida de zonas de risco, entendidas como as que concentram factores susceptíveis de originar mais facilmente situações de corrupção, tráfico de influências e peculato, fraude e branqueamento dos respectivos proventos. Ou seja, de gerarem um poder subterrâneo, ameaçador para a democracia. Localizam-se nas autarquias (especialmente devido à concentração de poderes nos presidentes de câmaras), no futebol, nos financiamentos partidários incontrolados, na Administração Fiscal, e em todo um vasto conjunto de serviços públicos de contacto directo e intenso, pela sua especial importância, com os cidadãos, que vão das Polícias ao Serviço de Saúde, passando pelas Direcções de Viação.

Chamamos-lhe zonas de risco pela potencialidade de práticas de corrupção, estimuladas pela profusão legislativa, pela falta de transparência, pelo deficiente funcionamento dos serviços e burocracia, pela reprodução de métodos de trabalho e decisão incorrectos, e pela ausência de fiscalização, e por essa razão devem constituir prioridade da investigação criminal e dos tribunais, a menos que permaneça a indiferença perante o progressivo colapso dos serviços situados nestas zonas.

Dito de outro modo, a menos que se permita o desenvolvimento irreversível da corrupção, do tráfico de influências, da fraude e do branqueamento dos seus proventos criminosos. Porque, afinal, o cenário acima traçado não é mais do que a pormenorização das teias da economia paralela, através das quais o decisor público apadrinha um desenvolvimento económico viciado, promovendo uma miragem de democracia que na realidade apenas favorece os grupos que aceitam o pacto negro, onde a livre concorrência dá lugar ao suborno, e a competência ao favorecimento. A síndrome de uma corrupção endémica que é produto da pobreza e gera ainda mais pobreza. Síndrome que origina custos adicionais para os consumidores e para as empresas, em tudo o que consomem ou produzem, das autoestradas aos imóveis, trava o desenvolvimento da sociedade e da economia e interfere nos mais altos mecanismos de representatividade dos cidadãos, quando os interesses privados se sobrepõem a todos os outros, o que é talvez a mais grave consequência deste mal contemporâneo.

 Feito o enquadramento teórico e histórico da corrupção, tentaremos nas páginas seguintes mostrar como ela se concretiza na vida política e económica do nosso país."

 

" Face à gravidade dos indícios de corrupção detectados no famigerado Processo do Auto-Parque Lins do Rêgo, a proposta de  embargo e o cancelamento de todas as licenças, por parte dos técnicos da CML, era o mínimo que esta entidade devia de fazer. 

Os moradores esperam que o actual Executivo Camarário promova também um rigoroso inquérito interno para apurar responsabilidades e entregue o caso à Polícia Judiciária.

Lisboa, mais do que merece, exige que estas práticas mafiosas sejam banidas da cidade." (2003 )

Continua

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A Destruição do Jardim da Rua José Lins do Rêgo

 

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